Para o ex-premiê alemão, Gerhard Schroeder, as sanções “São um encerramento deliberado da parceria transatlântica”
O ex-primeiro-ministro afirmou que as sanções dos EUA contra o projeto Nord Stream 2 são “um encerramento deliberado da parceria transatlântica” e um “ataque à economia europeia”, segundo o principal jornal de Economia alemão, o Handelsblatt.
O projeto Nord Stream 2, em fase de conclusão, está implantando um gasoduto gêmeo de 1.200 quilômetros de extensão, que carreará até 55 bilhões de metros cúbicos de gás por ano da Rússia para a Alemanha, passando através das águas territoriais ou zonas econômicas exclusivas da Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Rússia e Suécia.
A declaração de Schroeder se deve à apresentação no Congresso dos EUA, no início de junho, de um projeto de lei bipartidário, endurecendo as sanções já em vigor contra o Nord Stream 2, para golpear numerosas empresas europeias que participam do projeto, até mesmo seguradoras e bancos.
O que desencadeou em Berlim uma discussão sobre eventuais contramedidas e a necessidade de uma resposta ampla e coordenada da União Europeia.
Schroeder salientou que a aprovação dessas sanções, contra um aliado da Otan, e com a economia em recessão, não poderia ser vista senão como um “encerramento deliberado” da parceria transatlântica.
As sanções – acrescentou – são “um ataque” à economia europeia, “uma inadmissível usurpação da soberania da União Europeia e da segurança energética da Europa Ocidental”.
Para o ex-primeiro-ministro, as consequências financeiras das sanções seriam extremamente sérias, já que ameaçariam investimento de 12 bilhões de euros na infraestrutura europeia, e os consumidores europeus teriam de encarar custos adicionais de 4 bilhões de euros por ano.
“Mais de 120 companhias no campo da construção naval, engenharia, proteção ambiental e segurança, que estão envolvidas ou estiveram engajadas no projeto do Nord Stream 2, são diretamente afetadas”, enfatizou. Cada uma dessas companhias representa “empregos europeus que estão em risco”, acrescentou.
O gasoduto representa um investimento de 12 bilhões de euros, metade financiado pela gigante estatal russa Gazprom e a outra metade por cinco empresas europeias: OMV (austríaca), Wintershall (do grupo Basf, alemã), Engie (francesa), Uniper (alemã) e Shell (anglo-holandesa).
Em dezembro do ano passado, quando as primeiras sanções do governo Trump surtiram efeito, a colocação de dutos foi paralisada por uma empresa suíça, a AllSeas, faltando apenas 150 quilômetros para a conclusão.
“SANÇÕES CONTRA OS PRÓPRIOS ALIADOS”
Na época, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia registrou que Washington cruzou “uma linha histórica na política externa, começando a impor sanções […] contra seus próprios aliados” na questão do gás.
A Rússia denunciou o desejo do governo Trump de “impor à Europa” o mais caro o gás liquefeito dos EUA para “retardar o desenvolvimento” da economia europeia e “minar sua capacidade de competir com os EUA nos mercados mundiais”.
De sua parte, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, havia sublinhado que “a política europeia de energia é decidida na Europa, não nos Estados Unidos”. “Nós rejeitamos intervenções de fora e sanções extraterritoriais”, acrescentou. Ainda merecedor de registro o fato de que as sanções faziam parte da lei de orçamento do Pentágono.
Na semana passada, a atual primeira-ministra alemã, Ângela Merkel, voltou à questão afirmando que o projeto Nord Stream 2 “deve ser concluído e trabalharemos nesse sentido”. A Rússia já designou o navio Acadêmico Chersky para a tarefa.
Merkel assinalou que o gasoduto russo-europeu é um projeto “no terreno econômico” que tem “um componente político”. A Alemanha – enfatizou – fez um grande esforço para concluir um acordo [com a Rússia] para o trânsito de gás russo pela Ucrânia não fosse interrompido, nem as taxas de trânsito.
A agência de notícias Bloomberg revelou, citando fontes do governo em Berlim, que as autoridades alemãs estão preparando uma resposta se a Casa Branca insistir em sua ameaça de sanções adicionais com o gasoduto Nord Stream 2.
Como a Alemanha decidiu abrir mão da energia nuclear e do carvão, como parte do plano de energia limpa, o gás russo barato e de fornecimento seguro é indispensável para o bom andamento do plano alemão de desenvolvimento nas próximas décadas.
No embate com a Alemanha, Trump já anunciou a retirada de cerca de um terço das tropas que os EUA lá mantêm há 75 anos, e disse que Berlim deve “US$ 1 trilhão” em pagamentos não feitos da “proteção” prestada por Washington.
Da mesma forma que o gás barato russo é crucial para o progresso alemão, o setor de fracking norte-americano, sob imensa crise, quer de todo jeito um naco, ou o maior naco, do mercado europeu. Uma das maiores empresas do fracking, a Chesapeake, está à beira da bancarrota, e o setor está extremamente endividado.
Documento interno do Ministério da Economia alemão alertou que novas sanções dos EUA podem afetar um número significativo de empresas e bancos europeus, bem como organizações governamentais, segundo a Bloomberg. E que, em resposta a isso, o governo Merkel estaria considerando uma resposta coordenada da União Européia.
DE CABEÇA PARA BAIXO?
Sobre a questão, um comentarista russo, Ivan Danilov, observou que “o mundo virou de cabeça para baixo: a Alemanha está preparando sanções contra os Estados Unidos”.
Conforme a Bloomberg, “a Alemanha está se preparando para retaliar os Estados Unidos se o presidente Donald Trump cumprir sua ameaça de matar o gasoduto Nord Stream 2 com sanções adicionais”.
O que a Bloomberg descobriu – destacou o comentarista – seria “um choque maior em Washington do que a descoberta da vida em Marte ou jardins florescendo em Júpiter”. A agência norte-americana citou um comitê do parlamento alemão em que esteve em discussão que o governo alemão “era chamado a dar uma resposta coletiva bem calibrada” às ações dos EUA, que violariam o direito internacional.
Embora Merkel não tenha ido ao extremo de dizer que o governo Trump “deliberadamente” está “terminando a parceria transatlântica”, por outro lado ela acaba de repetir que os europeus devem se acostumar à ideia de que os EUA “não queiram mais” liderar o mundo.
“Se os EUA agora desejarem se retirar daquele papel, de sua livre e própria vontade, nós teríamos que refletir sobre isso muito profundamente”, ela asseverou a seis grandes jornais europeus.
Seu ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, tem dito que a Europa deve se posicionar “como uma entidade na competição global de grandes potências entre os EUA, China e Rússia, que está se tornando crescentemente imprevisível”. Ainda segundo Maas, a única chance seria “juntos como europeus”. De outro modo, tornar-se-iam “joguetes dos outros”.
Nos próximos seis meses, quem está na presidência rotativa da União Europeia é a Alemanha, o que acirra a questão do gasoduto, mas não só ela. Aliás, na página da Presidência alemã na EU, além da (quase) sorridente Ângela Merkel, que será o rosto da Europa nos próximos seis meses, está estampado o mote que escolheu: “Gemeinsam. Europa wieder stark machen” (Juntos. Fazendo a Europa Forte de Novo).