Lei prevê multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil ao autor, caso identificado, e também ao candidato beneficiado “quando comprovado seu prévio conhecimento”
Sob nenhum aspecto a campanha reeleitoral de Jair Bolsonaro (PL) é honesta e seria. O fato novo, agora, é que estudo descobriu que o lançamento da campanha do chefe do Executivo utilizou robôs para impulsioná-la no Twitter.
É o que atesta a ferramenta Pegabot, algoritmo desenvolvido pelo ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), formado por pesquisadores de universidades, como Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), FGV (Fundação Getulio Vargas) e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) Media Lab.
A recandidatura de Bolsonaro foi oficializada pelo PL durante convenção partidária realizada no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, dia 24 de julho. No dia seguinte, o Pegabot analisou por 24 horas no Twitter o comportamento da tag #CapitaoDoPovoVaiVencerDeNovo.
“Essa hashtag mobilizou um volume relevante de compartilhamentos em um curto espaço de tempo”, disse o ITS-Rio sobre os robôs.
ENTENDA O FUNCIONAMENTO DOS ROBÔS E O QUE A PEGABOT DESCOBRIU
Os robôs funcionam retuitando de forma automática e em sequência posts de pessoas reais que utilizam determinada hashtag. Isso faz com que essa apareça em mais posts, elevando, assim o desempenho no Twitter e figurando entre os assuntos mais comentado na rede social.
O instituto explica que, em média, o mesmo usuário mencionou até 3 vezes a hashtag #CapitaoDoPovoVaiVencerDeNovo. Para o levantamento, foram selecionados os usuários que publicaram pelo menos 5 vezes, “e analisamos a existência de comportamento automatizado entre esses usando o Pegabot”.
A conclusão é que 46% dos 17.068 usuários analisados “apresentaram probabilidade de comportamento automatizado com valor igual ou maior a 70%”, respondendo “pelo compartilhamento de 26.760 tuítes e retuítes, 58,8% do volume total de tuítes coletados [45,5 mil]”. Alguns usuários chegaram a compartilhar tuítes e retuítes mais de 200 vezes. Um deles chegou a realizar 219 publicações”, explicou o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
MONITORAMENTO DAS HASHTAGS
Responsável pelo departamento de Democracia e Mídias no ITS-Rio, Karina Santos conta que o instituto monitora hashtags diariamente, “identificando quais despontam de forma potencialmente suspeitas”, como foi o caso da #CapitaoDoPovoVaiVencerDeNovo.
“A velocidade de compartilhamento e o tipo de engajamento em torno de um tema indica uma possibilidade de comportamento inautêntico”, afirmou. “O algoritmo analisa características do perfil, o tipo de engajamento na plataforma, linguagem utilizada na conta e a rede de seguidores ao redor do usuário.”
PERIGO DE USAR ROBÔS
Segundo a especialista, Karina Santos, do ITS-Rio, nas redes sociais, a inteligência artificial sem transparência “pode ser usada para inflar um discurso específico, construir e espalhar narrativas, criar bolhas de conteúdo e disseminar desinformação”.
Então, quem faz uso dessas ferramentas artificializa os resultados obtidos, com propósitos escusos.
“Vemos um forte uso de bots pra viralizar informações com o objetivo de enganar a opinião pública, falsificando uma sensação de importância e apoio. São utilizados para que um conteúdo pareça ter sido comentado por todos sem ter sido, para descredibilizar determinadas personalidades ou enaltecer outras figuras”, expressou Karina Santos.
LEGISLAÇÃO
A lei eleitoral só permite que conteúdos sejam impulsionados nas redes sociais se o autor pagar para que a plataforma, como o Twitter, espalhe a informação.
O uso de robôs, no entanto, é proibido, afirma o advogado especialista em direito público Roberto Piccelli, que cita a Lei 9.504/97, alterada em 2017. Um dos trechos da norma diz: “Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade”.
Em outro, está escrito: “é vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet”.
PUNIÇÃO
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) só interfere no assunto se receber alguma denúncia formal “de qualquer cidadão, incluindo dos adversários”, explica Piccelli, que estuda a relação entre Constituição e mídias digitais.
A lei prevê multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil ao autor, caso identificado, e também ao candidato beneficiado “quando comprovado seu prévio conhecimento”. A rede social estará sujeita a multa apenas se descumprir ordem judicial para retirar o conteúdo do ar.
“Por mais que possamos supor que a iniciativa tenha partido de usuários sem o conhecimento da campanha, o uso de robôs fere a lógica do controle das despesas eleitorais”, diz o advogado. “Afinal de contas, é uma contribuição inoficiosa à campanha do candidato beneficiado, provavelmente de fonte ilícita.”
SILÊNCIO TUMULAR
Procurada, pelo portal UOL, que veiculou a notícia, a campanha de reeleição do presidente da República nada respondeu até o presente momento. E nem irão responder.
O TSE, também, foi procurado pelo portal noticioso, todavia não recebeu resposta. O Twitter informou por meio de nota que “não identificou comportamento automatizado generalizado na amplificação da hashtag por robôs”.
“Menos de 10 contas envolvidas na hashtag foram identificadas como em violação à nossa política anti-spam e devidamente suspensas”, acrescentou.
A plataforma informa que ferramentas de terceiros “acessam informações públicas das contas, dados muito limitados para essa análise”.
PARCERIAS
Em 2020, o TSE firmou parceria com WhatsApp, Twitter, Facebook, Instagram, Google e TikTok, que se comprometeram a desenvolver ferramentas para rastrear os perfis falsos.
Questionado sobre o projeto, o Twitter “emudeceu”. Na melhor forma de fugir do problema — fingindo que não existe ou desconhecendo-o.
Informou que “o TSE tem um canal direto e permanente de contato com o Twitter para discutir iniciativas, melhores práticas e ações necessárias para proteger a integridade das conversas sobre as eleições”. “Este é um trabalho adicional à imposição regular e frequente de nossas regras, incluindo as para combater spam e manipulação da plataforma, e à detecção cada vez mais proativa de potenciais violações a elas.”
DADO CONTESTADO
Segundo dados divulgados recentemente pela plataforma, dos 238 milhões de perfis ativos na rede, 5% são automatizados.
O dado, por óbvio, é contestado pelo bilionário Elon Musk, que decidiu cancelar a compra da plataforma ao alegar falta de transparência do Twitter sobre perfis falsos.
Karina Santos defende regulação “ao estilo folow the money”, que é seguir o dinheiro de quem financia essas campanhas coordenadas “porque o mercado da desinformação no Brasil é muito bem estruturado”. “Em cenário eleitoral, esse uso pode ter um impacto direto na decisão de voto do eleitor, o que é muito preocupante”, disse.
M. V.