“A teoria científica sobre o surgimento natural do SARS-CoV-2 apresenta um cenário muito mais simples e provável. É muito semelhante ao do SARS-CoV-1, incluindo seu tempo sazonal, localização e associação com a cadeia alimentar humana”, afirma o Dr. Kristian Andersen, renomado virologista.
Desde que a teoria conspiratória do “vírus chinês” foi tirada dos porões e esgotos do governo Trump, onde se originou, para as manchetes ‘respeitáveis’ da corrente principal da mídia e para o centro da política doméstica e externa do novo governo Biden, o renomado virologista norte-americano Kristian Andersen não tem tido mais sossego, após a publicação dos “e-mails do Dr. Fauci”, que revelaram que em fevereiro de 2020 partiu dele uma proposta de que a hipótese de manipulação laboratorial fosse examinada.
Nessas horas, boa parte da mídia faz de conta que não foi também Andersen que, um mês mais tarde, depois de se debruçar intensamente com outros cientistas sobre a questão, revisar novos dados e cotejar ideias, concluiu que a hipótese da origem natural, isto é, pela transmissão de animal hospedeiro a humano, fenômeno que se repete na natureza há milhares e milhares de anos, era, disparada, a explicação mais simples e mais provável.
Como Andersen tem enfatizado, o que ocorreu com ele e sua equipe entre o e-mail de fevereiro e o artigo da Nature de março foi “foi um exemplo clássico do método científico em que uma hipótese preliminar é rejeitada em favor de uma hipótese concorrente depois que mais dados se tornam disponíveis”.
O cientista salientou que “embora os cenários de laboratório e natural sejam possíveis, eles não são igualmente prováveis”. Ou seja, “precedência, dados e outras evidências favorecem fortemente o surgimento natural como uma teoria científica altamente provável para o surgimento de SARS-CoV-2, enquanto o vazamento de laboratório permanece uma hipótese especulativa baseada em conjecturas”, sublinhou.
“Com base em análises detalhadas do vírus conduzidas até agora por pesquisadores ao redor do mundo, é extremamente improvável que o vírus tenha sido projetado. O cenário no qual o vírus foi encontrado na natureza, levado ao laboratório e, em seguida, lançado acidentalmente é igualmente improvável, com base nas evidências atuais”, afirmou Andersen.
“Em contraste, a teoria científica sobre o surgimento natural do SARS-CoV-2 apresenta um cenário muito mais simples e provável. O surgimento do SARS-CoV-2 é muito semelhante ao do SARS-CoV-1, incluindo seu tempo sazonal, localização e associação com a cadeia alimentar humana”.
PLUTOCRACIA REABILITA ‘TEORIA CONSPIRATÓRIA’
Enquanto cientistas como Andersen se recusam a se dobrar diante do obscurantismo, a trajetória percorrida por largos setores do establishment norte-americano tem sido exatamente a oposta, reabilitando a teoria conspiratória do ‘vazamento do vírus’, em busca de conter o assombroso desenvolvimento chinês, dar sobrevida aos privilégios exorbitantes da plutocracia norte-americana e desviar a atenção dos povos do mundo, que viram perplexos a gigantesca diferença de capacidade e coesão, mostrada pela China e EUA, diante da pandemia.
Como diz o ditado, jabuti não sobe em árvore, e se aparecer algum na forquilha, alguém colocou lá. Assim, em um curto intervalo de tempo em maio deste ano, um artigo de um ex-“jornalista científico”, ressuscitando a ‘hipótese laboratorial’, a que se seguiu outro, no Wall Street Journal, em que uma “fonte anônima da inteligência” alegava que “três cientistas” do laboratório de Wuhan teriam sido hospitalizados “por Covid ou gripe comum”, sem apresentar qualquer prova. Coincidentemente, escrito pelo mesmo jornalista que em 2003 prestou-se a assinar no New York Times as mentiras sobre as “armas de destruição em massa de Sadam” que criaram o clima para a invasão.
Por sua vez o “jornalista científico” foi autor, em 2014, de um livro sobre as “origens genéticas” da superioridade da raça branca, muito elogiado por um ex-chefão da Klu Klux Klan.
Devidamente repercutido e amplificado, tal esforço de reportagem serviu de pretexto para os “90 dias” de Biden para a CIA – com todo o seu cabedal científico, conhecida honestidade e imparcialidade – dar seu “parecer”. Investigação realizada na China por uma comissão da OMS considerou “extremamente improvável” a hipótese laboratorial.
Diante da importância desse debate, para conhecimento dos nossos leitores, reproduzimos a entrevista de Andersen, que é do Skripps Research de La Joule, Califórnia, ao New York Times, em que ele reafirmou seus pontos de vista de forma serena e corajosa.
