No programa Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, o professor e pesquisador Elias Jabbour se dedica a apresentar uma resposta à ‘campeã de pedidos dos internautas’, a China “é um país imperialista?”
Sem pretender uma extensa discussão conceitual, Jabbour toma como ponto de partida uma das principais assertivas de Lenin no seu ‘Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo’, de que o imperialismo é “a reação em toda a linha”.
A tendência à violência, tanto que existiram duas guerras mundiais e até hoje há dezenas de intervenções militares americanas de caráter imperialista e neocolonial. Ou seja, a necessidade de dominação externa, de submissão dos povos.
Em contraste, a China é outra história. Ela se desenvolve ao longo de dois vales férteis, o vale do Yangtse e o vale do Rio Amarelo, tem muita água e muita terra. Então o trabalho necessário para a reprodução das famílias camponesas era muito menor do que em outros locais do mundo.
E na China, a partir dessas relações homem-natureza vão surgindo corpos filosóficos, como o confucionismo e o taoísmo, que têm características tolerantes e civilizatórias.
Em grande medida a política externa chinesa corresponde, vamos dizer assim, a esse corpo filosófico que pauta o horizonte espiritual do povo chinês.
Se fizermos uma comparação com os Estados Unidos, para onde migrou toda essa mitologia do Mediterrâneo oriental, onde as relações seres humanos-natureza eram muito impróprias, tendiam ao embrutecimento das pessoas, dando origem a essas ideologias do Destino Manifesto, da Nova Canaã.
É só compararmos os discursos de Joe Biden e Xi Jinping na última Assembleia Geral da ONU. A China fala em construir um mundo de futuro compartilhado, o Biden diz ‘vou liderar o mundo a uma nova época’, essa coisa toda da excepcionalidade norte-americana.
Foi a partir da crise de 2008, quando a China se torna o maior credor do mundo, que essa questão de ‘se a China é imperialista’ ganhou peso. A China acaba substituindo o Banco Mundial e o FMI como o maior credor dos países periféricos do mundo inteiro. Entre 2010 e 2020, a China investiu fora US$ 1,374 trilhão.
No entanto, não se vê a China se metendo em guerras fora de seu território. Além da forma como o imperialismo se apresentou ao mundo, colonialismo, guerras mundiais, há ainda a questão de que, quando a Guerra Fria acabou, as guerras que os americanos impõem ao mundo aumentaram absurdamente.
A China veio fazer comércio, não dominar. A China se transforma num dos maiores investidores do mundo, no maior credor líquido do mundo, em um investidor em bens públicos, basicamente no setor de transportes e muito mais no setor de energia.
O setor de energia é o campeão dos investimentos chineses e isso tem relação também com as necessidades chinesas. O que acaba sendo uma justificativa para atribuir essa condição – ‘imperialista’ – à China. Porque vai buscar fora fontes de matéria-prima e exporta produtos industrializados.
Existe um padrão de acumulação que os americanos exportam para o mundo, sob a financeirização globalizada. Eles vão às periferias, via Banco Mundial e FMI, oferecer empréstimos condicionalizados. Os países têm que seguir uma orientação de privatizar, de abrir conta de capitais, desregulamentar mercado de trabalho, para receber a assim chamadas ‘ajuda’ das agências internacionais.
A China aparece como concorrente do FMI e do Banco Mundial de uma forma muito estranha, oferece empréstimos a países ou investimentos em infraestrutura de energia e transporte, que é trocado por petróleo.
O caso da África: a China não interfere de nenhuma forma nos assuntos internos desses países. Existem muitas contradições nas relações China-periferia, mas o fato é que são relações muito estranhas para serem chamadas de imperialistas. Um exemplo disso é o acordo histórico China-Irã de US$ 250 bilhões de investimentos em metrô, trens de alta velocidade e instalação de milhares de instalações industriais, em troca de petróleo.
Jabbour desmonta a fake news sobre ‘a armadilha da dívida imposta por Pequim’. Conforme Deborah Brautigam – ele cita -, que analisa país por país africano, de longe é à China que esses países menos devem. Classificar a China como um país imperialista é um “estupro conceitual”, conclui Jabbour.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ.