“A velha estrutura mundial foi superada e há uma luta séria em meio ao surgimento de uma nova ordem”, destacou o presidente russo durante o XXI Fórum Internacional do Clube de Discussão de Valdai
Chegou uma era “de mudanças fundamentais e revolucionárias”, afirmou esta quinta-feira o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante o seu discurso no encerramento do XXI Fórum Internacional do Clube de Discussão de Valdai, que começou na segunda-feira (4), na cidade russa de Sochi.
“Estamos reunidos no dia 7 de novembro, uma data significativa para o nosso país, pode-se dizer, para o mundo inteiro. A Revolução Russa de 1917, tal como as Revoluções Holandesa, Inglesa e Francesa no seu tempo, tornaram-se, até certo ponto, marcos no desenvolvimento da Humanidade e determinaram em grande parte o curso da história, a natureza da política, da diplomacia, da economia e da ordem social”, afirmou.
“Estas duas últimas décadas não foram apenas repletas dos acontecimentos mais importantes, por vezes dramáticos, de escala verdadeiramente histórica. Diante dos nossos olhos está se formando uma ordem mundial completamente nova, não semelhante à que conhecemos do passado. Novos poderes estão surgindo. Os povos estão mais claramente definidos e estão mais conscientes dos seus interesses, do seu valor próprio, da sua originalidade e da sua identidade”, refletiu o mandatário.
Este ano, o Fórum de Valdai celebra o seu 20º aniversário e conta com a participação de 140 estudiosos de mais de 50 países, que vieram a Sochi para discutir o tema principal do evento: ‘Paz duradoura: em que base? Segurança global e oportunidades iguais para o desenvolvimento no século XXI”.
“O MOMENTO DA VERDADE ESTÁ SE APROXIMANDO”
“Em certo sentido, o momento da verdade está se aproximando”, assinalou Putin. “A velha estrutura do mundo está desaparecendo, pode-se dizer que já desapareceu. E desenvolve-se uma luta séria e irreconciliável pela formação de uma nova ordem”, explicou.
“[Esta luta] é irreconciliável, antes de tudo, porque não é uma luta pelo poder ou pela influência geopolítica, mas um choque dos próprios princípios sobre os quais se construirão as relações entre os países e os povos na próxima etapa histórica”, sustentou.
Da mesma forma, Putin sublinhou que uma nova ordem mundial só pode basear-se na igualdade de direitos. “No mundo multipolar emergente não deveria haver países e povos perdedores, ninguém deveria sentir-se em desvantagem”, afirmou, frisando que “a segurança de alguns não pode ser garantida à custa da segurança de outros, este é um princípio fundamental”.
“A DESIGUALDADE É O VERDADEIRO FLAGELO DO MUNDO MODERNO”
Da mesma forma, no mundo deve haver “justiça para todos”, indicou. “A desigualdade é o verdadeiro flagelo do mundo moderno”, denunciou, apontando que este problema cria “tensões sociais e instabilidade política”, bem como “diferenças de desenvolvimento” entre os países.
O líder russo observou que “o mundo moderno é imprevisível”. “Se olharmos 20 anos para trás e avaliarmos a escala das mudanças, e depois projetarmos essas mudanças nos próximos anos, podemos assumir que os próximos 20 anos não serão menos e, se não, mais, difíceis. Depende de muitos, muitos fatores”, acrescentou.
“Vemos um conflito entre a grande maioria da população do planeta, que quer viver e desenvolver-se em um mundo interligado de enormes oportunidades, e a minoria global, que só se preocupa com uma coisa: manter o seu domínio”, observou.
Enfatizando a política de não interferência da Rússia, Putin destacou que o país não busca ensinar ou impor sua visão de mundo a outros. O chefe do Executivo também declarou que não pode haver hegemonia no ambiente internacional emergente e que a Rússia luta não só pela sua soberania, mas também pela liberdade de todos os países.
Ele criticou o liberalismo ocidental, afirmando que tem levado a uma intolerância extrema e à agressão, e advertiu que o mundo está se aproximando de um limite perigoso.
Segundo Putin, o desejo do Ocidente de infligir uma derrota estratégica a Moscou demonstra “o extremo aventureirismo” de alguns políticos, uma vez que “tal crença no seu próprio excepcionalismo pode transformar-se numa tragédia mundial”.
