Em final de mandato, o presidente Noboa tenta entregar território nacional, no caso o histórico arquipélago Galápagos que, com sua natureza exuberante e variada, inspirou Charles Darwin a escrever “A origem das espécies”, para se tornar mais uma base militar norte-americana na América do Sul
Afrontando a Constituição, o presidente do Equador e candidato à reeleição Daniel Noboa está empenhado em liberar as ilhas Galápagos para os Estados Unidos. Conforme a oposição, o objetivo é claro: obter apoio político, financeiro e midiático na reta final da disputa, em meio a uma situação interna extremamente grave em que a insegurança e os apagões refletem na queda de popularidade.
Durante os últimos cinco anos, o Equador vem sofrendo o ataque de quadrilhas que têm se apoderado de vastos territórios, aumentando a instabilidade política que enfraqueceu os últimos presidentes (L. Moreno 2017-2021, Guillermo Lasso 2021-2023 e, agora, Daniel Noboa 2023-2025), além de uma crise energética sem precedentes. No mandato de Noboa, os apagões chegaram a 14 horas diárias, impactando bruscamente no emprego, salário dos trabalhadores, saúde e na segurança das famílias, em um país com clima quente no litoral e frio na serra.
Os índices de criminalidade, alcançando um recorde de 43 homicídios por 100 mil habitantes em 2023, enquanto em 2018 era de seis por 100 mil, um dos mais baixos da América Latina. Chegaram a tal ponto nas últimas eleições presidenciais que o candidato Fernando Villavicencio foi assassinado a tiros, demonstrando não só o poder destas máfias, mas também o grau de impunidade com que operam desde então. Acontecimentos como este, o assassinato de lideranças políticas e de movimentos sociais, ocorrem junto ao crescimento do tráfico de drogas.
Em janeiro, o presidente equatoriano esteve com o enviado dos EUA para as Américas, Christopher Dodd, e a chefe do Comando Sul, Laura Richardson, no palácio de Carondelet, sede do governo, a título de ‘elevar a cooperação em segurança’.
Gabriela Sommerfeld, que é ministra do Exterior, comemorou o acordo: “A presença destas importantes autoridades no Equador é um sinal político potente e concreto do apoio dos EUA à administração do presidente Noboa”.
Recentemente, um vídeo obtido pela Associated Press (AP) mostrou que quatro meninos – um de apenas 11 anos –, até aqui desaparecidos em Guayaquil no dia 8 de dezembro, foram capturados e levados por militares a uma base da Força Aérea. Desde então, o governo de Noboa, que alegava não ter nada a ver com o incidente, precisou admitir que foram presos e espancados, mas que, posteriormente, tinham sido liberados. De lá para cá, as famílias cobram das autoridades que apareçam: “Vivos os levaram, vivos os queremos!”. Delito estatal ocorrido às vésperas do Natal, mais um sem resposta ou providência clara.
DISPUTA ACIRRADA CONTRA A CAPACIDADE DE CORREA
Noboa, que há um ano e meio foi eleito com apenas 3% de vantagem sobre Luisa González – que voltará a ser sua oponente pela Revolução Cidadã, em 9 de abril de 2025 – enfrentará agora uma disputa eleitoral difícil na tentativa de impedir a eleição de Luísa, com apoio de Rafael Correa, que precisou se exilar pela perseguição dos neoliberais.
Para fazer frente à Revolução Cidadã, o representante de uma das famílias mais ricas do Equador solicitou apoio financeiro, político e midiático internacional a Washington, não só pedindo o retorno de “declarações amigáveis”, com o reconhecimenot da sua submissão, mas também o ingresso militar permanente das tropas norte-americanas nas Ilhas Galápagos.
