Último dia de desfiles no Rio de Janeiro empolgou o público nas arquibancadas do início ao fim. Vila Isabel e Viradouro tiveram grande destaque
A emoção tomou conta do segundo dia do desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Portela e Mangueira trouxeram a força das mulheres negras à Avenida em homenagens potentes a Luísa Mahin e à cantora Alcione.
As seis agremiações desta noite, Mocidade Independente de Padre Miguel, Portela, Unidos de Vila Isabel, Estação Primeira de Mangueira, Paraíso do Tuiuti e Unidos do Viradouro, levaram empolgantes desfiles para a Marquês de Sapucaí.
O público se agitou nas arquibancadas já no primeiro desfile da noite. Com um tom irreverente, a Mocidade contou a história do caju, sim a fruta, apresentando um dos melhores sambas do Carnaval e fazendo as arquibancadas e a escola cantarem do início ao fim do desfile.
Segunda escola a desfilar, a precursora das escolas Portela apresentou o desfile mais impactante da noite. Contando a história da mãe do abolicionista Luiz Gama, Luísa Mahin (Kehindé), a partir do romance “Um defeito de cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves. O afeto entre mãe e filho deram o tom do desfile desde o início, mostrando a força das mulheres negras.
A Portela encerrou seu desfile com muita emoção, levando 16 mães que perderam seus filhos para violência em seu último carro. Entre elas estava Marinete Silva, mãe da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018.
VOZ DO AMANHÃ
O quarto desfile da noite foi dedicado a uma das mais importantes mangueirenses. A escola contou a história da maranhense Alcione colocando o público para cantar junto essa homenagem a uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos, que completa 50 anos de carreira, repleta de sucessos e profunda identificação com a música popular brasileira.
A saudação à Marrom contou ainda com a participação de outra voz icônica brasileira. Maria Bethânia abriu o desfile da Mangueira logo após a comissão de frente. A cantora foi tema da Mangueira em 2016, o que garantiu o título para a verde e rosa.
A Mangueira entrou na Avenida cantando com força e empolgação o samba que tem uma melodia cativante. O andamento do chão mantém movimento cadenciado com o ritmo e a melodia, os componentes desfilam com alegria e comprometimento em relação ao canto e dança.
Defendendo o segundo lugar no podium do Carnaval, a Viradouro fechou a segunda noite de espetáculo com um desfile para brigar pelo título com um visual impactante. Em uma apresentação quase sem erros, a escola de Niterói se inspirou na ancestralidade e encantou o público com um enredo sobre o culto ao vodum serpente, na África, e no Brasil.
Veja os destaques do desfile desta noite:
MOCIDADE
Depois de bater na trave do rebaixamento e ficar no 11º lugar em 2023, a Mocidade de Padre Miguel apostou no enredo “Pede caju que dou… pé de caju que dá!”. Como o próprio nome deixou claro, o desfile focou no pseudofruto brasileiro, e o costurou com diferentes pontos culturais do país.
A comissão de frente fez uma brincadeira com a banana abrindo caminho para o caju — e se destacou ao “teletransportar” uma dançarina da avenida para o meio das arquibancadas. A escola também contou com uma ala formada totalmente por homens gays, que faziam uma coreografia com leques.
A bateria empolgou com longos paradões, que permitiam que público e membros da escola se concentrassem no samba.
Um problema para tirar o abre-alas da área de dispersão gerou um atraso geral na escola, que teve de se apressar para finalizar seu desfile. No fim, completou a apresentação no último minuto do tempo limite.
PORTELA
A Portela falou sobre a importância do afeto e da ancestralidade feminina em uma história inspirada no romance “Um defeito de cor”, que se baseia na carta a Kehindé (Luiza Mahin), mãe do líder abolicionista e poeta Luiz Gama. Ana Maria Gonçalves, autora da obra, veio como destaque de um dos carros.
Décima colocada no carnaval de 2023, a escola teve um início de desfile tenso. O carro abre-alas apresentou problemas e entrou na avenida com algumas de suas esculturas quebradas. Outro carro que apresentou problemas durante o desfile foi o que representava o cortejo à rainha do Brasil (4ª alegoria) entrando na avenida com algumas partes danificadas.
