Os ministros concluíram que o artigo 316 do Código do Processo Penal não dá direito à solturas automáticas de presos
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (15), por nove votos a um, pela manutenção da ordem de prisão do traficante André Oliveira Macedo, o André do Rap, solto no sábado (10) após habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello.
Marco Aurélio Mello se baseou no artigo 316 do Código de Processo Penal – alterado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro – segundo o qual uma prisão preventiva (provisória) se torna ilegal se não é reanalisada a cada 90 dias pelo juízo responsável, para tomar a decisão que libertou o traficante.
No sábado mesmo o ministro Luiz Fux derrubou liminar de Marco Aurélio Mello. O julgamento começou na quarta (14) e terminou nesta quinta (15).
Além de referendarem a decisão de Luiz Fux, os ministros decidiram que a lei não autoriza solturas automáticas de presos e os requisitos para isso devem ser analisados caso a caso. Nesses casos, o juiz responsável pela revisão será instado a reavaliar a legalidade e a atualidade dos fundamentos da prisão preventiva.
Na votação desta quinta-feira (15), a ministra Cármen Lúcia lembrou que arquivou vários pedidos que alegaram que a prisão preventiva do réu se tornou ilegal por falta de revisão do juiz depois de 90 dias. “O que o artigo 316 estabeleceu foi o direito à revisão, mas não dá direito à soltura de quem quer que seja”, afirmou. A ministra disse também que o presidente do STF pode cassar a liminar do colega, mas apenas em caráter “excepcional”. “A grande questão é que entre os ministros do Supremo não há hierarquia”, afirmou.
O ministro Ricardo Lewandowski argumentou que o presidente do Supremo não pode cassar decisão de outros ministros. Por isso, em sua opinião, esse pedido sequer poderia ter sido analisado por Fux. Assim, Lewandowski divergiu e votou pelo arquivamento do caso. Ele ressalvou, no entanto, que se ficasse vencido, acompanharia o entendimento para permitir a manutenção da prisão de André do Rap, por decisão do presidente do STF, “apenas nesse caso específico”.
“Não se pode admitir que, fazendo uso processualmente inadequado do instituto de suspensão de liminar, o presidente ou vice do STF se transformem em órgãos revisores de decisões jurisdicionais proferidas por seus pares, convertendo-se em verdadeiros super ministros”, criticou.
O ministro Gilmar Mendes aproveitou a ocasião para fazer críticas contundentes ao Ministério Público Federal, ao juízo de primeira instância responsável pela revisão da prisão preventiva do narcotraficante André do Rap e ao próprio STF ao votar, nesta quinta-feira, 15. Ele acabou votando pela volta à prisão o líder do PCC, considerado foragido.
“É um festival de erros, equívocos e omissões”, observou Gilmar Mendes sobre o caso. “A evasão de um paciente com um porte de periculosidade assustadora só foi possível graças a uma convergência de falhas na inércia do Ministério Público Federal conjugada com erros judiciários e uma patente escassez de espírito público na atuação de alguns participes deste processo”, completou. Em seu voto, Mendes defendeu ser dever dos juízes garantir a supervisão da contemporaneidade das prisões cautelares determinadas por eles.
Último a votar no julgamento, o decano Marco Aurélio Mello defendeu sua decisão e disse que “se paga um preço por se estar em um estado democrático de direito e este preço é módico e está ao alcance de todos: o respeito estrito ao arcabouço normativo legal e constitucional”.
“Continuo convencido do acerto da liminar que implementei. E se alguém falhou, não fui eu. Não posso ser colocado como bode expiatório do juiz de origem, com a falta de diligência do Ministério Público, estado acusador, e ou uma falta de diligência na representação da própria polícia”, afirmou.
“Não me sinto, em que pese as inúmeras críticas, no banco dos réus. Atuei como julgador nessa missão sublime de julgar personificando o que faço há 41 anos”, afirmou. “E o habeas corpus ele reclama, para haver a concessão da ordem, a prática de um ato ilegal, a cercear a liberdade de ir e vir do cidadão.”
Ao votar, o ministro Luiz Fux afirmou que derrubou de forma “excepcionalíssima” a decisão do colega. Segundo ele, a decisão desrespeitou diversos precedentes do STF, beneficiando um líder de facção que “permaneceu por cinco anos foragido e foi condenado por tráfico de quatro toneladas de cocaína”.
Fux disse ainda que André do Rap “debochou da Justiça” por ter se aproveitado da decisão “para evadir-se imediatamente” e “cometeu fraude processual ao indicar endereço falso”. O traficante agora é considerado foragido e está na lista de procurados da Interpol, a polícia internacional.