Queiroz saiu do gabinete no dia seguinte da reunião em que houve o vazamento. Sua filha foi exonerada no mesmo dia do gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília. Alguns dias depois, Queiroz, mesmo já fora, demitia também a mãe do miliciano Adriano da Nóbrega
A divulgação pela Rede Globo, na sexta-feira (24), de trechos de imagens do depoimento do empresário Paulo Marinho, ex-apoiador de Jair Bolsonaro, no inquérito que investiga se houve vazamento de informações sigilosas da Operação Furna da Onça, não deixa dúvidas de que houve informações dadas a Flávio Bolsonaro entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 2018.
Marinho fala de uma reunião no dia 13 de dezembro de 2018, na casa do empresário. E reproduz o que ouviu de Victor Granado, amigo de infância de Flavio, sobre a dinâmica para receber informações vazadas de um delegado da PF. Disse que a primeira tentativa se deu por telefone.
Ele relata que Flávio Bolsonaro escolheu três pessoas que trabalharam com ele para pegar a informação com um delegado da PF: Victor Granado, amigo de Flavio; Valdenice Meliga, ex-assessora; e Miguel Ângelo Braga, atual chefe de gabinete de Flávio.
“O Braga fala com o Flávio, o Flavio designa então que o Braga, o Victor e a Val fossem ao encontro dessa pessoa para saber do que se tratava. E aí fizeram contato e marcaram um encontro na porta da Polícia Federal. Este suposto delegado disse aos três ou disse ao Braga: ‘Vocês, quando chegarem, me telefonem que eu vou sair de dentro da Superintendência, até para você ver que sou um policial que estou lá dentro, e lá fora a gente conversa'”, afirmou Marinho.
O empresário disse que Victor, então, conta que o delegado antecipou a Operação Furna da Onça. E vazou outra informação: que a operação não seria deflagrada no mês da eleição de 2018 para não atrapalhar.
“E aí esse delegado disse a eles: ‘Essa operação vai alcançar o Queiroz e a filha dele. Estão no seu gabinete e no gabinete do seu pai. Tem movimentação bancária e financeira suspeita. E nós estamos aqui… eu estou… eu sou simpatizante do seu pai, do Bolsonaro, e vamos tentar não fazer essa operação agora entre o primeiro e o segundo turno para não criar nenhum embaraço durante a campanha’“, relatou Marinho.
“Como disse que a operação não iria acontecer para não criar nenhuma dificuldade, eventualmente, pela narrativa que a operação ia trazer, pela presença do Queiroz e da filha”, acrescentou o empresário. “Porque logo após o encontro, Queiroz e filha são demitidos, tá certo? Então, Flávio deve ter informado ao pai, e o pai, imediatamente, mandou demitir”, completou Marinho.
Em outro momento, o empresário contou que Victor Granado, amigo de Flávio, relatou que obrigou Fabrício Queiroz a passar as senhas do banco após saber que ele seria mencionado na Operação Furna da Onça. “Aí o Victor começou o relato. Disse: ‘Olha, eu ontem estive com o Queiroz e eu obriguei o Queiroz a me repassar todas as senhas das contas bancárias dele, e eu passei essa madrugada toda entrando nas contas do Queiroz e os montantes que eu descobri, informei agora de manhã para o Flavio, são muito superiores a esses que a imprensa está noticiando. Inclusive, porque esses se referem a anos anteriores a esses que a imprensa está noticiando'”, disse Marinho.
“Quando ele relata que deu, que teve acesso a contas do Queiroz e que ficou estarrecido porque os valores eram muito superiores”, diz Marinho. O Ministério Público, então, pergunta: “A esse R$ 1, 2 milhão?”. E Marinho responde: “A esse R$ 1,2 milhão.” Realmente, os valores, segundo o próprio Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), passavam dos R$ 1,2 milhão referentes ao período de 2016 a 2017 e atingiram R$ 7 milhões, quando a análise retrocedia a 2014.
De acordo com o depoimento de Paulo Marinho, esses três aliados de Flávio atuaram tanto no acerto do vazamento, quando na ida à Polícia Federal para receber os dados da operação. Essas ações, diz, ocorreram entre os dias 4 e 14 de outubro de 2018. No dia 15 de outubro, Fabrício Queiroz se exonerou do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e, sua filha, a personal treiner, Nathalia Queiroz, foi demitida do gabinete de Jair Bolsonaro em Brasília.
A exoneração de Nathalia Queiroz foi publicada no “Suplemento ao Boletim Administrativo n.º 199 de 17 de outubro de 2018, que inclui uma série de outras exonerações. Ela recebia em setembro daquele ano, salário bruto de R$ 10 mil. “Exonerar, de acordo com o artigo 35 da Lei n .º 8.112, de 11 de dezembro de 1990, a partir de 15 de outubro de 2018”, registra a portaria que dispensa a filha de Queiroz do cargo de secretário parlamentar SP02 “no gabinete do Deputado Jair Bolsonaro”.
Documento enviado para o Ministério Público do Rio, mostra que Queiroz – que é ex-policial militar começou a trabalhar no gabinete de Flávio em 2007. Nessa mesma época, a filha Nathalia também é contratada como assessora parlamentar na Alerj. Ela ocupa cargo no gabinete de Flávio até dezembro de 2016, quando é exonerada e contratada no gabinete de Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados.