A ENTREVISTA AO NYT
P – Muito se falou do seu e-mail para o Dr. Fauci no final de janeiro de 2020, logo após o genoma do coronavírus ter sido sequenciado pela primeira vez. Você disse: “As características incomuns do vírus constituem uma parte muito pequena do genoma (<0,1%), então é preciso olhar bem de perto todas as sequências para ver se algumas das características (potencialmente) parecem projetadas”. Você pode explicar o que você quis dizer?
Andersen – Na época, com base em dados limitados e análises preliminares, observamos características que pareciam ser potencialmente exclusivas do SARS-CoV-2. Ainda não tínhamos visto esses recursos em outros vírus relacionados de fontes naturais e, portanto, estávamos explorando se eles haviam sido transformados no vírus.
Essas características incluíam uma estrutura conhecida como local de clivagem da furina que permite que a proteína spike SARS-CoV-2 seja clivada pela furina, uma enzima encontrada em células humanas, e outra estrutura, conhecida como domínio de ligação ao receptor, que permitiu ao vírus ancorar na parte externa das células humanas por meio de uma proteína da superfície celular conhecida como ACE2.
P – Você também disse que descobriu que o genoma do vírus é “inconsistente com as expectativas da teoria da evolução”.
Andersen -Esta foi uma referência às características do SARS-CoV-2 que identificamos com base em análises anteriores que não pareciam ter um precursor evolutivo imediato óbvio. Ainda não havíamos realizado análises mais aprofundadas para chegar a uma conclusão, em vez disso, estávamos compartilhando nossas observações preliminares. Avisei naquele mesmo e-mail que precisaríamos examinar a questão muito mais de perto e que nossas opiniões poderiam mudar em alguns dias com base em novos dados e análises – o que aconteceu.
P – Em março, você e outros cientistas publicaram o artigo da Nature Medicine dizendo que “não acreditamos que qualquer tipo de cenário baseado em laboratório seja plausível”. Você pode explicar como a pesquisa mudou sua visão?
Andersen – Os recursos do SARS-CoV-2 que inicialmente sugeriam uma possível engenharia foram identificados em coronavírus relacionados, o que significa que os recursos que inicialmente pareciam incomuns para nós não eram.
Muitas dessas análises foram concluídas em questão de dias, enquanto trabalhávamos sem parar, o que nos permitiu rejeitar nossa hipótese preliminar de que o SARS-CoV-2 poderia ter sido projetado, enquanto outros cenários baseados em “laboratório” ainda estavam em questão.
No entanto, análises mais extensas, dados adicionais significativos e investigações completas para comparar a diversidade genômica de forma mais ampla entre os coronavírus levaram ao estudo revisado por pares publicado na Nature Medicine.
Por exemplo, examinamos dados de coronavírus encontrados em outras espécies, como morcegos e pangolinas, que demonstraram que as características que primeiro apareceram exclusivas para o SARS-CoV-2 foram de fato encontradas em outros vírus relacionados.
No geral, este é um exemplo clássico do método científico em que uma hipótese preliminar é rejeitada em favor de uma hipótese concorrente depois que mais dados se tornam disponíveis e as análises são concluídas.
P – Algumas pessoas, incluindo o virologista David Baltimore , dizem que a presença do local de clivagem da furina pode ser um sinal de manipulação humana do vírus, enquanto você e outros virologistas disseram que ele evoluiu naturalmente. Você pode explicar para os leitores por que você não acha que isso é prova de um vírus projetado?
Andersen – Os locais de clivagem da furina são encontrados em toda a família dos coronavírus, incluindo no gênero betacoronavírus ao qual o SARS-CoV-2 pertence. Tem havido muita especulação de que os padrões encontrados no RNA do vírus que são responsáveis por certas porções do local de clivagem da furina representam evidências de engenharia. Especificamente, as pessoas estão apontando para duas sequências “CGG” que codificam para o aminoácido arginina no local de clivagem da furina como forte evidência de que o vírus foi feito em laboratório. Essas declarações são factualmente incorretas.
Embora seja verdade que CGG é menos comum do que outros padrões que codificam para arginina, o códon CGG é encontrado em outro lugar no genoma SARS-CoV-2 e as sequências genéticas que incluem o códon CGG encontrado no SARS-CoV-2 são também encontrado em outros coronavírus. Essas descobertas, junto com muitos outros recursos técnicos do site, sugerem fortemente que ele evoluiu naturalmente e há muito poucas chances de alguém o ter criado.
P – Você ainda acredita que todos os cenários de laboratório são implausíveis? Se não for um vírus projetado, que tal um vazamento acidental do laboratório de Wuhan?
Andersen – Como afirmamos em nosso artigo em março passado, atualmente é impossível provar ou refutar hipóteses específicas de origem da SARS-CoV-2.
No entanto, embora os cenários de laboratório e natural sejam possíveis, eles não são igualmente prováveis – precedência, dados e outras evidências favorecem fortemente o surgimento natural como uma teoria científica altamente provável para o surgimento de SARS-CoV-2, enquanto o vazamento de laboratório permanece especulativo hipótese baseada em conjecturas.
