Emissora está proibida de noticiar as falcatruas. “A proibição contraria jurisprudência do próprio STF quanto à proteção da liberdade de expressão”, diz a defesa da Globo
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu manter em segredo as investigações dos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa cometidos pelo filho mais velho de Jair Bolsonaro, o atual senador Flávio Bolsonaro, quando este era deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
O ministro negou a Reclamação (RCL) 43671, do grupo Globo, contra a censura determinada pela Justiça do Rio.
A censura foi decretada pela juíza Cristina Serra Feijó, da 33ª Vara Cível do Rio, que atendeu a alegação da defesa de Flávio, de que a divulgação causaria “dano” à imagem do senador. A tese da defesa é típica da família Bolsonaro, que é melhor, para manter as aparências, esconder os mal feitos do que explicá-los devidamente à sociedade.
Segundo a defesa da emissora, a proibição contraria jurisprudência do próprio STF quanto à proteção da liberdade de expressão e também ao direito à informação firmada em resposta à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que acabou por abolir a Lei de Imprensa.
Lewandowski decidiu não apreciar a argumentação da Globo porque, no seu entender, não foram esgotadas as instâncias de recurso no Tribunal de Justiça do Rio. O ministro determinou apenas que a Primeira Câmara Cível da corte fluminense julgue a questão na primeira sessão subsequente ao recebimento da intimação.
O jurista Walter Maierovitch discorda do entendimento de Lewandowski e considera grave que o Supremo não acate uma reclamação contra o não cumprimento da jurisprudência da própria Corte. Na análise do jurista, a proibição da divulgação de informações e documentos sigilosos sobre o caso da rachadinha é um caso claro de censura. “E agora com a chancela do ministro Lewandowski”, sublinha.
“O instituto da reclamação existe para que a jurisprudência do STF não seja jogada no lixo”, diz Maierovitch. “O ministro não quis tomar providência para proteger o direito à liberdade de imprensa e, por consequência, defender a Constituição”.
A TV Globo foi proibida de noticiar o esquema em que Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz contratavam funcionários fantasmas, alguns deles diretamente ligados às milícias do Rio, e ficavam com parte dos salários desses fantasmas.
Queiroz recolhia o dinheiro e o repassava para a família Bolsonaro. Os investigadores descobriram, através da quebra de sigilo bancário, que ele depositou 21 cheques na conta de Michelle Bolsonaro, totalizando R$ 72 mil entre 2011 e 2016.
Sua esposa, Márcia Oliveira, também fez depósitos para a mulher de Bolsonaro, entre janeiro e junho de 2011, que somam mais R$ 17 mil. O valor total dos depósitos da família Queiroz para Michelle Bolsonaro é de R$ 89 mil.
Foi por causa destes depósitos de Queiroz e Márcia, que até hoje não foram explicados, que, em agosto deste ano, Bolsonaro perdeu a calma e ameaçou agredir um repórter em Brasília. “A vontade que tenho é encher sua boca de porrada”, disse Bolsonaro ao jornalista, quando foi perguntado sobre o que tinha a dizer sobre os depósitos na conta de sua mulher.
Deste dia em diante houve um movimento do Planalto, com apoio da Procuradoria Geral da Republica (PGR), e de parte da Justiça do Rio, para abafar os crimes de Flávio Bolsonaro. A esse movimento de acobertamento geral e, depois, de ataques diretos à Operação Lava Jato, vieram se juntar também o ministro Gilmar Mendes, o ministro do abraço, Dias Toffoli e, agora, Lewandowski.
Paralelo a esse movimento para encobrir o caso, houve uma tentativa por parte da defesa de Flávio de anular todas as investigações feitas desde o início do escândalo das rachadinhas. O ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), impediu que isso ocorresse ao manter todas as decisões tomadas pelo juiz de primeira instância, Flávio Itabaiana, e do Ministério Público do Rio de Janeiro.
A alegação da defesa de Flávio Bolsonaro para o pedido da anulação de todas as provas obtidas pelos investigadores foi de que o juiz havia cometido ilegalidades nas investigações, ao se basear em relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que descobriu as falcatruas de Queiroz e Flávio.
No pedido de prisão de Fabrício Queiroz e de sua mulher, Márcia Oliveira, o juiz Flávio Itabaiana apresenta provas incontestes dos crimes e ainda revela uma atuação do casal para intimidar testemunhas e alterar provas.