Foi divulgado neste domingo (20) o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, que através de seu conjunto de dados revelou que a polícia brasileira nunca matou tanto quanto no ano de 2019. O estudo também mostrou que 80% dessas pessoas eram negras.
Ao total, 6.357 pessoas foram mortas por policiais no ano de 2019, diante 6.175 em 2018.
As mortes decorrentes de intervenções policiais passam de 75,4% de negros mortos em 2018 para 79,1% de negros mortos em 2019; Das pessoas mortas pela polícia em 2019, 79,1% são negros. Em 2018, essa porcentagem foi de 75,4%.
Neste período, 172 policiais foram assassinados, sendo 62 em serviço e 110 fora de serviço.
“Há falhas no controle interno e externo da atividade policial. Os índices de controle são baixos. A cada policial morto, 37 pessoas são mortas. Um dos parâmetros para ver se está entregando de maneira correta é essa coerência”, analisou Amanda Pimentel, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que organiza o levantamento desde 2013.
“No Brasil, o número de civis mortos é muito maior. É talvez o principal parâmetro que vai mostrar que no Brasil a gente tem uso excessivo da força letal da polícia”, continuou.
O número total de mortes violentas registrou uma redução no ano de 2019 quando 47.773 pessoas foram assassinadas, contra 57.341 em 2018. Uma redução de 17,7%.
Entretanto, no primeiro semestre de 2020, enquanto o Brasil já vivia as consequências da pandemia de coronavírus, o índice sofreu um aumento.
Nos primeiros seis meses deste ano, 25.712 pessoas foram mortas, registrando aumento de 7,1% em relação ao mesmo período do ano passado.
“É um pouco surpreendente porque, embora os homicídios já estivessem em trajetória crescente desde outubro, com a pandemia era de se esperar que fosse interrompida, porque reduziu-se mobilidade, pessoas na rua à noite, em bares”, afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Existia uma expectativa de que com o isolamento social, houvesse um estancamento, que não ocorreu”, destacou Samira.
A pesquisadora explica ainda as prováveis razões para o aumento dos assassinatos.
“Por um lado, há um fim da trégua entre organizações criminosas que disputam rotas importantes de cocaínas e outras drogas. Por outro lado, a pandemia acentuou os feminicídios em todo o país. Esses dois fatores ajudam a explicar o aumento no número de mortes violentas”, explicou.
Na opinião do presidente do Fórum, Renato Sergio de Lima, os dados mostram o quanto o Brasil perdeu oportunidades de converter as quedas de 2018 e 2019 em uma tendência permanente de redução de violência e da criminalidade.
“O país foi somando uma série de medidas, muitas vezes ideológicas, populistas e eleitoreiras, e tudo o que menos foi discutido foi a eficiência da segurança pública. Nós temos aqui uma oportunidade perdida de salvar vidas e de reduzir o crime e a violência”, disse.
FEMINICÍDIOS
Em relação aos casos de violência contra a mulher durante a pandemia, o Anuário registrou uma queda no número de registros em delegacias. A diminuição foi de 9,9% em registros de agressão em decorrência de violência doméstica. Ao mesmo tempo, aumentaram os chamados para o número 190 e cresceu 3,8% o número de acionamentos da PM para casos de violência doméstica.
O número de feminicídio aumentou 1,9% em relação ao mesmo período do ano passado. O estudo contabilizou 648 vítimas fatais.
ARMAS DE FOGO
O anuário também mostra que sete em cada 10 mortes violentas no país são causadas por armas de fogo.
72,5% das mortes foram causadas por armas de fogo, 19,3% por armas brancas e 8,2% por outros tipos de instrumento.
O dado levanta novamente a discussão sobre o acesso às armas, posto que a flexibilização e maior permissão deste acesso é pauta prioritária do governo de Jair Bolsonaro. Entre os CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores), classe favorecida por leis promulgadas por Bolsonaro, houve aumento de 120,3% nos registros de armas de fogo. Foram comparados dados de agosto de 2019 e 2020 no Sigma, sistema da Polícia Federal em que são registradas as armas.
“Esse resultado é um indicador importante para se pensar estratégias de prevenção da violência letal, na medida em que, se a grande maioria dos fatos são produzidos pelo uso de armas de fogo, aperfeiçoar políticas de controle de acesso a armas de fogo e munições, de controle sobre a importação e fabricação desses instrumentos letais, (…) pode contribuir com a diminuição na quantidade de mortes violentas”, dizem os pesquisadores no anuário.