No mesmo dia em que Nathalia foi exonerada da Alerj, em 2016, para ser contratada na Câmara, em Brasília, outra filha de Queiroz é contratada por Flávio como assessora, Evelyn Melo de Queiroz – que ocupou o cargo até final de 2018 – Evelyn também é alvo da apuração da lavagem de dinheiro no gabinet. Todos tiveram os sigilos bancários, fiscal e telefônicos quebrados por ordem da Justiça, em 2019.
Em 6 de dezembro de 2018, o ex-assessor comunicou a Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega de sua exoneração do gabinete de Flávio Bolsonaro, a conversa aconteceu via Whatsapp. Danielle é ex-mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, conhecido como Capitão Adriano. Na conversa, Queiroz explica que o desligamento estava relacionado a uma investigação que ele e Flávio eram alvo. O ex-assessor confirmou o diálogo e afirmou, através de seus advogados, que os “diálogos tinham como objetivo evitar que se pudesse criar qualquer suposição espúria de um vínculo entre ele e a milícia”.
Queiroz demonstrou preocupação com a manutenção de Danielle Mendonça como funcionária fantasma na Alerj devido às eleições de 2018 e o receio de que o aumento da exposição do deputado estadual Flávio Bolsonaro levasse a imprensa a descobrir a esposa do miliciano em seu gabinete. Queiroz pediu que Danielle evitasse utilizar o sobrenome do ex-marido. A funcionária então respondeu que já se encontrava em outra relação conjugal e não utilizava mais sobrenome “Nóbrega”.
Em mensagem interceptada, Queiroz fala com Daniela Nóbrega:
Queiroz: “sobre seu nome…. não querem correr risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão”.
Queiroz: “estão fazendo um pente fino nos funcionários e família deles”.
Danielle Mendonça acabou sendo exonerada.
Insatisfeita com a perda do salário que recebia por conta do cargo no gabinete, Danielle perguntou se poderia receber algum tipo de ajuda. Queiroz respondeu orientando que o assunto não deveria ser tratado por telefone. Quando as mensagens foram trocadas, formalmente, Queiroz já havia deixado o cargo no gabinete de Flávio Bolsonaro e a investigação contra o ex-marido de Danielle, “Capitão Adriano”, ainda não era pública.
Em uma conversa com uma amiga em janeiro deste ano ela admitiu que sabia da origem ilícita do dinheiro e que essa situação a incomodava.
Danielle: “enfim amiga… por outro lado, eu não sei se comentei com você, mas eu já vinha um tempo muito incomodada com a origem desse dinheiro na minha vida. Sei lá. Deus deve ter ouvido”.
O MP afirma que Danielle revelou numa outra mensagem que foi o ex-marido quem arrumou a nomeação de funcionária fantasma na Alerj. Os promotores lembram ainda que Flávio Bolsonaro homenageou Adriano de Nóbrega com moção de louvor pelos inúmeros serviços prestados a sociedade e destacam que Adriano e Queiroz foram amigos de farda.
O MP afirma também que ao nomear a esposa e a mãe de Adriano para cargos comissionados, Flávio Bolsonaro transferiu, ainda que indiretamente, recursos públicos para o acusado de integrar milicia. Segundo o MP, Adriano interveio junto a Queiroz na tentativa de manter sua ex-esposa Danielle Mendonça da Costa no cargo e admitiu que era beneficiado por parte dos recursos desviados por parentes dele também nomeados na Alerj.
Os salários de Raimunda e Danielle, mãe e mulher do miliciano, somaram, ao todo, R$ 1.029.042,48, dos quais pelo menos R$ 203.002,57 foram repassados direta ou indiretamente para a conta bancária de Queiroz, segundo o MP. Além desses valores, R$ 202.184,64 foram sacados em espécie por elas. Segundo o MP, isso viabilizaria a “simples entrega em mãos” de dinheiro para o ex-assessor.
O miliciano pediu informações a Danielle sobre a exoneração dela do cargo – Danielle Mendonça era funcionária fantasma do gabinete de Flávio desde 2007 até novembro de 2008. Eles conversam sobre dificuldade financeira enfrentada por ela. Em janeiro, Danielle volta a falar sobre problemas financeiros e Adriano se compromete a ajudar com “um complemento”. Nessa mesma conversa, o ex-PM foragido afirma que “contava com o que vinha do seu também”, indicando que recebia parte dos valores oriundos de lavagem do gabinete de Flávio. O MP não revela, contudo, o quanto Adriano teria embolsado.
O Ministério Público afirma que o salário recebido por Danielle funcionava como um tipo de pensão alimentícia, já que não existem indícios de que as funções de assessora parlamentar fossem exercidas. Apesar de ter permanecido entre a lista de contratados do gabinete por mais de 10 anos e receber R$ 6.490,35, Danielle nunca teve crachá na Alerj. A conversa foi obtida através do celular de Danielle, apreendido pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, durante a Operação “Os Intocáveis”, desencadeada em 22 de janeiro.