As históricas ilhas estão registradas pelo pesquisador Charles Darwin em sua autobiografia, registrando a inspiração ali surgida para escrever “A Origem das Espécies”, após percorrer diversos países da América do Sul a bordo do navio Beaggle (Brasil, Argentina, Chile, Peru e Equador):
“Não devo também ignorar a descoberta das singulares relações dos animais e plantas habitantes das várias ilhas do arquipélago de Galápagos e de todos eles com os habitantes da América do Sul”, diz Darwin em sua autobiografia e aprofunda mais adiante ao falar sobre o “caráter sul-americano da maioria das produções do arquipélago de Galápagos, e mais especialmente pela maneira como diferem levemente em cada ilha do grupo. (…) Ficou evidente que fatos como esse, bem como muitos outros, só podiam ser explicados pela suposição de que as espécies se modificam gradualmente”.*
Como esclareceu o sociólogo e analista político Ociel Alí López, “a exigência dos EUA se dá em meio ao protagonismo que o Oceano Pacífico vem ocupando, com o crescimento do comércio na China e as últimas iniciativas estadunidenses para provocar um conflito artificial, via Taiwan”. Vale ressaltar, disse, que em novembro, a poucos quilômetros ao sul do Equador, o presidente chinês XI Jinping inaugurou o chamado megaporto Chancay, que terá um enorme impacto econômico, gerando progresso e desenvolvimento para a região.
MANTA É UMA PROJEÇÃO MILITAR DO PLANO COLÔMBIA
Os Estados Unidos vêm perdendo domínio na área desde que tiveram que abandonar a base de Manta, no Equador, em 2009, durante o mandato presidencial de Correa devido à aprovação de uma nova Constituição que proíbe expressamente bases militares estrangeiras em seu território. “Retomar Manta para os equatorianos significou a devolução da soberania, garantindo a estabilidade anteriormente existente e pondo fim à expansão da projeção militar do Plano Colômbia para o sul da América”, acrescentou Alí, que também é professor da Universidade Central da Venezuela (UCV).
“Neste momento, Washington não queria a devolução da sua antiga base, uma vez que Manta é um local problemático, com muita influência do narcotráfico e que em 2023 assassinou o seu prefeito Agustín Intriago. Por isso optou para fazer com que Noboa liberasse a construção da base militar no arquipélago das Ilhas Galápagos, que já havia ocupado durante a Segunda Guerra Mundial”, explicou o sociólogo ao Russia Today (RT).
As Ilhas Galápagos estão localizadas quase 1.000 quilômetros mar adentro, o que permite uma projeção militar relacionada não apenas aos teatros de operações da América do Sul, mas também aos da região Ásia-Pacífico. Declaradas Patrimônio Natural da Humanidade em 1978 pela Unesco, as Galápagos têm uma imensa representação cultural e simbólica. O fato de tê-la concedida sem a aprovação do Congresso equatoriano provocou mobilização e revolta entre os nacionalistas.
A base estadunidense em Galápagos representa uma triangulação com suas demais bases do Pacífico, projetando a tentativa de domínio militar sobre todo o oceano. Para isso, Noboa decidiu agir rapidamente e na próxima sexta-feira já chegariam às ilhas os primeiros navios militares do império do norte.
Embora o presidente tenha enviado uma proposta de reforma constitucional ao Congresso há semanas, a instalação da base não foi discutida pelo legislativo e tem sido ocultada pela mídia que é controlada pelos entreguistas. Colocar o pé no acelerador da vassalagem faz parte para que a doação ocorra antes das eleições.
A Constituição equatoriana é muito clara a este respeito. Fica evidente que a proximidade da entrega do território significa uma flagrante violação constitucional, sem que haja sinais de que as atuais instituições impeçam a entrada de tropas a quem foi concedida isenção fiscal e impunidade legal, num espaço de tão importante biodiversidade. A execução de tão vergonhosa agenda será uma complicação a mais para o futuro presidente.
* Textos estraídos de “Entendendo Darwin” com subtítulo “A viagem a bordo do HMS Beaggle pela América do Sul/ A Autobiografia de Charles Darwin” – organizado por Marcelo Gleiser pela editora Planeta do Brasil, São Paulo, SP, abril de 2009, pgs. 250 e 275