O governo Bolsonaro distribuiu 100.500 comprimidos de cloroquina, medicamento que não possui eficácia no tratamento contra a Covid-19 para a população indígena. A informação foi confirmada durante entrevista coletiva de Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde.
Os dados sobre combate à Covid-19 entre os povos indígenas foram apresentados por Elcio Franco, secretário-executivo, o número 2 do Ministério da Saúde, e por Robson Santos da Silva, o chefe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
A pasta reuniu a imprensa para apresentar o que considerava um pacote de boas notícias: habilitação de novos leitos de UTI e entrega de respiradores, por exemplo. Mas, no meio do que seria uma agenda positiva, Pazuello confirmou a obsessão do governo pela cloroquina.
O medicamento, usado no tratamento de malária, é comprovadamente ineficaz para o coronavírus e possui alto risco para a saúde da população.
Leia mais: Maior estudo brasileiro conclui que cloroquina não funciona para Covid-19
ESTOQUE
Tal obsessão de Bolsonaro pelo medicamento, geralmente usado no tratamento da malária, causou um problema para o país. De acordo com reportagem do jornal Folha de São Paulo, o Brasil possui um estoque parado de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, dos quais 2 milhões foram despejados em solo brasileiro por Donald Trump, semanas antes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos suspenderam o uso do medicamento para casos de Covid-19.
O rombo é ainda maior. O presidente também liberou R$ 1,5 milhão para o Laboratório de Química e Farmácia passar a produzir o medicamento, com insumos adquiridos da Índia. O gasto não havia sido aprovado pelo Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde também apresentou dados sobre a incidência da Covid-19 entre os povos originários muito menores do que os levantados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. A Apib registrou 18.260 casos confirmados e o ministério fala em 13.096. A distorção entre o número de mortes é ainda maior. São 570 indicados pela Apib e menos da metade, 247, conforme o ministério.
O descaso do governo federal com a saúde indígena chegou ao Supremo Tribunal Federal no início do mês. Em liminar concedida em uma ação proposta pela Apib e pelos partidos PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT, o ministro Roberto Barroso determinou que o governo Bolsonaro teria de tomar cinco medidas para proteção dos povos indígenas.
Por conta da decisão, um comitê foi organizado para tratar do tema. Nesta semana, Barroso precisou voltar ao tema: nomeou um funcionário de seu gabinete e outro do Conselho Nacional de Justiça para acompanhar as reuniões entre os indígenas e o governo. O motivo foi que os indígenas informaram ao ministro terem sido humilhados na primeira reunião.
Sanitarista alerta para risco do uso da cloroquina em indígenas
Para o médico Paulo Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a distribuição de cloroquina o tratamento de Covid-19 a indígenas é um “absurdo”.
“Considero um tremendo absurdo a realização de uma ação estapafúrdia como esta, promovida pelo governo federal com o claro objetivo de desovar um lote de 66 mil comprimidos de cloroquina, entre uma população reconhecidamente vulnerável”, disse Basta.
O médico alerta para os perigos da prescrição da cloroquina a indígenas por conta dos efeitos colaterais que a droga pode causar.
“A cloroquina tem o potencial de apresentar diversos efeitos adversos graves, incluindo hipotensão, vasodilatação, supressão da função miocárdica, arritmias cardíacas e parada cardíaca sobre o sistema cardiovascular, e confusão, convulsões e coma sobre o sistema nervoso central. É inadmissível o Estado brasileiro atentar de maneira tão agressiva contra a saúde dos povos originários do país. Essa ação revela de maneira inequívoca o plano genocida do atual governo”, disse o médico.
Procurado, o MPF em Roraima disse que enviará um ofício à Sesai para que ela se pronuncie sobre a informação repassada pelo coordenador do DSEI Leste.