Caso o projeto seja aprovado vai à sanção presidencial, já que é originário da Câmara dos Deputados, e o relator, senador Paulo Paim (PT-RS), em seu parecer não fez alterações de mérito no texto. A matéria é meritória e tem longo alcance social
O Senado reagendou para votação, na próxima terça-feira (23), o PLC (Projeto de Lei da Câmara) 130/11, do ex-deputado Marçal Filho (MDB-MS), que combate a diferença salarial entre homens e mulheres que exerçam atividades idênticas na mesma função na empresa. A proposição integra o pacote de projetos da pauta feminina para março.
O projeto constou da pauta da última terça-feira (16), mas presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decidiu pelo adiamento após ponderação do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO).
Ele questionou a possibilidade de que, pela redação do projeto, os efeitos da punição retroagissem para além dos limites permitidos pela legislação. Vanderlan também pontuou que a CLT já proíbe a desigualdade salarial nos termos propostos. Pelo acordo, emenda de redação vai sanar esse problema e o projeto poderá ser votado e enviado à sanção presidencial.
O texto altera a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para estabelecer multa, em favor da trabalhadora alvo da discriminação, equivalente a cinco vezes o valor das diferenças salariais constatadas durante o período de contratação.
O relator, senador Paulo Paim (PT-RS), apresentou parecer pela aprovação do projeto e pela rejeição das três emendas, que reduziriam o valor da multa aplicada e limitariam temporalmente o seu período de cálculo.
A assessoria do senador Paim informou que não houve alterações de mérito no texto. De modo que se aprovado pelo plenário, a matéria vai à sanção presidencial. Ainda segundo a assessoria do senador, pode haver apresentação de emendas que alterem o mérito do projeto, que obrigaria o retorno da proposição à Câmara, mas o senador gaúcho vai rejeitar qualquer alteração.
MULTA PESADA PARA O INFRATOR
“Não se trata apenas de desabonar simbolicamente tal prática reprovável, mas de fazer sentir o infrator todo o peso da reprobabilidade social de sua conduta. Nesse sentido, é lícita a adoção de multa consideravelmente pesada”, destaca Paulo Paim no seu relatório.
Em relação à limitação do cálculo da multa, o senador lembra que o prazo prescricional das obrigações trabalhistas é dado pela Constituição, cujos dispositivos não podem ser alterados por lei ordinária.
O texto a ser votado pelos senadores acrescenta o parágrafo 3º ao artigo 401 da CLT, a fim de estabelecer multa para combater a diferença de remuneração verificada entre homens e mulheres no Brasil.
Em seu relatório, Paim ressalta que a discrepância salarial entre homens e mulheres é amplamente reconhecida e cabalmente demonstrada pelas estatísticas do trabalho.
“Em 2019, na média, as mulheres receberam 77,7% da remuneração dos homens. Essa é uma média agregada nacional e desconsidera significativas variações decorrentes de diversos fatores, como os geográficos (a discrepância é menor no Sudeste e mais elevada no Norte), a raça (a diferença é maior, como podemos imaginar, para as mulheres negras), e — curiosa, mas significativamente — a natureza das funções exercidas, sendo que a diferença para funções de chefia é ainda mais elevada que a média”, observa Paim.
DIFERENÇA TEM AUMENTADO
O senador destaca que essa diferença não tem sido reduzida. Pelo contrário: há uma lenta elevação desde 2016, que deve ter se acelerado durante o conturbado período da pandemia da covid 19.
“Efetivamente, já temos dados que indicam que o desemprego decorrente da pandemia é mais elevado entre mulheres que homens, bem como sabemos que a participação feminina é mais elevada no setor de serviços, mais ampla e duramente afetado pela pandemia, comparativamente com os setores primário e secundário, mais resilientes e com participação masculina maior”, ressalta Paim.
O senador considera importante estabelecer mecanismos que ajudem a modificar essa situação, e esclarece que o objetivo do projeto é justamente estabelecer um desincentivo monetário significativamente elevado, de modo a beneficiar a condição remuneratória feminina por meio de pena pecuniária que torne a discriminação antieconômica.
“Por essa razão, a multa é fixada em valores tão elevados, não se trata apenas de dar uma indicação, mas de se demonstrar todo o peso da reprovação social ao empregador infrator. Entendemos que a proposição deve ser aprovada. Naturalmente, temos consciência de que a discrepância salarial de gênero tem profundas raízes sociais e culturais e que a mudança legislativa é incapaz, individualmente considerada, de eliminá-la. No entanto, nessa luta da mais elevada Justiça, qualquer contribuição positiva é válida”, conclui Paulo Paim em seu relatório.
PROBLEMA CRÔNICO
Segundo pesquisador da área de Economia Aplicada do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV (Fundação Getulio Vargas), Daniel Duque, em entrevista, há um ano, à Agência Brasil, existe desvalorização de profissões que são majoritariamente ocupadas por mulheres. “Mais mulheres são formadas em profissões como licenciatura, pedagogia, enfermagem, odontologia, em relação a homens. E, mais homens são formados em cursos como engenharia, por exemplo.
Parte desse diferencial de homens e mulheres é atribuído à essas diferentes escolhas de cursos” diz, e acrescenta, “provavelmente, o maior fator foi uma maior desigualdade de retorno entre essas profissões”.
Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) de 2019 mostram que, entre as 10 carreiras de ensino superior com maior geração de postos de trabalho, as mulheres recebem, em média, salários menores em sete delas. A maior desvantagem foi encontrada no cargo de analista de negócios, com homens ganhando R$ 5.334 e mulheres, R$ 4.303, o equivalente a 80,67% do salário deles.
Segundo Duque, ao pagar menos às mulheres, o Brasil perde economicamente. “Quando se nega às mulheres oportunidades equivalentes às dos homens no mercado, a gente abre mão de cérebros. Estamos deixando de incorporar no mercado de trabalho no Brasil mulheres que seriam extremamente talentosas”, diz. “Estamos perdendo força produtiva por desigualdade entre gêneros e isso vai impactar a produtividade agregada brasileira e nosso desenvolvimento”.
M. V.