A cúpula da CPI recebeu a informação de que ex-secretário conversou, nos últimos dias, com interlocutores do presidente da República sobre seu depoimento na CPI do Senado
Tendo se oferecido, a partir da entrevista concedida à revista Veja, em 22 de abril de 2021, a depor na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado, que investiga as ações, omissões e inações por parte do governo federal à pandemia de Covid-19, o ex-secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, depôs, nesta quarta-feira (12), no colegiado como testemunha de defesa do governo.
“Ele veio treinado para defender o presidente Bolsonaro e reduzir os desgastes para o governo provocados pela entrevista que deu para a Veja”, afirmou ao blog do Valdo Cruz, no G1, o senador Rogério Carvalho (PT-SE), que é suplente na CPI.
O depoimento do ex-secretário de Comunicação foi bastante acidentado. Faltou objetividade nas respostas elaboradas pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL). Numa certa altura da oitiva, Wajngarten irritou o presidente e o relator da CPI ao ser questionado sobre frases do presidente Jair Bolsonaro contra as vacinas. Ele respondeu: “Pergunte para ele”.
O relator queria saber se as declarações de Bolsonaro contrárias às vacinas causavam impacto na população. Wajngarten evitou responder apenas “sim” ou “não”, o que fez o relator repetir a questão diversas vezes.
“Você não pode dizer ‘pergunte a ele’. Você está aqui como testemunha. Sim ou não?”, disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que interrompeu a reunião por alguns minutos.
Depois da pausa, o trabalho da comissão foi retomado. O presidente, Omar Aziz, disse que poderia dispensar Wajngarten, se ele não ajudasse, e chamá-lo novamente não como testemunha, mas como investigado.
Renan Calheiros, durante a reunião, teve à sua frente, no local usado para identificação do senador, o número atualizado de mortos pela Covid-19 no Brasil, que já supera 425 mil pessoas.
CARTA DA PFIZER
A CPI avalia que a carta da Pfizer oferecendo vacinas ao Brasil em 2020 mostra que o governo brasileiro foi criminoso e não priorizou a compra de imunizantes contra a doença. O documento foi entregue à CPI pelo ex-secretário Fabio Wajngarten durante o depoimento dele ao colegiado.
“A carta da Pfizer, que ele entregou, mostrou como o governo foi incompetente. O presidente Bolsonaro e os ministros Braga Netto, Paulo Guedes e Eduardo Pazuello não responderam à carta, mostrando a incompetência e a falta de prioridade na compra de vacinas”, disse o presidente da CPI.
O ex-secretário tentou suavizar este fato ao tentar implicar à burocracia governamental à não aquisição dos imunizantes ofertados ao governo brasileiro.
A CAMPANHA “O BRASIL NÃO PODE PARAR”
Questionado pelos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Humberto Costa (PT-PE) sobre quem teria autorizado a campanha que desestimulava o distanciamento e isolamento sociais, igual à feita em Milão, na Itália, que produziu uma tragédia sanitária e hospitalar naquela cidade italiana.
“Em março, consta na minha planilha uma campanha do Ministério da Saúde que falava de medidas de prevenção, informações e sintomas, protocolos e orientações”, disse o ex-secretário.
“Contudo, de fato, eu me recordo de um vídeo circulando, “O Brasil Não Pode Parar”, eu não tenho certeza se ele [esse] é de autoria, de assinatura da Secom. Eu não sei se ele foi feito dentro da estrutura ou por algum… E circulou de forma orgânica. Eu não tenho essa certeza, posso confirmar para o senhor”, asseverou Wajngarten.
E acrescentou: “Cabe mencionar aqui, senador, que eu fiquei fora o mês de março inteiro, acometido pela Covid. Os 26 dias de março eu fiquei fora.”
Quando Fábio Wajngarten disse isto, ele mentiu e incorreu em crime de falso testemunho diante da CPI, pois em “live”, durante o período que disse que esteve em quarentena, com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse que trabalhava normal, inclusive com a Secom e aprovado campanhas.
CONFRONTAÇÃO
Durante resposta aos senadores Tasso Jereissati e Humberto Costa, Wajngarten afirmou que não esteve envolvido em nenhuma campanha com o mote “O Brasil Não Pode Parar”.
Ele ainda disse que estava afastado e isolado, pois estava com Covid-19. Mas o senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou trecho de uma “live” exibida no período, na qual Wajngarten confirma que estava trabalhando pela Secom durante o isolamento.
