Mensagens mostram que assessor de Flávio lamentou a morte do miliciano Adriano da Nóbrega. “Perdi um amigo, estou triste”, disse Queiroz em áudio enviado do celular da esposa, que está sendo procurada pela polícia
Ainda foragida, a esposa de Fabrício Queiroz, Márcia de Oliveira Aguiar, tinha uma caderneta com orientações do marido para caso ele fosse preso. O celular da mulher de Queiroz também foi apreendido em dezembro pelo MP do Rio, quando foram cumpridos mandados de busca e apreensão em endereços ligados a assessores de Flávio. O material capturado no endereço de Márcia inclui anotações com contatos que poderiam ser acionados em caso de emergência.
Na caderneta apreendida havia também anotações de valores que chegaram a R$ 174 mil. Seriam recursos recebidos em espécie para pagar as despesas médicas de Queiroz. No caderno também constavam números de telefones celular de Jair Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Michelle Bolsonaro.
Números da família Bolsonaro ocupam parte significativa dos papéis do caderno de Márcia que está em poder da polícia. Em uma folha estão anotados dois números de Bolsonaro e um de Michelle. Em outra página, há o contato de Flávio Bolsonaro e de sua esposa, Fernanda.
Existe também um número atribuído a Max Guilherme Machado de Moura, ex-segurança e hoje assessor especial de Bolsonaro. O sócio de Flávio Bolsonaro em uma loja de chocolates, que é investigada por lavagem de dinheiro, Alexandre Santini, também tem seu número anotado. Indicações de Márcia mostram que as anotações foram feitas após a eleição de 2018.
Os deputados estaduais Rodrigo Amorim (PSL) e Marcelo do Seu Dino (PSL), o deputado federal Lourival Gomes (PSL-RJ) e o secretário de Ciência e Tecnologia do governo de Wilson Witzel (PSC), Léo Rodrigues, já estão identificados na caderneta pelos seus respectivos cargos.
Sobre Atibaia também há novidades. Revelações feitas por Daniel Bezerra Carvalho, dono de uma loja de conveniência de Atibaia frequentada por Queiroz, mostram que Frederick Wassef, o “Anjo”, mantinha rígido controle sobre Queiroz e sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar, durante o tempo, de mais de um ano, em que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro esteve escondido na casa do advogado na cidade do interior paulista. A mulher de Queiroz chegou a reclamar de estar sendo transformada numa “marionete de Anjo”.
TESTEMUNHA DE ATIBAIA PASSOU REVEILLON COM O CASAL
Daniel Bezerra contou que conheceu Queiroz há um ano na loja, e que o ex-assessor parlamentar “costumava vir almoçar ou jantar”. Muitas das vezes, segundo ele, acompanhado da mulher, Márcia, e de uma funcionária do advogado Frederick Wassef, Ana Flávia Rigamonti. “Eles ficavam sempre muito tranquilos e em alguns momentos eu percebia que ficavam um pouco apreensivos e iam embora. Às vezes iam embora. Não sei por que”, conta Daniel Bezerra Carvalho, que ficou tão amigo do casal que gravou um vídeo participando da festa de reveillon de 2019/20 junto com eles na casa de Wassef.
Esse clima de controle aparece também numa mensagem de Márcia para Ana Flávia Rigamonti no ano passado. Márcia disse: “A gente não pode mais viver sendo marionete do Anjo. ‘Ah, você tem que ficar aqui, tem que trazer a família’. Esquece, cara. Deixa a gente viver nossa vida. Qual o problema? Vão matar? Ninguém vai matar ninguém. Se fosse para matar, já tinham pego meu filho aqui.” Em fevereiro, o miliciano Adriano da Nóbrega, que mantinha ligações íntimas com o gabinete de Flávio tinha sido morto numa operação policial na Bahia.