A Portela encerrou seu desfile com muita emoção, levando 16 mães que perderam seus filhos para violência em seu último carro. Entre elas estava Marinete Silva, mãe da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018.
Cada uma delas trouxe para a avenida um objeto que a faz lembrar dos filhos. Entre os destaques estava também a mãe de Kathlen Romeu que foi morta com um tiro de fuzil no peito disparado por um policial militar do Rio de Janeiro em 2021. Ela estava grávida de 3 meses.
A alegoria foi o último e mais importante carro-alegórico da Portela. Além das mães e da velha guarda, estavam presentes a escritora Conceição Evaristo e o ator Lázaro Ramos.
VILA ISABEL
A Vila Isabel, que ficou com o terceiro lugar em 2023, reeditou o enredo “Gbalá – Viagem ao templo da criação”. Mais de trinta anos depois, a escola fez uma releitura da obra, trazendo a mensagem sobre o mal que o ser humano pode fazer à terra, e ainda destacou que salvação está nas crianças.
E elas foram destaque desde o início do desfile com uma comissão de frente trazendo seis crianças junto aos bailarinos e representando a esperança na restauração da harmonia do planeta.
Simbolizando a “luz da esperança”, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira vestia roupas cobertas de lâmpadas e projetores lasers, mas sofreu com problemas técnicos ao longo do desfile, como uma calça que não acendeu.
A alegoria que trazia plantas naturais e representava a Mãe Natureza também fez um efeito bastante curioso em meio a um desfile cheio de cores e efeitos luminosos, incluindo os corações pulsantes nas cabeças dos ritmistas da bateria. Autor do samba e presidente de honra da escola, Martinho da Vila apareceu no último carro da escola, representando o grande sacerdote.
MANGUEIRA
Mangueira apostou em uma homenagem a Alcione, que completa 50 anos de carreira, no enredo “A negra voz do amanhã” para tentar seu 21º título na elite carioca. A própria cantora puxou parte do samba no esquenta da escola ao lado dos puxadores.
Depois de uma comissão de frente que contou parte da história da artista e com passistas desafiadores da gravidade, o desfile levou diversas estrelas à Sapucaí. Logo na alegoria pede passagem, Maria Bethânia foi a primeira delas.
O quarto carro ainda levou diversos amigos da homenageada, como Taís Araújo, Regina Casé e atrizes que interpretaram Alcione no musical do teatro. A última alegoria foi estrelada pela cantora com uma coroa na cabeça.
TUIUTI
A Paraíso do Tuiuti levou para a avenida a história do “almirante negro” João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata.
O homenageado foi representado, em um dos carros, pelo entregador carioca Max Angelo dos Santos, que foi chicoteado por uma moradora de São Conrado, na Zona Sul do Rio, em abril de 2023.
Já a última alegoria da escola relembrou outros casos recentes de racismo no país, escrevendo em suas velas frases sobre os incidentes. “Jovem negro de 17 anos chicoteado por furtar chocolate” e “jovem negro sofre racismo em mercado na zona norte” foram alguns deles.
Mayara Lima reinou à frente da bateria, que vestia vermelho, representando o sangue dos marinheiros. Apesar de um carro travar na dispersão, não atrapalhou na saída da escola, que assim como todas as agremiações da noite, finalizou o desfile dentro do previsto.
VIRADOURO
Atual vice-campeã do carnaval do Rio, a Viradouro levou um enredo baseado nas crenças voduns de povos africanos e na força das mulheres que formavam a poderosa irmandade de guerreiras.
A comissão de frente chamou a atenção com uma enorme serpente, que surgia entre o balé e deslizava pelo chão da Sapucaí. O terceiro carro da agremiação, representando a proteção mística e lealdade, foi todo feito com ferro-velho do barracão.
A bateria do Mestre Ciça, que representou a Revolta dos Malês, incluiu o toque em atabaques em suas batidas. Erika Januza desfilou à frente dos ritmistas pelo terceiro ano consecutivo.
A escola iniciou seu desfile ainda na madrugada, usando alegorias que brilhavam no escuro. A outra metade da apresentação foi realizada já com o dia amanhecendo. A Viradouro encerrou as apresentações do Grupo Especial do Rio de Janeiro.