Sem dinheiro para comprar um botijão de gás, um homem sofreu queimaduras de segundo e terceiro grau depois de precisar improvisar um fogareiro para cozinhar. Douglas Mariano de Souza, que trabalha como autônomo, já está há um mês internado.
“Eu estava cozinhando um simples macarrão no fogão quando acabou o gás. Sem dinheiro para comprar gás, improvisei um fogãozinho com uma latinha de álcool”, relatou.
Douglas está no Hospital Estadual Alberto Torres, no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. No último ano, a unidade de saúde viu crescer em 43% o número de queimaduras. Segundo médicos do hospital, o aumento da pobreza levou muitas pessoas a buscarem outros métodos para cozinhar, o que levou a mais acidentes com fogo.
O autônomo conta que o acidente aconteceu porque ele não percebeu que o fogo seguia aceso e o álcool havia acabado. “Mas não tinha. Estava pequenininho dentro da lata, e eu não vi. Fui jogar mais com um galão de litro, e aí explodiu na minha cara”. “Olhei no espelho e eu estava pegando fogo, meu rosto pegando fogo, meu corpo pegando fogo”, contou.
Nos cinco primeiros meses de 2022, o Hospital Estadual Alberto Torres atendeu 113 pacientes com queimaduras. Entre janeiro e maio de 2021, foram 79, o que significa que houve um aumento de 43%.
“Nós observamos questões socioeconômicas influenciando muito na chegada dos pacientes aqui”, afirmou Thiago Genn, cirurgião-plástico do hospital.
Uma das causas são acidentes elétricos “por causa de ligações clandestinas e sem a proteção adequada”. “Observamos também as questões econômicas ligadas à dificuldade de acesso ao gás, que levam a essas improvisações de fogareiros e outras formas de obtenção de fogo para poder cozinhar”, disse.
5 MESES SEM GÁS
Uma mulher de 46 anos teve queimaduras de 2º e 3º graus enquanto cozinhava com álcool. O neto dela, de 1 ano e 5 meses, também teve queimaduras de 2º grau. A mulher, que se chama Maria das Dores Morais contou que não conseguia comprar o botijão de gás há 5 meses.
O acidente aconteceu dia 21 de maio em Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, mas os dois continuam internados no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Walfredo Gurgel, em Natal, na capital potiguar.
Maria das Dores contou que estava fazendo o jantar usando álcool quando o acidente aconteceu. “Eu peguei a vasilha e ela já estava seca, já tinha queimado a primeira parte. Mas ela estava quente e a combustão foi tanta que não deu tempo nem de colocar mais álcool na vasilha. O botijão (onde estava o etanol) explodiu em cima de mim de imediato e incendiou minha cozinha. Eu corri pra socorrer meu neto porque o álcool correu pelo corredor e foi até meu netinho. Foi um desespero. Eu em chamas, meu neto em chamas. Meu filho socorreu jogando água em cima da gente”, contou.
Maria das Dores mora com a filha de 23 anos, e o neto de 1 ano e 5 meses. Ela e a filha estão desempregadas. Ela contou que essa não foi a primeira vez que usou álcool pra cozinhar, mas que nunca havia ficado tanto tempo sem conseguir comprar o gás de cozinha. “Eu já tinha usado álcool, mas por pouco tempo, dois, três dias. Mas só que dessa vez eu passei cinco cinco meses sem conseguir comprar meu gás e a solução foi essa”, disse.
AUMENTO DO GÁS E DA CESTA BÁSICA
Um novo estudo da Federação Única dos Petroleiros (FUP), com base nos preços oficiais dos principais combustíveis consumidos no país, mostra o impacto da nova política de preços da Petrobrás, adotada em 2016. A política conhecida como Preço de Paridade de Importação (PPI), corrige os preços dos derivados de acordo com as cotações internacionais.
Desde a implementação do PPI, em 15 de outubro de 2016, até a última sexta-feira (17), considerando os aumentos anunciados na sexta, o preço do gás de cozinha acumula alta de 324%.
No mesmo intervalo, o salário mínimo subiu 37,7%, e o principal medidor de inflação, o IPCA/IBGE, 35%.
O custo do gás de cozinha afeta diretamente o orçamento doméstico da maioria das famílias brasileiras, que o usam para preparar seus alimentos. O impacto é maior para as famílias mais pobres.
Os preços do diesel, por sua vez, acumulam alta de 221,6% desde o início da PPI até hoje, e os da gasolina, subiram 170,6% no mesmo intervalo. Os preços de referência usados são os mesmos na refinaria.
Com o anúncio de um novo aumento nos preços dos combustíveis da Petrobras na última semana, cresceu a expectativa de maior arrocho econômico para a população. O preço da cesta básica registrado em maio de 2022, por exemplo, está até 23,94% mais alto do que no mesmo mês do ano passado.
“(O preço dos combustíveis) Impactou, na medida em que muitas pessoas não conseguem comprar o gás. Muitos cozinham com etano ou na lenha. A situação é deplorável, à medida que não se tem o básico e o essencial para viver. Não tem gás e, em grande parte, nem alimento para sobreviver”, diz o padre católico Júlio Lancellotti, que realiza trabalho assistencial no centro de São Paulo.
O cenário descrito pelo padre, reconhecido mundialmente pelos seus trabalhos sociais, é uma das características mais perversas da inflação, que não deve ceder tão cedo.
“Produtos como gás de cozinha, gasolina e óleo diesel são o que nós, economistas, chamamos de itens com demanda inelástica, ou seja, de difícil substituição. Nesse caso, há muito pouca coisa que os trabalhadores possam fazer no curto prazo”, explica o professor Giácomo Balbinotto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Um dos mais tradicionais indicadores da economia brasileira, o preço da cesta básica não para de subir. No período de um ano, até maio passado, o aumento foi sentido em todas as capitais, com variações que oscilaram entre 13,17%, em Vitória e 23,94%, em Recife.
Apenas entre abril e maio, as maiores elevações nos preços da cesta básica foram registradas em Belém (2,99%), Recife (2,26%) e Salvador (0,53%). São Paulo foi a capital onde o conjunto dos alimentos básicos apresentou o maior custo em maio, de R$ 777,93. Florianópolis teve uma cesta básica de R$ 772,07; Porto Alegre, de R$ 768,76; e o Rio de Janeiro, de R$ 723,55.