“Isso é suficiente, senhor presidente, para dizer que vossa excelência mentiu nessa oitiva”, afirmou o senador em apontamento sobre a fala de Wajngarten. “O senhor disse que não tinha conhecimento de campanhas da Secom, nem mesmo as polêmicas que seriam responsabilidade de um AGU. O senhor mente. O senhor cuidou de tudo pessoalmente, inclusive convalescendo de Covid como mesmo atestou em ‘live’ com [o deputado Eduardo] Bolsonaro [PLS-SP]”, afirmou Carvalho.
PRENDE OU NÃO PRENDE
O relator da CPI, Renan Calheiros, pediu no transcorrer da tomada do depoimento de Wajngarten, a prisão do ex-secretário especial. Renan acusou-o de mentir à CPI, onde o depoimento é dado sob a obrigação de dizer a verdade.
O presidente da comissão, o senador Omar Aziz, a quem cabe autorizar o pedido, afirmou que não iria determinar a prisão do ex-secretário especial de Comunicação Social. “Precisamos ter muita cautela para que não pareça que, aqui, nós somos um tribunal que já está ouvindo e condenando”, afirmou Aziz.
“Vossa excelência, mais uma vez, mente. Mentiu diante dos áudios agora publicados, mentiu por ter mudado a versão sobre a entrevista que deu e continua mentindo. Evidente que essa decisão será do presidente desta Comissão, mas esse é o primeiro caso de alguém que vem à comissão parlamentar de inquérito e em desprestígio da verdade, mente”, criticou Calheiros.
O artigo 58 da Constituição prevê que comissões de inquérito têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, o que concede poder para que o presidente da comissão peça prisão em caso de flagrante.
FLAGRANTES CONTRADIÇÕES
Diante das obscuridades do depoente, o relator, em aparte disse: “esse depoimento tem se encaminhado para um terreno muito ruim, muito ruim! Aqui, estiveram dois ex-ministros que confirmaram a existência de uma consultoria paralela. Feita a pergunta ao depoente, ele disse desconhecer a existência, mas é o contrário: vossa senhoria é a prova da existência dessa consultoria.”
“Vossa senhoria é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República, porque iniciou uma negociação em nome do Ministério da Saúde, como secretário de Comunicação e se dizendo em nome do Presidente; é a prova da existência disso [da consultoria paralela].
“Eu queria, presidente, sugerir a vossa excelência [Omar Aziz] requisitar o áudio da revista Veja, para nós verificarmos se o secretário mentiu ou não mentiu. Se ele não mentiu, a revista Veja vai ter que pedir desculpas a ele; se ele mentiu, ele terá desprestigiado e mentido ao Congresso Nacional, o que é um péssimo exemplo”, acrescentou Renan.
“Eu queria dizer que vou cobrar a revista Veja: se ele não mentiu, que ela [essa] se retrate a ele; e, se ele mentiu à revista Veja e a esta comissão, eu vou requerer a vossa excelência, na forma da legislação processual, a prisão do depoente, apenas para dizer isso e para não dizerem que nós não estamos tratando a coisa com a seriedade que essa investigação requer”, se irritou o relator com o depoente.
CARLA ZAMBELLI, A BOLSONARISTA KAMICAZE
Durante intervalo da CPI da Covid, nesta quarta-feira, a inoportuna e extemporânea deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) compareceu à comissão na tentativa de falar com o depoente. Ao ser barrada, a parlamentar discutiu com os senadores.
Zambelli acusou (?) Renan Calheiros de supostamente ameaçar o ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro Fabio Wajngarten. “O senhor está ameaçando. Não só ameaçando como destratando”, disse ela. Para a deputada, Renan “pegou muito pesado”.
No vídeo, que circula nas redes digitais, ela tentava se comunicar com Wajngarten, o que não é permitido pela condição dele de testemunha durante a comissão. A entrada de Zambelli no espaço do colegiado durante o trabalho dos senadores também não é autorizada. Em ofício assinado pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), apenas senadores, assessores, servidores da secretaria Geral da Mesa do Senado e polícia legislativa são autorizados.
É possível ver no vídeo que os senadores pedem que a deputada se retire, mas ela se recusa e diz não estar interferindo nos trabalhos porque a sessão estava suspensa. “Vocês querem me afastar?”, questionou a bolsonarista.
A deputada também pede que o senador Renan Calheiros a convide para a CPI.
Endereço do vídeo: https://twitter.com/i/status/1392493541088190471
Em resposta ao relator, Wajngarten afirmou que é equivocado dizer que o governo “não comunicou” sobre a pandemia. Segundo ele, a Secom fez 11 campanhas desde fevereiro de 2020, sendo sete com o Ministério da Saúde.
M. V.