Fogo persiste e se espalha na Amazônia provocado pelas queimadas que acontecem nesta época do ano. Imagens de satélite coletadas nesta terça-feira (6) mostram uma nuvem cinzenta que se espalha pelo Norte do Brasil e por países vizinhos e se concentra, especialmente, no sul do estado do Amazonas, com Rondônia e Acre também encobertos.
“Há, aparentemente, várias névoas de fumaça cinzenta sobre a região central da América do Sul nesta manhã”, informa um dos perfis da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos), que postou no Twitter uma animação da enorme nuvem de fumaça.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a área coberta pela fumaça abrange cinco milhões de km². A devastação somada em 2022 no bioma já é pior do que a verificada no ano passado: desde o começo do ano até domingo (4), a Amazônia teve 58 mil focos de queimadas, total que representa 20% a mais do que o registrado no mesmo período do ano anterior.
Os focos de incêndio estão por toda parte e foram, em quase 100% dos casos, iniciados por desmatadores. “É um crime contra a humanidade, não é só um crime ambiental. Estão matando a Amazônia”, diz à DW Brasil Auricélia Fonseca Arapium. Auricélia coordena o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), e sobrevoou a região com a equipe da DW, a convite do Instituto Climainfo.
Embora todos tivessem sido identificados pelo sistema de alerta de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não foi identificado qualquer sinal de combate às chamas em campo, informa a reportagem. Nesta época de seca na Amazônia, que se estende até outubro, o fogo deve se alastrar para além dos restos da mata derrubada e acabar com árvores.
À medida que o avião se distancia de Santarém, de onde decolou, os grandes buracos de tom marrom surgem no horizonte. “São garimpos abertos com máquinas pesadas, que mais parecem grandes estradas forjadas sobre o verde”, explica a DW.
“Foi muito impactante e eu fico muito emocionada. A gente sabe o que significa um território vivo, um rio vivo. Eu sou mãe. O que vai ser do nosso futuro?”, questiona a coordenadora do Cita sobre os impactos da destruição, “sem conseguir conter o choro”, relata a DW.
Em agosto de 2022, o pior agosto em focos de queimada na Amazônia dos últimos 12 anos, o Pará foi o estado mais afetado. Ele também lidera em desmatamento, segundo dados do Inpe.
Entre as zonas mais destruídas estão a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós e a Floresta Nacional do Jamanxim, unidades de conservação incluídas na rota do sobrevoo.
“Antigamente, era mais difícil chegar a locais como este. Hoje, já existem muitas estradas abertas clandestinamente por madeireiros, por garimpeiros, o que facilita o acesso”, explicou o piloto à reportagem.
“A maior parte dessas vias estão dentro da Terra Indígena (TI) Munduruku. A invasão de garimpeiros denunciada seguidamente por lideranças é gritante do alto: zonas de garimpo têm pista de pouso, acampamento e maquinário”, diz a DW.
Segundo o The Intercept Brasil, na Amazônia Legal, há 362 pistas de pouso e decolagem clandestinas — ou seja, sem registro na Agência Nacional de Aviação, a Anac —, em volta das quais há rastros de desmatamento por mineração de ouro.
O número, porém, mais do que triplica se forem consideradas todas as pistas abertas sem autorização e registro na Amazônia Legal: 1.269 vias para pouso e decolagem. Esse número supera o de pistas registradas na região, que chegou a 1.260 em abril deste ano.
Os dados foram consolidados em 1º de maio e é resultado de uma parceria doIntercept com o Pulitzer Center e a organização não-governamental americana Earthrise Media, que reuniu os dados a partir de imagens de satélite da Amazônia Legal coletadas em 2021.
O avião sobrevoou também a Terra (TI) Munduruku, que há anos sofre com a invasão do garimpo. “Daniel Munduruku, que tenta registrar no celular tudo o que vê, também está neste sobrevoo. O território que sua família habita, Sawré Muybu, está numa parte do estado que foi reconhecida pela União, mas ainda não demarcada oficialmente”, diz a reportagem.
GARIMPO
A DW informa que em 2016 esteve na região para acompanhar o processo de autodemarcação feito pelos indígenas e na época o garimpo não tinha a dimensão que ganhou nos últimos quatro anos, desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República.
Os efeitos da contaminação proveniente do mercúrio usado na garimpagem do ouro atingem quase a totalidade do povo munduruku. Estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) mostram que 99% dos indígenas avaliados apresentam níveis de mercúrio acima de limites seguros.
Cerca de 73% deles relatam sintomas de contaminação, a maior parte de ordem neurológica. Por conta dos dados preocupantes, o Ministério Público Federal tenta atualmente criar um fórum de discussão sobre a contaminação no rio Tapajós.
“A gente sangra também. A nossa mãe terra está pedindo socorro, e a gente, principalmente como mulher indígena, traz muito para nós essa responsabilidade”, diz Auricélia, ao descrever o que sente diante desse cenário.
“Grande parte do desmatamento é associada à agropecuária, especialmente para o plantio de pastos. O desmatamento associado aos garimpos é bem menor em área, mas seus impactos são profundos no solo e amplos nos sistemas aquáticos”, afirma à DW Brasil Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Barreto estuda há décadas o cenário que impulsiona a destruição da floresta.
Na Amazônia, aponta o pesquisador, dois grandes vetores seguem estimulando o desmatamento. O primeiro deles, aponta, é o enfraquecimento das políticas de controle e os incentivos dados à ocupação e exploração de recursos naturais “com promessas de mudanças legais para regularizar atividades ilegais como a grilagem e os garimpos, inclusive em terras indígenas”.
A alta dos preços das commodities agrícolas e do ouro é vista como o segundo vetor. “Isso estimula uma corrida para aquisição de terras – inclusive a grilagem – e a garimpagem”, cita Paulo Barreto.
Ele acredita que a influência do período eleitoral agrave essa realidade. “Os políticos evitam fiscalizar e perder apoio de empresários e políticos locais. Nesta eleição, dados indicam um agravamento desta tendência, pois o governo atual tem promovido o desmatamento enquanto vários candidatos têm prometido voltar a fiscalização”, comenta Barreto.
DEVASTAÇÃO
Para o pesquisador do Imazon, os devastadores parecem querer usar o resto do mandato de Jair Bolsonaro, que concorre à reeleição, para desmatar à exaustão. “Mesmo que as políticas mudem no futuro, eles vão pressionar para manter o que foi desmatado, incluindo perdões de crimes ambientais e fundiários”, preconiza.
Auricélia Fonseca Arapium também responsabiliza o atual governo pelo acirramento das invasões às áreas protegidas na Amazônia. “O governo incita isso. Ele incita o tempo todo essa violência. São momentos bem difíceis nestes últimos quatro anos, são momentos de terror”, afirma.
“A gente tem que continuar denunciando o que estão fazendo com nossos territórios, com nossas vidas, com nosso futuro”, defende. “A Amazônia é rica e nós vivemos nessa riqueza. Nós queremos que ela continue para que a humanidade também continue”, diz a liderança indígena.