Além das extensas perdas de Kiev, a ‘contraofensiva’ não chegou a arranhar a primeira linha de defesa da Rússia no Donbass
O chefe do regime de Kiev, Volodymyr Zelensky, demitiu no domingo (3) seu ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, alegando que o ministério “precisa de novas abordagens e novos formatos de interação tanto com os militares como com a sociedade como um todo”.
Decisão que chega no momento em que até a mídia norte-americana já admite que a ‘contraofensiva’ de verão de Zelensky na guerra dos EUA/Otan por procuração contra a Rússia na Ucrânia foi um fracasso, dimensionado pela Defesa russa em 43 mil soldados ucranianos mortos e milhares de sistemas de armas fornecidos pela Otan destruídos, isso mal arranhando a primeira linha de defesa russa.
Washington e seus subalternos já despenderam US$ 100 bilhões na guerra, entre dinheiro vivo, fornecimento de sucata reciclada, entrega de ‘armas-maravilha’ que logo são desmoralizadas no terreno, novas encomendas ao complexo industrial-militar norte-americano e subsidiárias, além, é claro, de propiciar uma vasta rede de corrupção, que envolve a compra de comida e outros itens para o front a preços anormalmente inflados – ‘anormalmente’, fez questão o comentarista consultado.
Outra expressão da corrupção que grassa em meio à guerra por procuração da Otan é a extorsão no alistamento, ou seja, pagar para escapar do front, enquanto as redes sociais estão repletas de vídeos de jovens e não tão jovens sendo sequestrados para serem carne de canhão. Recentemente, vários comandantes intermediários de centro de recrutamento foram afastados, por encobrirem a corrupção e o tráfico de influência. Um caso ganhou destaque, em que o sortudo comandante comprou uma mansão na riviera francesa. Há quem prefira as praias do Oriente Médio; inclusive circularam denúncias que atingiriam a família Zelensky.
Foi assim que o nome de Reznikov se tornou conhecido internacionalmente no ano passado, quando uma parte da sujeira foi varrida para debaixo do tapete. Como se sabe, a guerra é fundamentalmente dirigida por generais americanos e ingleses e encaminhada por generais ucranianos chegados a uma suasticazinha de bracelete, com Reznikov muito mais no papel de mestre-de-cerimônias e da roubalheira na máquina de guerra.
Com o fracasso da contraofensiva depois de 19 meses de guerra, também se tornou cada vez mais inoportuna o modo como exalava seu sabujismo à Otan e desrespeito pelos ucranianos mortos.
Em janeiro de 2023, Reznikov se superou. “Hoje estamos cumprindo a missão da Otan. Eles não estão derramando o seu sangue. Estamos derramando o nosso. É por isso que eles são obrigados a nos fornecer armas.”
Foi ele também que disse que o regime de Kiev era “membro de fato da Otan”. Antes, em julho de 2022, voltou cinicamente a ofertar as vidas ucranianas. “Estamos interessados em testar sistemas modernos na luta contra o inimigo e estamos convidando os fabricantes de armas para testar os novos produtos aqui”.
“Reznikov passou por mais de 550 dias de guerra em grande escala”, comentou Zelensky, ao anunciar o nome do atual chefe do Fundo de Propriedade do Estado da Ucrânia e ex-deputado, Rustem Umerov, como substituto. Como sói ocorrer, ser chefe de um “fundo de propriedade estatal” na atual Ucrânia equivale a uma carta de recomendação quanto ao preparo para o trato da coisa pública.
O nome de Umerov também é uma provocação contra a Rússia, pelo fato do ex-deputado, agora ministro, ser conselheiro de uma organização separatista crimeana-tártara que opera desde a Ucrânia. A população da Crimeia no referendo de 2014, após o golpe em Kiev, aprovou em massa a reunificação com a Rússia. Ultimamente, alguns políticos europeus, como o ex-presidente francês Sarkozy, admitiram que não há como sustentar a pretensão de subtrair a Crimeia da Rússia.
A dança das cadeiras também coincide com os passos do regime de Kiev de encenar uma “eleição” presidencial proximamente, como vem sendo pedido por Washington. Na qual, como a contraofensiva já afinou, o que sobra para mote é a corrupção.
Na véspera da demissão de Reznikov, um tribunal de Kiev colocou em prisão preventiva por 60 dias o oligarca e banqueiro Ihor Kolomoisky, que foi quem bancou a campanha presidencial de Zelensky de 2019. Inclusive foi quem o viabilizou, ao criar, em seu canal de televisão, uma série, “Servo do Povo”, em que o ator e comediante Zelensky encenava ser um professor que combatia a corrupção. Foi assim que foi criado o partido de Zelensky, com o mesmo nome da série, e que fez campanha contra a corrupção e pela paz. Um completo estelionato eleitoral, como se veria depois.
Aliás, Kolomoisky, que também tem cidadania israelense, notabilizara-se, antes, por ser um dos patrocinadores do Batalhão Azov e assemelhados, como financiador e como governador de uma província próxima ao Donbass. Com esses antecedentes, jornais russos ironizaram a prisão de Kolomoisky como um “parricídio” – Zelensky matando seu pai político.
Assim, nos últimos dias, Zelensky retomou o discurso anticorrupção, sob o argumento de que erradicar a roubalheira no governo inteiro é “vital” para as chances de Kiev de alcançar a adesão à OTAN e à União Europeia. O Departamento de Estado dos EUA havia sancionado Kolomoisky em março de 2021, por um suposto envolvimento em “atos corruptos que minaram o Estado de direito e a fé do público ucraniano nas instituições democráticas e nos processos públicos do seu governo”.
Para analistas, a situação em Kiev está ficando cada vez mais complexa. Alejandro Valencia, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e especialista em geopolítica, disse em entrevista a Sputnik em espanhol que “já há dissidência [nas elites militares ucranianas] entre aqueles que buscam uma paz negociada e aqueles que claramente querem continuar [o conflito] até o último ucraniano”.
Por coincidência, a demissão de Reznikov ocorre no mesmo dia em que o exército ucraniano estendeu a mobilização, isto é, alistamento compulsório, àqueles com hepatite, HIV, tuberculose e doenças mentais, explicitando a urgência em encontrar mais carne de canhão para a guerra de procuração da Otan. Segundo o jornal Ukrayinska Pravda, Reznikov poderá ser agraciado com o cargo de embaixador em Londres, em suma, uma proveitosa e dourada aposentadoria.