“A gente não pode mais viver sendo marionete do anjo. ‘Ah, você tem que ficar aqui, tem que trazer a família’. Esquece, cara. Deixa a gente viver nossa vida. Qual o problema? Vão matar? Ninguém vai matar ninguém. Se fosse para matar, já tinham pego meu filho aqui”, disse Márcia
Numa outra oportunidade, o clima de cerceamento ficou evidente numa mensagem do filho do casal, Felipe, para a mãe, contendo um áudio de Ana. Neste áudio o clima de controle fica evidente. Na gravação, Ana afirma que não teria contado ao anjo” da viagem de Queiroz e de Márcia. E ela faz um pedido: “se ele questionar alguma coisa, vocês falam que foi agora”. Mesmo com o flagrante da polícia descobrindo que sua casa se tornara esconderijo de Queiroz, Wassef disse que jamais articulou “qualquer rotina de ocultação do paradeiro de Fabrício Queiroz”. “Assim como nunca dei ordens a ele ou à sua família. Da mesma forma, nunca o escondi”, afirmou o “Anjo”.
O ex-advogado de Flávio – demitido depois da prisão de Queiroz – ainda teve a desenvoltura de afirmar que nunca teve apelido de ‘Anjo’. “Não é verdade que ele passou um período de 6 meses direto em Atibaia. Eu apenas autorizei o uso da propriedade para quando Fabrício Queiroz entendesse necessário”, afirmou. Diferente do que disse Frederick Wassef, ele não só escondia Queiroz como controlava seus movimentos e de sua mulher. Num dos telefonemas interceptados, fica claro a que nível chegava esse controle. Márcia diz a um interlocutor que a orientação era para desligar o telefone quando eles entravam em Atibaia.
No pedido de prisão de Fabrício Queiroz, são mencionadas também mensagens trocadas entre a esposa de Queiroz e o radialista Márcio Motta, ex-presidente do PSL de Saquarema. Em uma destas conversas, Queiroz disse a Motta que lamentava a morte do miliciano Adriano da Nóbrega, em fevereiro deste ano. “Perdi um amigo, estou triste”, disse Queiroz em áudio enviado do celular da esposa.
“Perdi um amigo, estou triste”, disse Queiroz, sobre Adriano da Nóbrega, em áudio enviado do celular da esposa.
Queiroz e Adriano se conheceram na Polícia Militar do Rio de Janeiro, em meados dos anos 2000. Adriano chefiava a milícia de Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio. Quando assumiu uma cargo na Alerj, Queiroz indicou, com todo o apoio do atual senador Flávio Bolsonaro, a mãe e a ex-mulher de Adriano Nóbrega para o gabinete de Flávio, quando o filho do presidente era deputado estadual. Adriano, que chefiava o Escritório do Crime, uma espécie de central de assassinatos da milicia, e foi expulso da PM, já tinha sido homenageado pelo deputado duas vezes. Em uma delas o miliciano recebeu de Flávio na cadeia a Medalha Tiradentes, maior honraria da Assembléia do Rio. Nesta mesma época, Jair Bolsonaro também discursou na Câmara Federal em defesa do pistoleiro “injustiçado”.
Nas mensagens coletadas do telefone de Márcia a polícia descobriu que Frederick Wassef participou de uma reunião no dia 2 de dezembro de 2019 em Atibaia com a presença de Fabrício Queiroz e Luiz Gustavo Boto Maia, outro advogado de Flávio, para preparar uma proposta a ser apresentada a Adriano da Nóbrega, miliciano que estava foragido e que chefiava do Escritório do Crime, central de assassinatos da milícia do Rio de Janeiro.
O “Anjo” disse que não falou nada para a família Bolsonaro sobre essa reunião e nem sobre a viagem de Márcia Oliveira, mulher de Queiroz, e Luiz Gustavo Boto Maia, dois dias depois da reunião, para a cidade de Astolfo Dutra, no interior de Minas, onde estava escondida a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães. Raimunda e a ex-mulher de Adriano da Nóbrega, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, tinham sido funcionárias fantasmas do gabinete de Flávio e repassavam parte dos salários para o esquema do gabinete e para o próprio Adriano.
Fabrício Queiroz foi flagrado em mensagens telemáticas exonerando Danielle Mendonça e Raimunda Veras do gabinete de Flávio assim que estourou o escândalo aberto com o relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). O Coaf dava conta das movimentações milionárias nas contas de Fabrício Queiroz e do próprio deputado.
Além de influenciar outras testemunhas para que não depusessem no inquérito conduzido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, Queiroz tinha também orientado que Raimunda Veras, dona de dois restaurantes que participaram do “esquema’ de lavagem do gabinete, fugisse para o interior de Minas.
