“Há bastante tempo está faltando respiradores e tubos de oxigênio por toda a Bolívia devido ao governo de Áñez, cujo ministro da Saúde realizou compras superfaturadas e não fez qualquer plano. Mas não somente isso, faltam insumos de biossegurança para o pessoal da saúde, o que faz com que, contaminados, apenas metade dos médicos estejam trabalhando. Assim, as mortes se multiplicam, mas o governo mente ao jogar a culpa sobre os bloqueios erguidos na última semana para exigir respeito à democracia e à soberania”, afirma o cientista social e pesquisador Porfírio Cochi
O próprio Porfírio está enfermo há mais de duas semanas, com febre alta e intensa tosse. Apesar da fragilidade das condições de saúde, ainda não conseguiu realizar o teste de covid-19 pela falta de reagentes, mesmo sendo a esposa profissional de saúde. “Vivo em El Alto, cidade vizinha a La Paz, onde é visível que temos algo em torno de 80% da nossa população de mais de um milhão de habitantes contaminada. Na minha rua, cinco senhoras comerciantes perderam a vida. Seis dos meus amigos de mais de 50 anos faleceram. Esta é a realidade”, explicou.
Diante da possibilidade de ver a própria situação se agravar, e de ter de adquirir com urgência um tubo de oxigênio, Porfírio denunciou os valores proibitivos: “estamos falando de cinco mil dólares, num país devastado pela política neoliberal”.
Na tentativa de reverter o quadro eleitoral francamente favorável ao candidato do Movimento Ao Socialismo (MAS) à presidência, o economista Luis Arce Catacora, o governo adiou novamente as eleições, jogadas de 3 de maio para 2 de agosto, e depois para 6 de setembro e agora para 18 de outubro. “Com estas postergações o governo vai buscando ganhar tempo, enquanto tenta manipular o imaginário coletivo, por meio da censura e do completo controle dos meios de comunicação, com discursos mentirosos de que os bloqueios são contra a saúde da população, o que não tem nada a ver com a realidade”, acrescentou.
Desde o começo dos bloqueios de estradas, os manifestantes comandados pelo Pacto de Unidade – integrado pela Confederação de Camponeses, Confederação de Mulheres Bartolina Sisa, Confederação Sindicalista de Comunidades Interculturais e Confederação de Povos Indígenas – têm reiterado que o objetivo é garantir o respeito ao calendário eleitoral e ao interesse nacional. “Por isso estamos deixando passar as ambulâncias, medicamentos, oxigênio e outros insumos de saúde porque jamais prejudicaríamos esta necessidade dos diferentes hospitais”, esclareceu o secretário-executivo da Central Operária Boliviana (COB), Juan Carlos Guarachi, que se somou ao Pacto.
Para justificar a intervenção das Forças Armadas e da Polícia Militar, o discurso da autoproclamada presidenta tem início, meio e fim, sendo uma caixa de ressonância dos interesses da oligarquia e das transnacionais, como bem demonstram os jornais deste sábado (8): “Afins ao MAS cometem crime de lesa-humanidade ao bloquear passagem de oxigênio” e “Assaltam caminhões por ordem de Evo e Arce” (El Diario), “O MAS radicaliza bloqueios e o governo denuncia à OEA 31 mortes por falta de oxigênio (Opinión), e “Governo denuncia 61 cortes de via e anuncia desbloqueio” (Página Siete).
A armação é extremamente grotesca ao tentar desvincular o fracasso da política sanitária do atual governo, condenou Luis Arce, “pois todos sabem que os preços subiram e não há medicamentos suficientes, tendo por único objetivo gerar angústia e incertidão nas famílias em todo o país”. “Temos visto como nos meios de comunicação, de forma mal intencionada, se estava atribuindo a falta de oxigênio nos diferentes estabelecimentos públicos de saúde ao MAS, ignorando que a escassez vinha de antes, da mesma forma que a diminuição na produção, tratando de diminuir a preferência eleitoral enquanto buscam dilatar o prazo indefinidamente”, frisou Arce.
Deposto em novembro passado, o presidente Evo Morales (2006-2019) alertou nesta sexta-feira por meio do Twitter que “um novo golpe está se formando na Bolivia”.
No sábado, Evo reafirmou a denúncia acerca das mentiras sobre a falta de oxigênio e insumos médicos: “A defensoria do Povo e Comissão de Deputados denunciam que o governo de fato deliberadamente autoriza a saída de balões de oxigênio da empresa privada Praxair, que fornece a hospitais e clínicas. O que se procura é jogar a culpa nos movimentos sociais que protestam contra a postergação das eleições”.
No mesmo dia, além das denúncias, Evo ressalta o esforço pelo entendimento para desmontar a desventura golpista: “O diálogo tem sido sempre o melhor caminho para solucionar conflitos na Bolívia, escutando o outro, entendendo suas razões e cedendo pelo bem de todos para evitar enfrentamentos que só trazem luto e dor. Somos povos de paz e o demonstramos por 14 anos!”
LEONARDO WEXELL SEVERO
VEJA AS IMAGENS: “É uma grande mentira do governo que não estamos deixando passar ambulâncias ou oxigênio”, denuncia médico no município de San Julian.