DEMOCRACIA NÃO PODE SER ALGO ABSTRATO, MAS DEVE GARANTIR O DIREITO DE TODOS
“Cada vez mais a democracia é interpretada como o poder não da maioria, mas da minoria. E eles até contrastam a democracia tradicional com alguma liberdade abstrata, na qual os procedimentos democráticos, as eleições, a opinião da maioria, a liberdade, o discurso e o apartidarismo da mídia, alguns acreditam que podem ser negligenciados e entregues”, afirmou o presidente russo.
Putin relembrou também as sanções impostas pelo Ocidente contra a Rússia e ressaltou que as medidas não tiveram efeito.
“Nossos oponentes presumiram que dariam à Rússia um golpe esmagador e um nocaute, do qual ela simplesmente não se recuperaria, e iria deixar de ser um dos elementos-chave do cenário internacional. Nada disso aconteceu. O mundo precisa da Rússia, nenhuma decisão de Washington ou Bruxelas pode mudar isso”, rebateu.
Apesar da tentativa de imposição ocidental, Putin pontuou que a Rússia não vê o Ocidente como inimigo nem enxerga as relações globais como uma questão de “nós contra eles”. Além disso, criticou diretamente a política dos Estados Unidos e de seus aliados, afirmando que ela tem seguido o princípio de “se eu não posso ter, ninguém terá”.
A OTAN FORÇOU O CONFLITO DA RÚSSIA COM A UCRÂNIA
“A Europa está agora tentando alargar as suas abordagens a outras áreas do mundo, violando os seus próprios documentos estatutários. Isso é simplesmente um anacronismo absoluto”, disparou o presidente russo ao se referir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
De acordo com o presidente, os países da OTAN levaram à situação na Ucrânia através de um golpe e quiseram forçar a Rússia a ter que fazer o que queriam até o início do conflito ucraniano. Ele ainda pontuou que a Rússia não foi responsável por iniciar as ações de força, apenas que, quando necessário, toma as medidas para defender o país.
“Nosso país nunca foi e não é o iniciador do uso da força”, afirmou Putin sobre esse método para resolver conflitos no mundo moderno.
“Somos levados a isso apenas quando fica claro que o oponente age de forma agressiva, sem aceitar nenhum argumento, absolutamente nenhum. E, quando necessário, tomaremos todas as medidas para proteger a Rússia e cada um de seus cidadãos, e sempre lutaremos para alcançar nossos objetivos”, garantiu.
A Rússia está pronta para negociações de paz com a Ucrânia com base nas realidades atuais e nos acordos alcançados anteriormente em Istambul, na Turquia, expressou Putin.
O Fórum Internacional de Discussão Valdai foi criado em 2004. Seu nome é uma homenagem ao Lago Valdai, localizado perto de Veliky Novgorod, onde ocorreu a primeira reunião do clube.
O potencial intelectual do Fórum é altamente considerado tanto na Rússia quanto no exterior. Mais de 9.000 cientistas, pesquisadores, formuladores de políticas e figuras públicas de todo o mundo participaram das atividades do Clube.
A análise de questões atuais na agenda internacional nesta reunião do Fórum contou com a presença de diversas autoridades russas, incluindo Alexander Novak, vice-primeiro-ministro da Federação Russa, Serguey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Federação Russa, Maxim Oreshkin, vice-chefe de gabinete da Administração Presidencial da Federação Russa, bem como Ruslan Edelgeriev, assessor do presidente da Federação Russa.
Já os participantes estrangeiros deste ano incluíram Feng Shaolei, diretor do Centro de Estudos Russos da Universidade Normal da China Oriental;
Arvind Gupta, diretor da Fundação Internacional Vivekananda da Índia;
Raza Muhammad, presidente do Instituto de Estudos Políticos, Islamabad, Paquistão; Ahmad Abdul Razak, chefe da fundação malaia Beit Al-Amanah;
Lassina Zerbo, primeira-ministra do Burkina Faso (2021-2022); Rasigan Maharajh, diretor-geral do Instituto de Pesquisa Econômica sobre Inovação da Universidade Técnica da África do Sul; Oleg Makarov, diretor do Instituto Bielorrusso de Estudos Estratégicos; Richard Sakwa , professor do Departamento de Política Russa e Europeia na Universidade Britânica de Kent, entre outros.