“Dizer que o pequeno número de ogivas nucleares que a China possui ameaça a segurança dos EUA, que tem 6.000, não se sustenta pela lógica”, enfatizou Fu Cong.
A China reiterou que nada tem a fazer nas conversações entre os EUA e a Rússia sobre o tratado de limitação de armas nucleares Novo Start III – que é o que resta da arquitetura mundial de segurança – já que seu arsenal nuclear é 20 vezes menor do que o dos signatários.
Assim, o ‘convite’ norte-americano para as “negociações trilaterais” não passa de um embuste, sublinhou o lado chinês.
Como observou o diretor do Departamento de Controle de Armas do Ministério das Relações Exteriores, Fu Cong, “se os EUA dissessem que estavam prontos para baixar [o arsenal nuclear] ao nível chinês, a China estaria feliz em participar no dia seguinte”. “Mas, na verdade, nós sabemos que isso não vai acontecer. Nós conhecemos a política dos EUA. E estamos mais realistas, falando francamente”, acrescentou Fu.
Rússia e EUA detêm 90% do arsenal nuclear, em torno de 6 mil ogivas cada, enquanto a China tem cerca de 300, patamar semelhante ao da França e da Inglaterra, e maior do que o da Índia, Paquistão, Coreia Popular e Israel.
Se não for prorrogado, o Novo Start III expirará em fevereiro do próximo ano, colocando o mundo na mais perigosa situação em décadas.
Fu alertou que a pressão dos EUA não é senão uma trama diversionista em relação à tensão mundial, “para criar um pretexto sob o qual eles possam sair do novo Start”.
“Seu propósito real é se livrarem de todas as restrições e terem as mãos livres para buscar superioridade militar sobre qualquer adversário, real ou imaginário”.
“Dizer que o pequeno número de ogivas nucleares que a China possui apresenta uma ameaça para … a segurança dos EUA, quando os EUA tem 6.000, eu não acho que se sustente do ponto de vista lógico”, enfatizou Fu.
Em entrevista na semana passada, o chanceler russo Sergei Lavrov assinalou que a decisão dos EUA de não renovar o Novo START já é uma realidade e o destino do tratado “está selado”, segundo a RT.
Já prevista no Tratado que os presidentes Obama e Medvedev assinaram em 2010, a prorrogação vale por mais cinco anos.
O Tratado manteve os dois países com 6.000 ogivas estipuladas, mas limitou as operacionais em 1.550 para cada lado, e 800 lançadores (entre mísseis e bombardeiros). O tratado anterior, o Start I, que esteve em vigor até 2009, foi assinado por Bush Pai e Gorbachev.
No final do ano passado, o presidente russo Vladimir Putin ofereceu a Washington a assinatura imediata da prorrogação do Novo Start III “sem pré-condições”.
Com uma rodada de negociações de acordo com a Bloomberg marcada para o dia 22, o governo Trump acintosamente enveredou pela busca de um pretexto para se retirar desse tratado, deixando em escombros o sistema de prevenção da hecatombe nuclear.
No ano passado, Trump já retirou os EUA do tratado que mantinha o continente europeu livre da ameaça de guerra nuclear, o Tratado INF de limitação das forças nucleares de alcance intermediário, em vigor desde 1987. Acaba de se retirar do Tratado de Céus Abertos. Sem falar nos outros tratados rasgados por Trump, como o do Clima de Paris e o Acordo Nuclear a Seis Partes com o Irã. Além do congelamento da OMC, saída da OMS, sanções unilaterais e leis extraterritoriais em escala industrial.
Como assinalou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Zhao Lijian, tal convite à China para se juntar às conversações Rússia-EUA não é “nem sério, nem sincero”. “A objeção da China às assim chamadas negociações trilaterais de controle de armas é muito clara, e os EUA sabem disso muito bem”.
Foram várias as provocações dirigidas a Pequim sobre a questão. No mês passado, na reunião entre as delegações russas e norte-americanas de controle de armas, Washington cinicamente incluiu cadeiras e bandeiras chinesas, para encenar que Pequim estaria se ‘recusando’ a discutir as armas nucleares. Com tamanha disparidade de arsenais nucleares, Washington também pressionou para que a China se submetesse a um novo “INF” – ou seja, que se colocasse indefesa diante dos porta-aviões norte-americanos.
Após protesto formal da Rússia, a reunião foi retomada apenas depois que foram retiradas tais referências indevidas à China, que não é signatária, assim como nenhum outro país armado nuclearmente em patamar modesto, do Novo Start III.
A provocação seguinte partiu do enviado especial de Trump para o Controle de Armas, Marshall Billingslea, que se fez de desentendido e tuitou que a China também tinha sido ‘convidada’ para as conversações. “Irá a China aparecer e negociar de boa fé?”, postou.
Coube à porta-voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying dar a resposta. “Nos anos recentes, os Estados Unidos se retiraram de vários acordos internacionais, incluindo o Plano Amplo Conjunto de Ação [Irã + 6], o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário, o Tratado de Comercialização de Armas, e o Tratado dos Céus Abertos, e agora está estudando a possibilidade de retomar os testes nucleares”.
É absurdo – acrescentou Hua – ouvir uma autoridade norte-americana “falar sobre boa fé”.
Sem dúvida, esse tipo de pressão contra a China também se encaixa na estratégia reeleitoreira de Trump de fazer a grande nação asiática de bode expiatório de tudo que acontece de ruim com os EUA, da “Kung Flu” ao 5 G da Huawei.
Conforme Fu, a prioridade para a China é que Washington e Moscou concordem em estender o tratado Novo Start e continuem a reduzir seus arsenais a partir dessa base. Ele salientou a disposição de Pequim em participar “quando os arsenais nucleares deles baixarem para um nível comparável ao das ogivas nucleares chinesas”.
Por sua vez, o chanceler russo Lavrov, no Fórum Primakov, advertiu que os EUA, em função de seu declínio, estão flertando perigosamente com um impasse nuclear. “Eu concordo que os riscos nucleares aumentaram substancialmente no passado recente”, declarou.
As razões para isso são “óbvias”, esclareceu o ministro. “Os EUA querem recuperar o domínio global e alcançar a vitória no que eles chamam de grande competição entre potências”.
Washington recusa a noção de “estabilidade estratégica” e optou pela “rivalidade estratégica”, ressaltou Lavrov. “Estamos particularmente preocupados com a recusa dos EUA em reafirmar um princípio fundamental: a premissa de que não pode haver vencedores em uma guerra nuclear e, portanto, nunca deve ser desencadeada”.