Antecedida por sobretaxas, ameaças de sanções e contramedidas, declarações e tuitadas ásperas e com evidente desacordo sobre quase tudo, teve início em La Malbaie, no Canadá, nesta sexta-feira (8) a cúpula do G7 – o grupo de países imperialistas mais ricos, que está mais parecendo se tratar do “G6 mais 1”, na expressão do ministro da Economia francês, Bruno Le Maire.
Para não dizer que a cúpula não serviu para nada, pelo menos aquela foto posada dos “líderes do mundo livre” já está tirada e sem ninguém – ainda – a nocaute. Sorridentes, acenando, lá estão eles, da esquerda para a direita: Donald Tusk (presidente do Conselho Europeu), Theresa May (primeira-ministra inglesa), Ângela Merkel (primeira-ministra alemã), Donald Trump (presidente dos EUA), Justin Trudeau (primeiro-ministro canadense), Emmanuel Macron (presidente da França), Shinzo Abe (primeiro-ministro japonês), Giuseppe Conte (primeiro-ministro italiano) e Jean-Claude Juncker (presidente da Comissão Europeia).
A reunião preparatória há uma semana, com os ministros das finanças do grupo, mais pareceu um ringue da guerra comercial e de lá para cá os ânimos só se exaltaram. Sob pretexto de “segurança nacional”, Trump sobretaxou o aço e alumínio importado dos países europeus, do Canadá e do México – o que já estava valendo para o Japão.
Seu secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, também reafirmou que as empresas europeias que realizarem negócios com o Irã serão igualmente atingidas pelas sanções decretadas contra o Irã, após a saída dos EUA do Acordo Nuclear que Obama assinou. Os países atingidos reagiram, com medidas equivalentes, e levaram a questão à Organização Mundial do Comércio (OMC).
O anfitrião Trudeau é um dos mais chocados com a rudeza de Trump. Seu telefonema ao presidente norte-americano, questionando como um país conhecido por sua sabujice aos EUA “das praias da Normandia às montanhas do Afeganistão” podia ser uma “ameaça à segurança nacional”, acabou com o bilionário lhe recordando como os “canadenses” em 1812 “queimaram a Casa Branca”…
Já Macron parece ter despertado do seu “bromance” com Trump – aquele vexaminoso tour pela Casa Branca, com troca intensa de olhares – e até andou cogitando uma “declaração final” sem a assinatura dos EUA.“O presidente americano pode não se importar de estar isolado, mas nós também não nos importamos de assinar um acordo de seis países se for necessário”, asseverou.
Trump manteve a carga: “alguém, por favor,’ diga ao primeiro-ministro Trudeau e ao presidente Macron que eles estão cobrando tarifas maciças contra os EUA e criando barreiras não-monetárias. O superávit comercial da União Europeia é de US$ 151 bilhões e o Canadá continua excluindo nossos agricultores”.
Talvez alguém devesse contar a Trump que, desde que Nixon rompeu Bretton Woods, é exatamente essa geringonça em torno dos gigantescos déficits gêmeos dos EUA – fiscal e comercial – que moveu a globalização, a desindustrialização interna e a metástase do rentismo, com os superávits obtidos pelos outros países nas exportações aos EUA retroalimentando a especulação em Wall Street e gestando uma crise atrás da outra desde 1987.
Antes disso, quando esse mecanismo ainda estava em gestação, foi que nasceu o G7, em 1975, em plena crise econômica mundial, por iniciativa de Valéry Giscard d’Estaing, cuja primeira cúpula – então ainda sem o Canadá – ocorreu em Raimbouillet, na região de Paris. Um meio, também, de lidar com o ressurgimento das disputas interimperialistas, depois devidamente enquadradas por Reagan nos acordos de Louvre e Plaza. Mais tarde, premiaram o bebum Yeltsun com o direito a posar para a foto, e o G7 virou “G8” após a dissolução da União Soviética.
Trump reclama das “regras injustas contra os EUA” do comércio internacional, como se estas não tivessem sido impostas exatamente por Washington e levado à criação da OMC do jeito que é. O que não evitou que a decadência e desindustrialização dos EUA seguissem se agravando, nem a ascensão da China ou o crash de 2008.
Obama tentara responder a isso, com os acordos Transpacífico e Transatlântico, na realidade a subordinação dos demais integrantes aos monopólios e normas norte-americanos, passando por cima do “multilateralismo” da OMC e com exclusão da China.
Trump tenta outro caminho, abandonou o Transpacífico e está renegociando para pior ainda – México e Canadá que o digam – o Nafta. Quer impor por acordos “bilaterais” em que sejam as leis americanas que mandem no comércio mundial – aliás, não só no comércio, mas em tudo mais. Quanto à China, não quer só reduzir o superávit chinês no intercâmbio com os EUA, mas deter o desenvolvimento da alta tecnologia por Pequim e forçar a abertura do sistema financeiro a Wall Street e seus papeis podres.
Já são quatro décadas desde que, de maior credor do planeta, os EUA se tornaram o maior devedor. Tanto Obama quanto agora Trump acham que os EUA têm que definir as normas do comércio internacional enquanto podem, ou será tarde demais.
Como não pode dizer a verdade sobre a decadência da “nação excepcional”, Trump ameaça dar um trato nas “práticas de comércio injustas”, que acusa Canadá, México e União Europeia de “estarem fazendo conosco há muitas, muitas décadas”.
É de fazer rir: os EUA têm a divisa internacional, o dólar, e consequente privilégio, tem as armas nucleares, ocupa com bases e tropas Alemanha e Japão, manda no FMI e Banco Mundial, e são os outros que estão explorando os pobres monopólios ianques …
Além das divergências no terreno econômico, os europeus também se chocam com o abandono, por Trump, do Acordo Nuclear com o Irã e do Tratado de Paris do clima, assim como a mudança da embaixada para Jerusalém.
Como não pode deixar de causar, Trump resolveu defender a volta da Rússia ao “G8”, o que mereceu do Kremlin a observação de que “tem outros fóruns como prioridade”. Inclusive no mesmo fim de semana estará reunida a Organização do Tratado de Xangai, que congrega Rússia, China, Índia, Paquistão, mais várias repúblicas ex-soviéticas, e tem o Irã como observador. Trump terá de deixar o G7 mais cedo porque sua cúpula com o líder norte-coreano Kim Jong Un acontecerá na próxima terça-feira, 12.
A.P.