Nesta entrevista, Arturo Ayala, membro da coordenação da campanha do movimento Juntos pelo Peru (JP), coalizão que tem a psicóloga, antropóloga e professora Verónika Mendoza como candidata à presidência nas eleições do próximo dia 11 de abril, avalia que “ela resume as necessidades e lutas do nosso povo”. “Além de fortalecer o combate à pandemia, a vitória de Verónika potencializará a defesa da soberania e do desenvolvimento nacional, com a geração de emprego e renda”, assinala. Candidato ao Congresso por Lima e dirigente nacional do Partido Comunista do Peru – Patria Roja, Ayala afirma que “é hora de enterrar o legado de Alberto Fujimori, em que a hegemonia neoliberal avançou com a imposição de privatizações e flexibilização das relações do trabalho, destruindo valores e direitos e construir um novo Peru”. Neste quadro, reitera, “Verónika Mendoza faz parte desta corrente latino-americana de mudanças: progressista, democrática e anti-imperialista”.
LEONARDO WEXELL SEVERO
Qual o significado da candidatura de Verónika Mendoza?
Acredito que Verónika resume as necessidades e lutas do povo peruano. Se enquadra, particularmente, nos últimos anos, contra o abuso e o envenenamento das mineradoras, sempre respaldando a comunidade, inclusive renunciando à bancada parlamentar do Partido de Ollanta Humala, em 2012, meses depois de ser eleita, para colocar-se ao lado dos camponeses. Sempre acompanhou os movimentos sociais em suas reivindicações, seja em Conga, Cajamarca ou Arequipa. É também uma fiel representante da luta feminista, enfrentando com altivez o conservadorismo e a reação.
Verónika também encarna esta fúria acumulada pelas nas novas gerações contra todas as limitações e injustiças impostas por este modelo neoliberal. Agora, como candidata à Presidência, representa uma série de correntes da esquerda peruana, liderando esta confluência e amplitude. Agora se destaca nas pesquisas e já se encontra em segundo lugar para as eleições de 11 de abril. Sentimos, pela recepção crescente, que caminhamos para vencer, pois tem uma proposta clara que, entre outras prioridades, fortalece o combate à pandemia, potencializa a defesa da soberania e do desenvolvimento do país, com a geração de emprego e renda. Seria a primeira vez na nossa história que uma força de esquerda assumiria a presidência.
Com um programa desenvolvimentista, Verónika enfrenta candidaturas que representam abertamente o receituário neoliberal do FMI e das transnacionais. Fale um pouco sobre isso.
No Peru o que tem havido é uma hegemonia neoliberal, evidente. Se avançou com a imposição de privatizações do patrimônio público, de flexibilização nas relações do trabalho, destruindo valores e direitos. O nosso tecido social foi devastado, bem como a estrutura sindical. Somos hoje o país com a menor taxa de sindicalizados de toda a América Latina, algo em torno de 2% ou 3%. Isso foi possibilitado pelo marco legal gerado pelo neoliberalismo com a Constituição de 1993, de Alberto Fujimori, cuja herança queremos romper. Por isso queremos uma nova Constituição.
No nosso país a lógica de mercado contaminou e alcançou a tudo. Desde as vacinas, que o governo quer que alguns poucos a administrem, até a possibilidade de dar carta branca às empresas para que demitam milhares de trabalhadores, no meio da pandemia, sem maiores dificuldades. É um regime anti-trabalhador, que queremos mudar por ser extremamente injusto.
Quais são os pontos mais terríveis da herança fujimorista que devem ser enfrentados e superados?
No Peru se privatizou a energia elétrica, se privatizou as empresas de transporte, se privatizou a mineração… Acabaram com a nossa empresa de aviação e, agora, quando precisamos distribuir as vacinas não temos aviões, precisamos pagar voos comerciais. Uma vez passada a pandemia, quando necessitarmos retomar o setor turístico, de imenso potencial de emprego e renda, não teremos uma empresa de aviação nossa, com bandeira nacional. Isso é um pecado de dizer, mas a Constituição em seus artigos 60, 62 e 63 reduziu o papel do Estado a um papel subsidiário. Pela Constituição, a lei das leis, o Estado peruano não pode intervir na economia onde haja um privado, não pode lhes fazer concorrência, o que nos parece uma aberração.
Além disso, a tal “concorrente” não é uma empresa nacional, mas um cartel estrangeiro.