Com base em análises detalhadas do vírus conduzidas até agora por pesquisadores ao redor do mundo, é extremamente improvável que o vírus tenha sido projetado. O cenário no qual o vírus foi encontrado na natureza, levado ao laboratório e, em seguida, lançado acidentalmente é igualmente improvável, com base nas evidências atuais.
Em contraste, a teoria científica sobre o surgimento natural do SARS-CoV-2 apresenta um cenário muito mais simples e provável. O surgimento do SARS-CoV-2 é muito semelhante ao do SARS-CoV-1, incluindo seu tempo sazonal, localização e associação com a cadeia alimentar humana.
P – Algumas pessoas apontaram seu e-mail para o Dr. Fauci, sugerindo que ele levanta questões sobre se os cientistas e funcionários do governo deram mais crédito à teoria do vazamento em laboratório do que disseram ao público. E alguns relatórios recentes sugeriram que certos funcionários do governo não queriam falar sobre a teoria do vazamento de laboratório porque chamaria a atenção para o apoio do governo à chamada pesquisa de ganho de função.
Qual é a sua resposta a essas sugestões? Você estava preocupado na primavera de 2020 com o público se agarrando a uma teoria de vazamento de laboratório?
Andersen – Minha principal preocupação na primavera passada, que é verdadeira até hoje, é realizar pesquisas para discernir exatamente como o SARS-CoV-2 surgiu na população humana.
Não vou falar sobre o que funcionários do governo e outros cientistas disseram ou não disseram ou pensaram. Meus comentários e conclusões são estritamente orientados por pesquisas científicas e acredito fortemente que mensagens públicas cuidadosas e bem fundamentadas sobre tópicos complexos são fundamentais.
P – Muitos cientistas já expressaram uma abertura para a possibilidade de que ocorreu um vazamento de laboratório. Olhando para o ano passado, você se arrepende da maneira como você ou a comunidade científica em geral se comunicaram com o público sobre a ideia do vazamento de laboratório?
Andersen – Em primeiro lugar, é importante dizer que a comunidade científica fez grandes avanços na compreensão da Covid-19 em um período de tempo notavelmente curto. Um debate vigoroso é parte integrante da ciência e é isso que vimos a respeito das origens do SARS-CoV-2.
Às vezes pode ser difícil para o público, eu acho, observar o debate e discernir a probabilidade das várias hipóteses. Isso é particularmente verdadeiro onde a ciência se torna politizada e a atual difamação de cientistas e especialistas no assunto estabelece um precedente perigoso. Vimos isso com o debate sobre as mudanças climáticas e agora estamos vendo isso com o debate sobre várias facetas da pandemia Covid-19.
Ao longo desta pandemia, fiz todos os esforços para ajudar a explicar o que são e sugerem as evidências científicas, e não me arrependo disso.
P– Você apóia o pedido do presidente Biden para que as agências de inteligência dos EUA investiguem mais profundamente essas várias possibilidades? Eles poderiam encontrar algo que mudaria sua opinião?
Andersen – Sempre apoiei novas pesquisas sobre a origem do SARS-CoV-2, incluindo a ligação recente do presidente Biden, pois é importante que entendamos melhor como o vírus surgiu.
Como acontece com qualquer processo científico, há várias coisas que dariam crédito à hipótese de vazamento de laboratório que me fariam mudar de ideia. Por exemplo, qualquer evidência confiável de o SARS-CoV-2 ter estado no Instituto de Virologia de Wuhan antes da pandemia – seja em um freezer, em cultura de tecidos ou em animais, ou evidência epidemiológica de casos de Covid-19 confirmados muito cedo associados ao Instituto.
Outras evidências, se surgissem, poderiam dar mais peso à hipótese da origem natural. Isso inclui a identificação de um hospedeiro [animal] intermediário (se houver). Além disso, agora que sabemos que animais vivos eram vendidos em mercados em Wuhan, uma compreensão mais aprofundada do fluxo de animais e das linhas de suprimento conectadas poderia dar crédito adicional à emergência natural.
P– Parece que você encerrou sua conta do Twitter. Por quê? Você vai voltar?
Andersen – Sempre vi o Twitter como uma forma de interagir com outros cientistas e o público em geral para encorajar um diálogo aberto e transparente sobre a ciência.
Cada vez mais, no entanto, descobri que as informações e os comentários que postei estavam sendo tirados do contexto ou deturpados para divulgar falsas narrativas, em particular sobre as origens do SARS-CoV-2. Ataques diários contra cientistas e o método científico também se tornaram comuns, e muitas das conversas se distanciaram da ciência.
Por esses motivos, senti que, no momento, não poderia mais contribuir de forma produtiva para a plataforma e decidi que seria mais produtivo para mim investir mais tempo em nossa pesquisa de doenças infecciosas, incluindo a da Covid-19.