
Já estão em Cingapura o líder norte-coreano Kim Jong Un e o presidente dos EUA, Donald Trump, para a histórica cúpula desta terça-feira (segunda-feira pelo horário do Brasil) que pode abrir caminho para a assinatura de um tratado definitivo de paz e para a desnuclearização da península coreana. A cúpula começa às 9 horas da manhã, horário local, em um resort da ilha de Sentosa. Na véspera, delegações das duas partes mantiveram conversas em nível de trabalho.
Conforme a agência de notícias estatal KCNA, da Coréia do Norte, os dois lados vão trocar “opiniões amplas e profundas” para redefinir as relações e a cúpula é parte de uma “era de mudança”. As discussões vão enfocar “a questão da construção de um mecanismo de manutenção da paz permanente e durável na península coreana, a questão da realização da desnuclearização da península coreana e outras questões de interesse mútuo”, assinalou a KCNA.
Trump deixou mais cedo a cúpula do G-7 para se dedicar à reunião com Kim. Sobre o que chamou de “sua missão de paz”, disse em resposta a um jornalista ter “um objetivo claro, mas tenho que dizer, será sempre no impulso do momento”. Ele acrescentou que ia saber “na hora”, cara a cara, se a negociação iria avançar ou não. “Não tem como saber, isso nunca foi feito nesse nível antes”.
O fim de semana não foi propriamente brilhante para o presidente norte-americano, com a tumultuada reunião do G7 (ou G6 +1, como alguns passaram a sugerir). Acompanham Trump seu chefe de gabinete John Kelly, o secretário de Estado Mike Pompeo, a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, e o conselheiro John Bolton.
O líder norte-coreano Kim viajou até Cingapura em um Jumbo cedido pela China. Ele está acompanhado dos seus principais auxiliares, Ri Yong Ho e Kim Yong Chol, e da sua irmã, Kim Yo Jong, que já demonstrou nos Jogos Olímpicos seus pendores diplomáticos. Kim foi recepcionado pela chanceler de Cingapura, Vivian Balakrishnan, que também já se encontrou com Trump. Já deram as caras, correndo ao lado da limusine do chefe, aqueles seguranças simpáticos vistos na cúpula em Panmunjon em abril.
Conforme a Reuters, Trump teria se convencido de que a Coreia está disposta à desnuclearização, mas de uma forma medida, preto no branco, por etapas verificáveis e alívio escalonado das sanções. Como Pyongyang já afirmou – e costuma ter uma palavra reta, muito reta – só precisa de armas nucleares para sua defesa e, se não houver ameaça, as armas não ameaçam ninguém e, menos ainda, Seul.
Na cúpula do final de semana da Organização de Cooperação de Xangai, os presidentes Xi Jinping (China) e Vladimir Putin (Rússia) expressaram seu apoio a uma solução negociada da crise na península coreana e ao sucesso da reunião em Cingapura. Os dois países vinham defendendo que, em troca da suspensão dos testes nucleares e de mísseis pelo norte, também os EUA e Seul – cujo comando militar é sob o Pentágono – suspendessem os exercícios militares, para dar ensejo a uma negociação sem condições pré-determinadas.
Foi a declaração de Ano Novo do líder Kim, pela reconciliação intercoreana, seguida pela delegação conjunta norte-sul nos Jogos Olímpicos de Inverno e pela cúpula de abril com Moon Jae-in (presidente do sul), que conduziu ao isolamento da política de sanções, provocações, chantagens e ensaios de ataque nuclear à Coreia Popular, que haviam forçado Pyongyang, sob as mais duras condições, a desenvolver sua força de dissuasão nuclear, após ter sido ameaçada pelo governo de W. Bush (que invadira o Iraque e o Afeganistão) com “ataque nuclear preventivo”.
O governo de Seul informou diretamente a Trump a disposição de Pyongyang de realizar negociações pela paz e desnuclearização na península, o que acabou sendo aceito pelo presidente dos EUA, a que se seguiram visitas de Pompeo à Coreia Popular.
A cúpula quase foi desmarcada após Bolton alardear que a desnuclearização teria que ser “no modelo líbio” – país que assinou acordo com os EUA, abriu mão do seu programa nuclear e depois foi traído, bombardeado e teve seu líder assassinado, e está no caos até hoje. E de outra provocação, com o envio de bombardeiros B-52 para um “exercício aéreo” contra o norte.
Pyongyang deixou claro que não estava discutindo a desnuclearização unilateral, mas um caminho para a paz, reconciliação e desnuclearização na península, que é parte do objetivo maior de reunificar pacificamente a milenar nação.
Nos últimos anos, a Coreia Popular foi caluniada como um país “isolado e atrasado”, mas mostrou toda a sua capacitação científica, industrial e militar, ao construir um arsenal nuclear modesto – mas bastante efetivo, inclusive com a Bomba-H – e também mísseis balísticos capazes de alcançar o agressor. Apesar das ameaças de invasão, que se repetem duas vezes por ano, há 65 anos, e das sanções incapacitantes, destinadas a matar o país de fome e por falta de combustível, a Coreia Popular se manteve firme, até ser aberto o espaço para a negociação.
Ainda, máquina de propaganda do imperialismo não cessava de caracterizar Kim como “louco” que mandava matar os auxiliares que “dormiam em reunião” com canhão antiaéreo. Até que os emocionados encontros de Kim com seu conterrâneo Moon, pela reconciliação, puseram abaixo toda essa baboseira infame.
Ao reafirmar a cúpula, o governo da Coreia Popular teve a sensibilidade de registrar que, com todas as peculiaridades de Trump ou que lhe são atribuídas, ele foi o primeiro presidente dos EUA a se dispor a discutir cara a cara uma solução para a península coreana e para um “armistício” que já dura 65 anos. Nação milenar, a Coreia foi dividida pela ocupação norte-americana a seguir a II Guerra e até hoje o Pentágono mantém no país mais de 28 mil soldados e dezenas de bases. Em seu mais recente tweet na segunda-feira (11), Trump registrou que é “ótimo estar em Cingapura, emoção no ar!”
ANTONIO PIMENTA