Sim, há uma crise energética na China, confirma o economista e pesquisador Elias Jabbour, no Meia Noite em Pequim, na TV Grabois, que busca ir além das avaliações sobre a suposta ‘nova realidade da China’ – como fez a The Economist – e chegar a um nível mais sofisticado de compreensão das contradições em jogo.
Uma causa da crise energética é a retomada econômica muito rápida pós-Covid-19 na China, na situação de que é, ainda mais do que antes da pandemia, a “fábrica do mundo”.
Do ano passado para cá a demanda de energia cresceu 15%, mas a oferta, só 5%. A cada dois anos, a China tem que construir uma capacidade de geração equivalente a toda a produção de eletricidade do Brasil.
Apontando o fracasso dos que não vêem que a China é outra história, que não pode ser apreendida com os antolhos do neoliberalismo, Jabbour explica que esta vive três transições simultâneas, em uma mesma época histórica, diante de contradições que demandam soluções imediatas.
A primeira, a transição energética. A China emite muito carbono e tem a meta de alcançar a emissão zero em 2060. E vai alcançar, doa a quem doer.
A outra contradição, enfatiza Jabbour, já foi tratada de passagem na questão da Evergrande: a transição nos esquemas de propriedade.
Durante 40 anos, a China foi se desenvolvendo, criando instituições para solucionar contradições inerentes ao crescimento, até chegar ao final de um ciclo. Nesse processo, uma privatização era acompanhada por uma estatização, e assim sucessivamente.
Agora a grande contradição – a das desigualdades sociais – só é enfrentável no curto, médio e longo prazo se a China se dispuser, desde já, a mudar o esquema de propriedade, sublinha Jabbour.
Não é um processo qualquer: enfrentar os monopólios privados na Big Tech e fintechs, mais esse processo de estatização, não só da Evergrande, mas do mercado imobiliário. Encontrar formas novas de estatização.
Existe também uma transição na dinâmica de acumulação. Não estou – Jabbour esclarece – falando daqueles esquemas keynesianos de demanda agregada. A conversa de que o crescimento na China se pauta muito pelo investimento e pouco pelo consumo. E que o momento seria de jogar maior peso no consumo.
Raciocínio que não percebe que investimento e consumo não são um jogo de soma zero. Nos últimos dez anos a China tem permitido mais de 200% em média nos aumentos salariais e sustentado uma taxa de investimento altíssima, de 40%.
Para Jabbour, a contradição básica na economia chinesa é a elevação da produtividade do trabalho. A China está tendo que encontrar novas dinâmicas de acumulação e formas superiores de planificação.
O que tem a ver também com a pressão do imperialismo sobre a China negando acesso a insumos, como semicondutores, fundamentais para que a China eleve a produtividade do trabalho.
Jabbour aproveita para registrar que a imprensa brasileira tem usado a crise energética na China, o problema na Inglaterra, enfim, que haja uma crise energética mundial, para ocultar o fracasso do neoliberalismo no Brasil na área da energia, alegando ser uma crise hídrica.
A crise energética chinesa – o pesquisador insiste – é de uma natureza completamente diferente. E conclui o que chamou de “pré-estreia de uma forma nova” de fazer seu programa, convidando a audiência a seguir acompanhando e debatendo sob esse prisma mais reflexivo.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.