Uma foto que estava no telefone de Márcia Oliveira mostrou o momento em que ocorreu a reunião em Astolfo Dutra, em Minas Gerais. Não se sabe o que foi discutido nesta reunião e nem por que Frederick Wassef teria participado de sua preparação. Mas, de concreto, saiu a nomeação do advogado Paulo Emílio Catta Preta para defender Adriano da Nóbrega. Agora tornou-se público que Paulo Emílio Catta Preta é advogado da ex-mulher de Frederick Wassef, Cristina Boner Leo. Soube-se também que o mesmo Catta Preta assumiu a defesa de Fabrício Queiroz. Coincidência ou não, apenas dois meses depois desta reunião em Minas, Adriano da Nóbrega foi morto numa operação policial na Bahia.
SÉRGIO CRUZ
HISTÓRICO DO CASO FLÁVIO/QUEIROZ
O primeiro relatório do Conselho de Acompanhamento Financeiro (Coaf) sobre o caso apontou a existência de operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).Flpavio Bolsonaro
Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz (Reprodução)
O Coaf detectou uma movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz entre 2015 e 2016. Foi descoberta ainda, na mesma investigação, um depósito de R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro, primeira-dama do país.
Além disso, o Coaf observou que nove funcionários de Flávio Bolsonaro faziam depósitos regulares na conta de Fabrício Queiroz, inclusive sua filha, Nathalia Queiroz, que, apesar de morar no Rio, estava lotada no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro. O Coaf achou também um depósito de R$ 84 mil feito por sua filha, Nathalia, na conta do pai.
Um outro relatório do Coaf mostrou que Queiroz não movimentou, em sua conta, apenas R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Na verdade, Queiroz movimentou R$ 7 milhões. Nos dois anos anteriores a janeiro de 2016, Queiroz movimentou R$ 5,8 milhões. O que significa uma média de R$ 2 milhões e 300 mil por ano, entre 2014 e 2017, sem renda ou patrimônio que expliquem o fenômeno.
No caso envolvendo Nathalia Queiroz é importante um pequeno parêntese. Ela recebia um salário de cerca de R$ 10 mil do gabinete de Jair Bolsonaro, em Brasília, como assessora parlamentar do gabinete. Tinha uma carga horária de 40 horas semanais. No entanto, ela nem residia em Brasília. Era personal trainer e trabalhava normalmente no Rio de Janeiro. Vídeos e fotos de suas redes sociais mostraram Nath, como ela era conhecida em seu meio, atendendo seus clientes – alguns, inclusive artistas famosos – em horários comerciais. Ela tentou apagar tudo da internet, mas já era tarde.
Ou seja, Nath era lotada e recebia pelo gabinete de Jair Bolsonaro, mas não trabalhava em Brasília. Nathalia Queiroz recebeu R$ 250 mil da Câmara dos Deputados (R$ 225 mil em salários e R$ 25 mil em auxílios), entre dezembro de 2016 e agosto de 2018, sem trabalhar na função de assessora legislativa. Seus clientes no Rio de Janeiro nem sabiam que era lotada na Câmara dos Deputados, na capital federal.
O gabinete de Jair Bolsonaro, numa afronta aos fatos, atestou frequência de 40 horas semanais de “ex- assessora”. Registros da Câmara dos Deputados mostram que Nathalia Queiroz não teve nenhuma falta sem justificativa e nem tirou licença durante os quase dois anos em que trabalhou para Jair Bolsonaro em Brasília. Pelos registros do gabinete de Bolsonaro, ela fazia mágica: atendia seus clientes no Rio diariamente e batia o ponto em Brasília.
Nathalia recebia pelo gabinete de Flávio Bolsonaro desde os 18 anos. Quando foi exonerada, ela foi substituída pela irmã, Evelyn Queiroz. Sua mãe também estava lotada no gabinete de Flávio Bolsonaro. Uma semana depois de sua exoneração na Alerj, Nath aparaceu lotada no gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília. Depois apareceram também pessoas ligadas a milícias lotadas no gabinete de Flávio Bolsonaro.