Evidentemente, é um completo despropósito. Além disso, essa Constituição fujimorista tem algo que acredito que não exista em nenhuma outra da América Latina: fala em igualdade de tratamento entre o capital estrangeiro e o nacional, desprotegendo o setor econômico nacional. Realmente, em lugar de uma Constituição, é um programa político neoliberal transformado em Constituição.
Em outro dos seus artigos assinala que há “contratos-lei”, em que os contratos não podem ser revisados nem pelo executivo nem pelo parlamento peruano. Uma vez assinados pelo Estado, esses contratos tornam-se sagrados, intocáveis. Isso além de atentar contra os nossos interesses, abrindo mão da nossa soberania, obviamente dá margem à corrupção, dá margem a que em uma emergência como essa que estamos passando não possamos contar com nenhum mecanismo, nenhuma flexibilidade, nem mesmo a cobrança de pedágios destas empresas. Elas simplesmente estão amparadas na Constituição, que as blinda. Na verdade, temos um Estado de mãos atadas pela Constituição de 1993. Precisamos melhorar, aprimorar o Estado para que deixe de ser um instrumento de grupos poderosos que se beneficiam de exonerações tributárias e outros benefícios, em detrimento da grande maioria do nosso povo.
É visível que os movimentos sociais têm respondido afirmativamente ao diálogo com Verónika, mas há o problema objetivo da pandemia. Como está sendo enfrentado?
As dificuldades aparecem na hora de levar a campanha até as bases por conta da virtualidade, do distanciamento social, mas ainda assim os movimentos sociais têm sabido adaptar-se às novas tecnologias, têm sabido se organizar e levar mensagens e informações de maneira rápida. Estou confiante de que todos entendem a necessidade de apostar em Verónika e no movimento Juntos pelo Peru. Na verdade, mais de 70% das candidaturas parlamentares da nossa coalizão é composta por lideranças dos movimentos sociais e sindicais e as demais são representações de partidos de esquerda. Creio que teremos melhores condições de dirigir a campanha a partir de agora em que se estão dando mais condições de mobilidade.
Uma vez vitoriosa a coalizão, como vês a importância da integração regional?
Verónika Mendoza faz parte desta corrente latino-americana de mudanças: progressista, democrática e anti-imperialista. É uma companheira que vai possibilitar que, finalmente, o Peru venha a se somar à Pátria Grande nos objetivos maiores que temos como povos irmãos.
Acredito que, enfim, poderemos ter posturas coincidentes em relação à integração regional e à solidariedade entre os povos, que tanta falta nos fazem em momentos como esse quando deveríamos estar mais unidos para enfrentar a pandemia, para produzir e distribuir vacinas.
Qual o significado da sua candidatura para o Congresso Nacional, em particular, para a luta da juventude.
O que a pandemia fez foi acelerar o processo de decomposição do capitalismo em nosso país. O desemprego disparou. Somente no último ano perdemos quase quatro milhões de empregos, um absurdo, pois isso representa cerca de 20% da nossa força de trabalho. Perdemos cerca de 200 mil estudantes das universidades públicas e privadas dos pouco mais de um milhão e, pela pandemia, deixaram de estudar 300 mil crianças e adolescentes na educação básica. Ao todo são meio milhão de estudantes que ficaram de fora do processo educacional. Isso se agrava porque no Peru apenas 40% dos lares têm internet e nas zonas rurais este número baixa para somente 6%. Como podem continuar estudando nestas condições? É impossível. E é isso o que tem se passado. Um país sem infraestrutura, sem desenvolvimento, sem a possibilidade de que seus jovens continuem estudando à distância. É nisso que temos centrado a nossa campanha: de lutar para fortalecer a educação, tão debilitada pela pandemia. Uma realidade que demonstrou que todo esse discurso de êxito do neoliberalismo é um fracasso e uma mentira. Necessitamos fortalecer a educação pública, porque quando falamos em vacina falamos de universidades, laboratórios e pesquisas. Infelizmente, como resultado desta política de desinvestimento, na pandemia o Peru é um dos países com maior índice de morte por milhão na América Latina.
Há alguma última questão que queiras apontar?
Acredito que é importante assinalar que surgiu nesta eleição no Peru o fenômeno da ultradireita, tendo referência a Bolsonaro, no Brasil. A candidatura do multimilionário Rafael López Aliaga, ligado à Opus Dei [setor da igreja católica historicamente ligado ao fascismo]. Ele se encontra em quarto lugar nas pesquisas, mas que, com um discurso demagógico, principalmente para os mais pobres, tem tendência de crescimento. Com muito dinheiro, este é um perigo objetivo, que temos alertado há algum tempo, e contra o qual é preciso mobilizar e isolar.