Caracas vai recorrer do ato de pirataria jurídica, cometido em plena pandemia
O juiz Nigel Teare, do Tribunal Superior britânico, em plena pandemia recusou à Venezuela a devolução de 31 toneladas de ouro, guardadas no Banco da Inglaterra, a serem usadas para a compra de remédios e alimentos através do Programa da ONU, PNUD, sob a espúria alegação de que é o autonomeado ‘presidente interino’, Juan Guaidó, quem pode acessar esses recursos e não o governo Maduro.
O Banco Central da Venezuela entrara no dia 14 de maio com uma ação contra o Banco da Inglaterra, guardião do ouro, de mais de US$ 1 bilhão em valor, para que pudesse obter e vender os lingotes venezuelanos para transferir os recursos ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e assim adquirir os alimentos e medicamentos imprescindíveis em plena pandemia.
A transferência ao Programa da ONU, para que esta fizesse a aquisição dos alimentos e remédios, foi a forma encontrada pela Venezuela de evitar que determinados países e a oposição acusassem o governo Maduro de desviar o dinheiro para outros fins.
Como salientou a vice-presidente Delcy Rodríguez, “cada minuto e hora que passa significa pessoas que podem perder a vida devido ao vírus, e a Venezuela exige seus recursos”.
É a tradicional pirataria inglesa, sob novas vestes, de ordem jurídicas. “É um assalto (de ouro), é por isso que no século 18 os piratas mais famosos eram os corsários ingleses, todos agiam pela coroa britânica”, denunciou o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza.
No livro em que lava a roupa suja do tempo em que esteve no governo Trump, o ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton revela que o Reino Unido “teve o prazer de cooperar” com os EUA congelando os depósitos de ouro da Venezuela no Banco da Inglaterra.
Medida tomada para impedir que a Venezuela tivesse moeda estrangeira para fazer importações. Também é de Bolton a insólita descrição de que Trump achava que o território da Venezuela “era parte dos EUA” (anteriormente, o presidente bilionário propusera assaltar o petróleo venezuelano).
No ditame do juiz Teare, como é Guaidó que é oficialmente reconhecido pelo governo de Boris Johnson, se torna “inequivocamente” o “presidente constitucional interino” do país sul-americano e é a administração ‘ad hoc’ designada por ele que pode acessar essas reservas.
A Venezuela já anunciou que irá apelar da “decisão absurda” e, em outra esfera, a procuradoria-geral do país abriu processo contra os escroques que Guaidó nomeou para meter a mão no ouro do povo venezuelano.
“O BCV recorrerá imediatamente da decisão absurda e incomum de um tribunal inglês que visa privar o povo venezuelano do ouro tão urgentemente necessário para enfrentar a pandemia”, postou a entidade, presidida por Calixto Ortega.
No seu desinteressado malabarismo jurídico, o juiz Teare disse ter se baseado na chamada doutrina de “uma voz”, na qual o tribunal deve aceitar como conclusiva uma declaração inequívoca do governo britânico que reconheça o líder de uma nação estrangeira.
Mas, como apontou o procurador-geral venezuelano, Tareq William Saab, foi ao presidente Maduro que o embaixador do Reino Unido na Venezuela entregou suas cartas credenciais, e as relações diplomáticas entre as duas partes são realizadas pelo Ministério das Relações Exteriores da Venezuela, liderado por Arreaza.
O advogado do estado venezuelano, Sarosh Zaiwalla, disse que a decisão ignora completamente a realidade da situação no país sul-americano. O governo de Maduro tem controle total do país e de suas instituições e só ele pode garantir a distribuição de ajuda humanitária e suprimentos médicos necessários para combater a pandemia de coronavírus, acrescentou.
Ninguém elegeu Guaidó presidente, sequer a assembleia controlada pela oposição. Ele simplesmente se autodeclarou ‘presidente interino’ em um comício, no dia seguinte de um telefonema de Washington com instruções.
Não existe tal cargo de ‘presidente interino’ na constituição venezuelana e, mesmo pelo artigo que Guaidó citou na época, já teria perdido a função, por não ter convocado eleições no prazo estipulado pela constituição, se efetivamente houvesse interinidade. Desde janeiro, sequer é presidente da Assembleia Nacional, cargo que perdeu para outro oposicionista.
Em outra esfera, o Ministério Público venezuelano solicitou ordens de prisão e congelamento de bens contra 5 cidadãos que tentaram usurpar as funções do Conselho de Administração do Banco Central da Venezuela (BCV), bem como contra 3 falsos funcionários do Gabinete do Promotor Especial inexistente nomeado por Juan Guaidó e contra três falsos representantes da Venezuela, que intervieram na apropriação de ouro da República Bolivariana da Venezuela, depositados no Banco da Inglaterra.
Os atingidos são Ricardo Adolfo Villasmil, Giacoma Cuius Cortesia, Manuel Rodríguez Armesta, Nelson Andrés Lugo, Carlos Antonio Suares, José Ignacio Hernández, Irene De Lourdes Loreto, Geraldine Afiuni, Vanesa Neumann, Julio Andrés Borges e Carlos Vecchio. Todos eles são acusados de usurpação de funções, associação para cometer crimes e traição.
“A desculpa era criar um governo interino, um parapeito que o governo Trump encontrou para tirar da Venezuela seus ativos no exterior. Essa ação do governo britânico faz parte do planejamento realizado pelo governo dos Estados Unidos em janeiro de 2019. Esse planejamento foi realizado na Sala Situacional da Casa Branca e incorporou ativamente vários países da União Europeia, entre eles o Reino Unido”, enfatizou Saab.
“Querem entregar nossa riqueza a potências estrangeiras, em vez de serem usadas para comprar os remédios e alimentos necessários para o país”, repudiou o mais alto representante do Ministério Público.
Pelo menos 30 países mantêm nos cofres do BC inglês suas reservas de ouro. Em 2011, o presidente Hugo Chávez havia repatriado quase 160 toneladas de ouro. Nos últimos tempos, virou moda BCs de países centrais assaltarem as reservas de outros países, quando a oportunidade se apresenta, o que já foi cometido não só contra a Venezuela, mas também contra a Líbia.