Na quarta-feira (11) o Brasil perdeu mais um grande nome na nossa cultura, o ator, diretor e roteirista Paulo José, que morreu, aos 84 anos, vítima de uma pneumonia.
Paulo José foi um dos mais importantes representantes da dramaturgia brasileira. Em mais de 60 anos de carreira participou de alguns dos mais marcantes momentos do teatro, do cinema e da TV.
Mais conhecido do grande público – principalmente daqueles que já passaram bastante dos 50 -, como o atrapalhado e divertido mecânico-inventor do seriado “Shazan, Xerife e Cia”, exibido pela TV Globo, que ao lado de Flávio Migliaccio divertia crianças e adolescentes no início da década de 1970, e personagens extremamente populares em mais de 20 novelas e minisséries, foi no teatro e no cinema que o artista deixou sua maior marca na cultura brasileira.
No teatro, formou ao lado de Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Juca de Oliveira, Paulo Cotrim e Flávio Império, o Teatro de Arena, criado pelo diretor José Renato na década de 60, em São Paulo.
O Teatro de Arena marcou a renovação da dramaturgia brasileira ao trazer para os palcos a temática social, nacional e política que influenciaria toda uma geração de artistas e público, e também teve forte influência na formação do Centro Popular de Cultura da UNE (CPC da UNE).
Segundo Carlos Estevam Martins, um dos formadores do CPC, foi durante as temporadas de algumas peças do grupo no Rio de Janeiro que surgiram as primeiras conversas que levariam à formação do CPC.
Paulo José também dirigiu e atuou na montagem carioca de “Arena Conta Zumbi”, outro grande momento da história teatral brasileira.
Mas a experiência de Paulo José com um teatro que se contrapunha à cena dramatúrgica das décadas de 50 e 60, marcada em sua maioria por um teatro voltado para a elite, com textos internacionais e produções caras e sofisticadas, começou ainda em Porto Alegre, quando iniciou sua carreira e participou da criação do Teatro de Equipe, com Paulo César Pereio, Lilian Lemmertz, Ítala Nandi e Fernando Peixoto, entre outros.
Além disso, ao longo da sua vida teatral atuou em peças escritas por grandes nomes da dramaturgia mundial, como Brecht, Moliére, Maquiavel, Jean Paul Sartre e o nosso Gianfrancesco Guarnieri. Sua última participação no palco foi em 2009, no espetáculo “Um Navio no Espaço ou Ana Cristina Cesar”.
No cinema, sua participação foi intensa e marcante, tendo atuado em cerca de 50 filmes, recebido mais de 20 prêmios como melhor ator nos mais importantes festivais do país, e deixado gravado para as futuras gerações uma coleção de personagens impregnados de sua atuação brilhante, serena e carismática.
Como bem escreveu no Twitter a atriz Patrícia Pillar logo após a notícia da sua morte: “seus personagens podiam ser leves e profundos ao mesmo tempo”.
Assim como no teatro, sua trajetória no cinema foi pautada nos movimentos e diretores que aprofundaram a cinematografia brasileira, como o Cinema Novo, a comédia de costumes, e a transplantação para as telas de grandes autores da nossa literatura.
Assim, Paulo José atuou em filmes como “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade; “Todas as mulheres do mundo”, de Domingos Oliveira; “O padre e a moça”, também de Joaquim Pedro de Andrade, baseado no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade; a primeira filmagem de “O Homem Nu”, dirigido por Roberto Santos; “Eles Não Usam Black-tie”, dirigido por Leon Hirszman e baseado na peça de mesmo nome de Gianfrancesco Guarnieri, e “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil e outras estórias”, dirigido por Paulo Thiago, baseado no livro de Lima Barreto.
Já nos anos 2000, atuou em “O Homem que Copiava”, de Jorge Furtado; “Benjamim”, dirigido por Monique Gardenberg e com roteiro baseado no livro homônimo de Chico Buarque, e “Quincas Berro d’Água”, dirigido por Sérgio Machado e com roteiro baseado no livro de Jorge Amado, entre outros.
Em 2011, já lutando contra o Mal de Parkinson, fez uma das atuações mais emocionantes de sua carreira no filme “O palhaço”, dirigido e estrelado por Selton Mello.
No ano de 2017, participou do ensaio cinematográfico em homenagem à sua vida e obra, com depoimentos escritos pelo próprio ator e um apanhado de cenas marcantes de sua carreira.
Rodrigo Oliveira, um dos diretores, conta que o ensaio cinematográfico nasceu “da conjunção de três pessoas que amavam separadamente o grande Paulo José e se reúnem meio por acaso, Vania, eu e meu codiretor, Gustavo Ribeiro”.
Para ele, “não existe ator brasileiro cuja carreira ilumine tão diretamente a constituição do Brasil como realidade e como utopia, as mazelas, o charme, a tragédia e a alegria”.
Com essa definição, que faço minha, ficamos por aqui com nosso adeus ao grande Paulo José.
ANA LÚCIA