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Zelensky teve que retirar-se às pressas e não assinou – pelos menos por enquanto – o acordo que concede aos EUA 50% dos minérios, petróleo e gás que venham a ser descobertos na Ucrânia
O colapso da reunião na Casa Branca entre o presidente Donald Trump e o presidente de mandato vencido Volodymyr Zelensky, diante da mídia, após uma altercação ao vivo que pôde ser vista no mundo inteiro, com Zelensky se recusando a abraçar a diplomacia para resolver a guerra e Trump acusando-o de “apostar na III Guerra Mundial”, de ter destruído “o próprio país” e de “não ter qualquer carta sem os EUA”, acaba por ser o sintoma mais eloquente da iminente derrota da Otan em sua guerra por procuração na Ucrânia para expansão da aliança imperial até às portas da Rússia, levada a cabo tendo o regime de Kiev, que a CIA instaurou em um golpe de Estado em 2014, como instrumento.
Meios de comunicação que cobriam o entrevero no Salão Oval o consideraram “sem precedentes”. Previamente, aguardava-se que Zelensky iria assinar um acordo com Washington que concederia aos EUA em torno da metade dos minerais, petróleo e gás ucranianos.
O que era inicialmente um clima de desconforto rapidamente escalou para um bate-boca, diante da insistência de Zelensky em recusar qualquer ação que conduzisse ao fim do conflito, o que ficou ainda mais explícito diante de sua resistência à observação de Vance de que esse caminho [a guerra] já fora tentado por “Biden” e que era preciso passar à diplomacia, e que as “ações” de Trump nesse sentido é que deveriam importar.
“Você deveria estar grato pelo presidente [Trump] estar tentando terminar a guerra, estar tentando evitar a destruição do seu país”, disse Vance, que mais adiante lembrou que Zelensky, em outubro passado, foi à Pensilvânia fazer campanha pela reeleição de Biden.
Zelensky reincidiu no esforço para negar qualquer negociação com a Rússia, até o ponto de provocar uma explosão de Trump. “Não nos diga o que nós sentimos, você não está em posição de ditar o que sentimos.”
Sempre interrompido por Zelensky, Trump lhe disse que “seu país está com um grande problema, você não está vencendo, você tem uma oportunidade muito boa de sair, porque nós estamos [tentando negociar]”.
Sobre a alegação do vassalo de que ficara “sozinho” contra a Rússia desde 2022, o presidente norte-americano lhe lembrou que “o estúpido Biden lhe deu US$ 350 bilhões, lhes deu equipamento militar, se vocês não tivessem nosso equipamento militar, essa guerra terminaria em duas semanas. Talvez menos que duas semanas”.
Trump acrescentou achar bom para o povo norte-americano “ver o que está acontecendo” na reunião Kiev-EUA na Casa Branca, que foi transmitida ao vivo.
“Você tem que ser grato, você não tem as cartas, o povo está morrendo, seu tempo está acabando, você está ficando sem soldados e então você nos diz ‘eu não um quero cessar-fogo. Se você tiver um cessar-fogo, então pegue-o, as balas vão parar de zunir”, acrescentou.
Sobre os laços de Zelensky com o Partido Democrata, Trump disse a ele que “Obama lhes deu lençóis, eu dei [mísseis antitanque] Javelins”.
Afinal, Zelensky se retirou, sem assinar o acordo, que concede aos EUA pela perpetuidade 50% dos minérios, petróleo e gás que venham a ser descobertos na Ucrânia.
Há duas semanas, delegações russa e norte-americana se reuniram em Riad, capital da Arábia Saudita, para negociar um caminho para a restauração das relações diplomáticas, que estavam em estado tão lamentável que sequer havia embaixadores, uma saída para a guerra na Ucrânia e uma discussão das armas estratégicas. Conversação que foi considerada produtiva pelos dois lados, havendo a possibilidade, no futuro de uma cúpula Putin-Trump.
Antes de desencadear a operação militar na Ucrânia, contra a limpeza étnica em curso contra a população de ascendência russa no Donbass, depois do rompimento, pelo regime de Kiev, dos Acordos de Minsk, a Rússia propôs ao governo Biden e a Otan negociações abrangentes para restaurar a segurança coletiva indivisível na Europa, rompida pela expansão da Otan a leste, em violação aos compromissos assumidos quando da reunificação alemã, e ainda pela retirada dos EUA dos Tratados INF, de proibição de Mísseis Intermediários na Europa, que evitara por quatro décadas a guerra nuclear no velho continente, assinada por Reagan e Gorbachev.
Questões sobre as quais Putin já advertira em 2007 no célebre discurso “contra o mundo unipolar” sob os EUA na Conferência de Segurança de Munique, anunciando que um mundo multipolar viria. A ordem de anexar a Ucrânia à Otan foi dada por W. Bush em 2008 e o golpe da CIA seis anos depois foi para implementar esse ditame. Com o golpe, os neonazis serviram de tropa de choque para a Otan na perseguição a tudo que fosse russo, do idioma à religião, com direito a queimar vivos oposicionistas na Casa dos Sindicatos em Odessa.
Com a crise financeira de 2008 nos EUA, que abalou seus alicerces, e a irrupção da China como motor inconteste da economia mundial e da cooperação ganha-ganha, a sanha neocon contra a Rússia só fez recrudescer, agora sob o prisma de, primeiro estraçalhar a Rússia para depois encarar a China.
Delírio que está sendo enterrado no front no Donbass, depois de a guerra de sanções, a mais intensa já desencadeada contra algum país, ter fracassado. Aparentemente, Trump acredita em que é possível algum nível de convivência com a Rússia, que a distancie de Pequim, uma espécie de Kissinger reverso, para poder enfrentar a China.
Como se sabe, o próprio Trump, com sua saída do Tratado INF em 2019 tornou mais inadiável, para a Rússia, encarar o problema de barrar a anexação da Ucrânia pela Otan, o que tornaria Moscou alvo, e como ele mesmo gabou-se, foi ele quem deu Javelins aos neonazis. Trump também havia deixado claro, antes da eleição de 2020, que não renovaria o último tratado estratégico de limitação de armas nucleares, o Novo Start.