O regime de Daniel Ortega retirou de Miguel Parajón seus dois filhos: o primeiro, Jimmy, de um tiro certeiro no coração durante os protestos de abril e maio de 2018, e o segundo, Yader, de uma sentença de 10 anos como vingança política por exigir justiça para seu irmão assassinado.
“O homem de 66 anos foi deixado sozinho em sua casa, onde é acompanhado por memórias, fotografias e objetos que ambas as crianças desfrutaram em vida e em liberdade”, relata a reportagem do Confidencial.
Quando seu filho mais velho, Jimmy José Parajón Gutiérrez, foi assassinado, sua família já enfrentava a perda da mãe, meses antes, no final de 2017, após lutar contra um câncer. Quando os protestos contra Ortega tomaram conta do país, a repressão bateu mais fundo e as mortes se multiplicaram.
“Foi aí que me senti mal. Senti meus pés tremerem. Não quis acreditar até chegar ao Hospital Vivian Pellas e ver meu menino deitado ali, já morto. Eu olhei para ele com a bala aqui [apontando para o peito] porque eu olhei para o buraco”, descreveu Miguel Parajón, com a voz embargada.
Em dezembro de 2018, o Grupo Interdisciplinar de Peritos Independentes (GIEI) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou um relatório em que apontava que Ortega havia cometido crimes de lesa-humanidade. Segundo informações do GIEI, Jimmy teria sido baleado por um franco-atirador desde o terraço do Hotel Restaurante Juri Jean. A família Parajón levou seu corpo para o Instituto de Medicina Legal a fim de iniciar uma apuração, mas o governo sequer deu a bala. Também não houve qualquer progresso na investigação sobre quem o abateu.
Após a morte de Jimmy, Miguel e seu filho Yader aproveitaram cada espaço que tinham para pedir justiça. Seu pai ingressou na Associação Mães de Abril, que reúne mães e parentes das mais de 300 vítimas fatais dos protestos de 2018.
“A resposta do governo à sua reivindicação foi o aumento do assédio, forçando a que muitos dos parentes que ousaram levantar a voz fossem obrigados a migrar, em grande parte para a Costa Rica”, informou Maria Mercedes Salgado, ex-diplomata do governo da Revolução Popular Sandinista no Brasil e doutoranda em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
MORTO POR UM FRANCO ATIRADOR
“Meu único irmão, Jimmy, de 35 anos e pai de cinco filhos, foi morto por um franco-atirador com um disparo certeiro que explodiu seu coração no 11 de maio. Sempre íamos juntos apoiar os estudantes da Universidade Politécnica da Nicarágua (Upoli) com algo bancado pelo nosso próprio bolso. Neste dia, não pude acompanhá-lo. A solidariedade foi o que causou a morte dele. Naquele instante, se deu em mim a ruptura entre os sonhos e a realidade”, relatou Yader, transformado em ativista pela tragédia.
Durante visita a São Paulo, em setembro de 2018, Yader alertou para o HP sobre o significado da repressão ocorrida na Nicarágua, na época com menos de 6,5 milhões de habitantes, em comparação com um país como o Brasil: “seriam mais de 18 mil mortos”.
CERCO E PERSEGUIÇÃO
“Quase todo o ano de 2020 eles nos cercaram. Carros de polícia estavam estacionados do lado de fora da casa, havia três, quatro, até cinco carros de patrulha. Eles não me deixaram sair e o que eu ia fazer? Não posso me opor a essas pessoas, eles têm armas, eu não”, denunciou o pai.
Foi comprovado que o cerco vivido pelos familiares ao longo de dois anos consecutivos tirou sua paz de espírito, os isolou e até retirou seus empregos. As pessoas evitavam ir à oficina de equipamentos de refrigeração de Don Miguel, deixavam de comprar na mercearia de Yader, com a qual ele conseguia dinheiro para custear a carreira de Psicologia que estudava na Universidade Centro-Americana (UCA)”.
Yader também se dedicou a exigir justiça pela morte de Jimmy, chegando a ficar detido por cinco dias em 2019. Seu pai lembra que o filho mais novo saiu de casa e antes de chegar na esquina os policiais já o tinham levado sem dar qualquer explicação.
“Eu gritei com eles: por que vocês estão me prendendo? e eles apenas me disseram ‘cala a boca’. Porque eu resisti ao sequestro, eles me bateram. Eles me transferiram para o Distrito IV e nunca explicaram o motivo da minha detenção, nem mesmo hoje que fui solto”, disse Yader, após ser liberado. Diante da contínua perseguição, tentou exilar-se, vindo a ser detido na fronteira com Honduras.
Assim, desde que Yader Parajón foi preso, seu pai lhe viu apenas quatro vezes. Está mais magro e pálido. Três ou quatro vezes por semana, Miguel Parajón recolhe água e pequenos mantimentos (leite, soro, iogurte, lâminas de barbear, roupas íntimas) que o deixam entregar no presídio de El Chipote.
JULGAMENTO A PORTAS FECHADAS
O julgamento de Yader Parajón foi realizado em 1º de fevereiro, a portas fechadas, no próprio presídio. Foi o primeiro dos processos iniciados contra os presos políticos capturados entre maio e novembro de 2021. O Ministério Público o acusou de “conspiração para minar a integridade nacional em detrimento do Estado da Nicarágua e da sociedade nicaraguense”. Nesse dia, também foi julgado o preso político Yaser Vado, condenado a 15 anos.
Conforme apurou o Confidencial, as testemunhas de acusação foram sete agentes responsáveis pelos atos investigativos. Desses, três deram relatos conflitantes e um relutou em responder.
“A condenação do meu filho é injusta, é ilegal. Ele não cometeu nenhum crime. Ele não roubou, nem matou. Por que está sendo acusado? Por reivindicar justiça para seu irmão. Ele é um garoto muito focado. Ele sonhava em se formar em Psicologia, ter sua profissão, mas foi só isso. Arruinaram seu futuro. Talvez Deus depois me dê outra chance”, suspirou o pai, que espera vê-lo triunfar sobre o obscurantismo orteguista.
As palavras recordam a entrevista dada ao HP por Yader no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, quando ergueu com orgulho a bandeira nicaraguense e condenou a onda repressiva. Para o jovem, “Ortega traiu seu passado e passou a fazer da política de sangue uma prática corriqueira de governo, se utilizando de profissionais da violência com tiros precisos na cabeça, pescoço e peito, dirigidos ao coração”. Por isso, acrescentou Yader, “é que defendemos a sua saída imediata do poder e a instalação de uma Comissão da Verdade e da Justiça, para que seja devidamente julgado por seus crimes”.