O Ministério Público do Rio de Janeiro deu prosseguimento às investigações do esquema de lavagem de dinheiro do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro e descobriu que o chefe da milícia de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, ficava com parte dos valores arrecadados através de “rachadinha” no gabinete do então deputado.
De acordo com o Gaeco (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção), Adriano Nóbrega fez contato com Danielle por Whatsapp no dia 29 de dezembro de 2018 – período no qual já estava foragido e com a investigação do Caso Queiroz já em curso.
MILICIANO RECEBIA RECURSOS DO GABINETE VIA ESPOSA
Queiroz demonstrou preocupação com a manutenção de Danielle Mendonça como funcionária fantasma na Alerj devido às eleições de 2018 e o receio de que o aumento da exposição do deputado estadual Flávio Bolsonaro levasse a imprensa a descobrir a esposa do miliciano em seu gabinete.
Em outra mensagem, Queiroz diz:
Queiroz: “sobre seu nome…. não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão”.
Queiroz: “estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles”.
Danielle Mendonça acabou sendo exonerada. Em uma conversa com uma amiga em janeiro deste ano ela admitiu que sabia da origem ilícita do dinheiro e que essa situação a incomodava.
Danielle: “enfim amiga… por outro lado, eu não sei se comentei com você, mas eu já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse dinheiro na minha vida. Sei lá. Deus deve ter ouvido”.
O MP afirma que Danielle revelou numa outra mensagem que foi o ex-marido quem arrumou a nomeação de funcionária fantasma na Alerj.
Os promotores lembram ainda que Flávio Bolsonaro homenageou Adriano de Nóbrega com moção de louvor pelos inúmeros serviços prestados a sociedade e destacam que Adriano e Queiroz foram amigos de farda.
O MP afirma também que ao nomear a esposa e a mãe de Adriano para cargos comissionados, Flávio Bolsonaro transferiu, ainda que indiretamente, recursos públicos para o acusado de integrar milicia.
Segundo o MP, Adriano interveio junto a Queiroz na tentativa de manter sua ex-esposa Danielle Mendonça da Costa no cargo e admitiu que era beneficiado por parte dos recursos desviados por parentes dele também nomeados na Alerj.
Os salários de Raimunda e Danielle, mãe e mulher do miliciano, somaram, ao todo, R$ 1.029.042,48, dos quais pelo menos R$ 203.002,57 foram repassados direta ou indiretamente para a conta bancária de Queiroz, segundo o MP. Além desses valores, R$ 202.184,64 foram sacados em espécie por elas. Segundo o MP, isso viabilizaria a “simples entrega em mãos” de dinheiro para o ex-assessor.
O miliciano pediu informações a Danielle sobre a exoneração dela do cargo – Danielle Mendonça era funcionária fantasma do gabinete de Flávio desde 2007 até novembro de 2008. Eles conversam sobre dificuldade financeira enfrentada por ela. Em janeiro, Danielle volta a falar sobre problemas financeiros e Adriano se compromete a ajudar com “um complemento”.
Nessa mesma conversa, o ex-PM, morto numa operação policial na Bahia no início deste ano, afirma que “contava com o que vinha do seu também”, indicando que recebia parte dos valores oriundos de lavagem do gabinete de Flávio. O MP não revela, contudo, o quanto Adriano teria embolsado.
Queiroz pediu que Danielle tivesse “cuidado com o que vai falar no celular”. Danielle perguntava, àquela altura, se ainda tinha algo a receber do gabinete de Flávio na Alerj após a exoneração. Diante da negativa de Queiroz, ela responde “meu deus”.
Queiroz se refere a Adriano como “amigo”. Adriano é apontado pela Polícia Civil do Rio e pela promotoria como chefe do Escritório do Crime, central de assassinos de aluguel, das milícias, do qual fazia parte Ronnie Lessa, preso pelo assassinato de Marielle Franco em março de 2018.
Queiroz pediu que Danielle tivesse “cuidado com o que vai falar no celular”. Danielle perguntava, àquela altura, se ainda tinha algo a receber do gabinete de Flávio na Alerj após a exoneração. Diante da negativa de Queiroz, ela responde “meu deus”. Após perguntar se poderia voltar a ser nomeada em algum gabinete, Queiroz afirmou “pode ser que sim”.
