Ex-presidentes latino-americanos lançaram nesta quinta-feira uma declaração conjunta em que condenam a indicação de um norte-americano para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ferindo tradição “multilateral” do órgão.
“A proposta de nomeação não anuncia bons tempos para o futuro da entidade, o que nos leva a expressar nossa consternação com essa nova agressão do governo dos Estados Unidos ao sistema multilateral, com base nas regras acordadas pelos países membros”, destaca o documento, assinado pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Ricardo Lagos (Chile); Julio María Sanguinetti (Uruguai), Juan Manuel Santos (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México).
Manifestando “profunda preocupação e desacordo” com a proposta de “indicação de Mauricio Claver-Carone, cidadão norte-americano, atual alto assessor do presidente Donald Trump para a América Latina e diretor para assuntos de América Latina no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca”, os ex-presidentes reiteram que ela implica “uma ruptura da norma não escrita, porém respeitada desde a origem do BID”. Segundo esta norma, recordam, o banco deve ser conduzido por um latino-americano e a vice-presidência por um norte-americano.
“Esta não é somente uma questão de alteração protocolar” da instituição, destacam as lideranças, é também uma quebra no que fazer do instrumento, “com óbvias derivações políticas”.
A fim de superar tamanhos obstáculos, os ex-presidentes solicitam “respeitosamente a outros parceiros do BID que se oponham à ação empreendida pelo governo dos Estados Unidos, lembrando que tanto a Argentina quanto o Brasil propuseram alternativas em uma decisão que alega ser feita com ponderação e realismo”. O documento destaca que “não é hora de complicar ainda mais a difícil situação que a América Latina e o Caribe enfrentam devido à pandemia e às suas sérias consequências econômicas e sociais”.
Na avaliação dos ex-presidentes, “com essa proposta, o presidente Donald Trump constrói mais um muro em sua maneira de entender o relacionamento dos Estados Unidos com o resto do continente”. “Ainda é tempo de mostrar, com argumentos e determinação, o alto inconveniente de aceitar a imposição pretendida pelo governo dos Estados Unidos”, concluem.
BOLSONARO, SUBMISSÃO NA CONTRAMÃO
Após a Argentina ter lançado uma candidatura à presidência do BID, o governo brasileiro apressou-se a lançar um nome do Brasil, pretendendo apresentar um postulante mais palatável à agenda estadunidense. Apesar isso, Trump decidiu romper a tradição de seis décadas e apresentar um candidato próprio, atropelando Bolsonaro, que, em mais uma demonstração de sua submissão, manifestou alegria.
“O Governo brasileiro recebeu positivamente o anúncio do firme comprometimento do governo dos Estados Unidos com o futuro do BID por meio da candidatura norte-americana à presidência da instituição”, declarou o Ministério das Relações Exteriores, encabeçado por Ernesto Araújo. “O Brasil e os Estados Unidos compartilham valores fundamentais, como a defesa da democracia, a liberdade econômica e o Estado de Direito. O Brasil defende uma nova gestão do BID condizente com esses valores”, completou.
De acordo com o professor Luciano Wexell Severo, coordenador do Observatório da Integração Econômica da América do Sul (Obiesur) da UNILA, o BID é atualmente a principal instituição financeira da América Latina. No total, contribui com mais de US$ 10,8 bilhões em 35 projetos de infraestrutura regional. O docente considera que, “desde as crises financeiras dos anos 1990 e da crise de 2008, têm sido crescentes as manifestações de rechaço às instituições tradicionais de Bretton Woods, como o FMI, o Banco Mundial e o próprio BID”. Por fim, salienta que “há grandes movimentos para fomentar uma Nova Arquitetura Financeira Regional e, sem dúvida, a postura de Trump, seguida por Bolsonaro, vai na contramão destes esforços”.