A Medida Provisória que renova o programa de manutenção do emprego e da renda com redução de jornada e salários, e que se tornou uma nova reforma trabalhista com a inclusão de “jabutis” contra direitos trabalhistas, foi aprovada na Câmara, na terça-feira (10).
Segundo deputados que votaram contrários à MP, as mudanças feitas pelo relator da matéria, deputado Christino Áureo (PP-RJ), em conluio com o Executivo, não têm relação com o programa, que trata de medidas emergenciais, válidas para o período da pandemia. Já as alterações incluídas instituem mudanças permanentes, com ataques à CLT, precarização do trabalho e redução ainda maior dos direitos dos trabalhadores.
Assim como os deputados da oposição, centrais e sindicatos, a aprovação da MP também foi duramente criticada por juízes do trabalho e procuradores, que consideram que as mudanças inseridas são inconstitucionais.
A votação da MP 1.045 aconteceu antes da votação da matéria que tratava do voto impresso, mesmo sob protestos dos parlamentares da oposição, que pediram que a medida fosse tirada de pauta, ou que a votação fosse adiada.
Foi exatamente como “passar a boiada” sob os trabalhadores, como sugeriu o ex-ministro Ricardo Salles em relação ao meio ambiente. Enquanto todos os holofotes estavam voltados para a votação do voto impresso, e a sociedade perplexa assistindo ao circo armado por Bolsonaro diante do Palácio da Alvorada, com desfile de tanques e outros aparatos militares, a ala governista aproveitou para passar a “boiada” nos trabalhadores.
O deputado Camilo Capibaribe (PSB-AP) afirmou que a medida “mudou completamente o texto original da MP e se transformou em uma minirreforma trabalhista”. Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a MP “agrava a situação dos trabalhadores”. A líder do PSol na Câmara, Talíria Petrone (RJ), ressaltou que os dispositivos incluídos no texto “servirão para precarizar a vida do trabalhador e jogar a CLT no lixo”.
REDUÇÃO DA MULTA POR DEMISSÃO E DO FGTS
Um dos pontos do projeto mais criticados pelos opositores é o programa Priore (Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego), voltado para jovens de 18 a 19 anos, inserido no texto nos mesmos moldes da famigerada Carteira Verde e Amarela que o ministro da Economia Paulo Guedes queria implantar logo no início do governo Bolsonaro. Na ocasião o programa foi repudiado por amplos setores e pelo Congresso Nacional.
O programa reduz o percentual da indenização sobre o saldo do FGTS em caso de demissão, que passa de 40% do total do FGTS para 20%.
Outra corte é na alíquota do FGTS depositada pelas empresas. O percentual passa dos atuais 8%, previstos na CLT, para 2% para as microempresas, 4% para empresas de pequeno porte e 6% para as demais empresas. Assim, um trabalhador que recebe salário de R$ 2,2 mil tem o depósito mensal de R$ 176 no seu FGTS. Se ele for funcionário de uma microempresa receberá o depósito de R$ 44, como exemplifica Leonardo Sakamoto em seu artigo “Sob a fumaça do voto impresso, Câmara reduz proteção aos trabalhadores”.
“Esse projeto deveria dar apoio ao emprego, mas na verdade é uma carteira verde e amarela que fragiliza os empregos”, criticou o deputado Bohn Gass (PT-RS).
TRABALHO SEM VÍNCULO E SEM DIREITOS
Outra emenda muito criticada no texto foi a que cria o Requip (Regime Especial de Qualificação e Inclusão Produtiva) que, na prática, cria categorias de empregados de “segunda classe”, sem contrato de trabalho e sem direitos como férias, FGTS e contribuição previdenciária, entre outros.
Conforme nota da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho (MPT), “esta modalidade de trabalho, Requip, ficará completamente à margem da legislação trabalhista, já que não haverá vínculo empregatício”.
“Não haverá salário, mas apenas o pagamento de ‘bônus de inclusão produtiva’ (pago com recursos públicos) e de ‘bolsa de incentivo à qualificação’; não haverá recolhimento previdenciário ou fiscal; não haverá férias, já que o trabalhador terá direito apenas a um recesso de 30 dias, parcialmente remunerado; o vale-transporte também será garantido apenas parcialmente”, diz a nota.
A medida também propõe a redução do pagamento de horas extras a trabalhadores com jornadas reduzidas (de menos de 8h). A MP prevê uma “extensão da jornada” para 8 horas diárias e determina que o pagamento da hora extra tenha acréscimo somente de 20% – atualmente a legislação trabalhista determina que a hora extra tenha acréscimo de 50% (quando trabalhada de segunda a sábado) e 100% (quando trabalhada domingos ou feriados).
Além do mais, conforme o texto, esses acordos podem ser feitos diretamente entre o trabalhador e o empregador, sem mediação do sindicato da categoria.
O projeto também muda a jornada máxima de trabalhadores de minas em subsolo, em mais uma afronta à CLT, que atualmente determina seis horas diárias. A proposta passa a permitir jornada diária de até 12 horas, limitada a 36 horas semanais, e o prazo de descanso, hoje garantidos 15 minutos a cada 3 horas, passa a ser “negociado” entre patrão e empregado.
TRABALHO SEM FISCALIZAÇÃO
Outro “jabuti” inserido pelo relator em conchavo com o Governo Federal é o que altera a fiscalização trabalhista e dificulta o combate ao trabalho escravo, como a orientação para que antes de um empregador ser multado por infringir a lei, devem ser realizadas duas visitas dos auditores-fiscais do trabalho, mesmo para situações graves de violações, como infrações às normas de saúde e segurança (que impõe aos trabalhadores riscos de doenças e acidentes), ou a proposta que reduz o caráter de fiscalização e a atuação dos auditores fiscais em uma ação apenas orientativa.
“Chega-se ao cúmulo de impor a dupla visita até mesmo para ilícitos verificados em casos de trabalho análogo ao de escravo”, afirma nota técnica do Ministério Público do Trabalho.
Também são criticados, entre outros pontos, os que dificultam o acesso à Justiça do Trabalho gratuita – com a mudança, o trabalhador tem que fazer comprovação de renda para ter direito à justiça gratuita.
Conforme afirmou a juíza Valdete Souto Severo, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), “não se trata de incentivar novos postos de trabalho. Mas, sim, de criar subcategorias de trabalhadores com menos direitos. Um verdadeiro escândalo”.
“É uma forma não democrática de fazer uma nova alteração profunda na legislação trabalhista, retirando direitos da classe trabalhadora”, disse a juíza.
“Não é possível que a gente siga simplesmente assistindo a essa destruição que vem sendo feita pelo Parlamento, diante do silêncio de outros poderes do Estado. O Executivo faz a proposta, manda para o Parlamento, que incha com matérias estranhas ao texto original – todas elas destrutivas para a classe trabalhadora. E o Judiciário assiste em silêncio. Não vai sobrar nada da Justiça do Trabalho, essa é a realidade”, afirmou.