QUEIROZ RECEBEU DOIS MILHÕES DE ASSESSORES FANTASMAS
Fabrício Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões em 483 depósitos feitos por 13 assessores ligados ao hoje senador Flávio Bolsonaro, segundo o Ministério Público do Rio. A defesa nega as acusações. As informações, obtidas por meio da quebra de sigilo bancário, constam na decisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, que deu origem a uma operação deflagrada na quarta-feira (18). O MP cumpriu 24 mandados de busca e apreensão na investigação sobre um esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do RJ (Alerj).
O Ministério Público do Rio de Janeiro, que fez operação de busca e apreensão também na loja de chocolates de Flávio Bolsonaro, afirma ter indícios de que o senador Flávio Bolsonaro e sua mulher, Fernanda, pagaram em dinheiro vivo de forma ilegal R$ 638,4 mil na compra de dois imóveis em Copacabana (zona sul). Para os promotores, o uso de recursos em espécie tinha como objetivo lavar o dinheiro obtido por meio da “lavagem de dinheiro no antigo gabinete de Flávio na Alerj.
Flávio Bolsonaro citou suas atividades empresariais como fonte de seu patrimônio. “Sou empresário. Eu movimento no ano, recebo no ano, do lucro desta minha empresa, muito mais do que eu recebo como deputado. No comércio, você pega dinheiro”, afirmou, em referência a movimentações com valores em espécie. “A origem é a minha empresa e o imóvel que eu vendi, no valor de R$ 2,4 milhões. Você acha que, se fosse um dinheiro ilícito, eu ia depositar na minha conta”, questionou.
LOJA DE CHOCOLATE FOI INVESTIGADA
Porém, relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) contradisse a versão do senador para explicar seus ganhos financeiros. O documento apontou movimentação atípica de Flávio Bolsonaro de R$ 632 mil entre agosto de 2017 e janeiro de 2018. Segundo o RIF (Relatório de Inteligência Financeira), Flávio recebeu no período R$ 120 mil como lucro da loja. O valor é menor do que sua remuneração à época como deputado estadual, que somou R$ 131 mil no mesmo período. O órgão não conseguiu identificar a origem de outros R$ 90 mil recebidos por ele.
A informação sobre os imóveis consta do pedido de busca e apreensão de 111 páginas feito pelo MP-RJ à Justiça fluminense. A suspeita dos promotores decorre do fato de Glenn Dillard, responsável por vender os imóveis a Flávio e Fernanda, ter depositado ao mesmo tempo em sua conta os cheques entregues pelo casal e a quantia em dinheiro vivo. No dia 27 de novembro de 2012, Flávio e a mulher compraram dois imóveis em Copacabana. A escritura aponta o valor da operação como sendo de R$ 310 mil.
O pagamento foi feito em duas etapas. Um sinal de R$ 100 mil pago em cheques no dia 6 de novembro. Dois cheques (que somam R$ 210 mil) foram entregues na data da assinatura da escritura. O MP-RJ afirma que, no mesmo dia da concretização do negócio, Dillard esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativa do Rio.
LAVAGEM COM IMÓVEIS
O norte-americano, segundo a investigação, depositou ao mesmo tempo os cheques e R$ 638.400 em dinheiro vivo. A Promotoria afirma que Dillard não realizou outra transação imobiliária no segundo semestre de 2012, que poderia ser uma origem para o depósito diversa do dinheiro da transação do senador. Ao mesmo tempo, os promotores escrevem na petição que Flávio e Fernanda também não haviam vendido nenhum imóvel naquele ano e não tinham disponibilidade financeira para a operação. Isso indica, para os investigadores, que a única origem possível para os recursos em espécie é o recolhimento de dinheiro feito junto a ex-assessores.
O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária. Flávio Bolsonaro vendeu os imóveis pouco mais de um ano depois, tendo declarado um lucro de R$ 813 mil. Pelas contas do Ministério Público, o rendimento real foi de R$ 176,6 mil. O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária. Para o MP-RJ, os R$ 638,4 mil passaram a ter aparência legal após a revenda feita por Flávio ser declarada à Receita Federal.