
“Faturamento maior se dá exatamente pelo discurso de ódio, pelo conflito, pelo ataque e não pela narrativa de notícias, pela exposição de fatos”, acrescentou
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), criticou, na quarta-feira (25), que as big techs — gigantes de tecnologia que oferecem serviços como redes sociais —, lucram com a viralização de conteúdos como as notícias falsas, popularmente chamadas de fake news.
As declarações de Moraes foram feitas no evento GlobalFact, encontro internacional sobre checagem de fatos, promovido este ano no Rio de Janeiro pela FGV Comunicação (Fundação Getúlio Vargas Comunicação).
“É um modelo de negócio perverso, em que o faturamento maior se dá exatamente pelo discurso de ódio, pelo conflito, pelo ataque e não pela narrativa de notícias, pela exposição de fatos”, afirmou. “Pouco importa se o fato é verdadeiro ou falso, desde que o fato choque, dê likes [curtidas], dê mais engajamento e se monetize mais, ganhe mais dinheiro”, completou.
SEM LIMITES
A participação do ministro do STF se deu por meio de videoconferência, direto de Brasília. Em sua fala de abertura, Moraes citou a falta de limites e os efeitos negativos das redes sociais para justificar que o Estado regulamente a atividade das big techs.
Ele afirmou que, em 2022, quando o Congresso Nacional se preparava para pautar matéria em favor de regulamentação, as big techs lançaram campanhas contrárias nas redes, com notícias fraudulentas, para coagir os deputados.
Nas palavras do ministro, foi “ataque ao Poder Legislativo patrocinado pelas big techs”.
Ainda sobre a regulamentação, Moraes enfatizou que não se trata de censura à chamada “liberdade de expressão”, e que deve ser feita de forma responsável. O ministro afirmou que, na história da humanidade, todas as atividades econômicas que causam efeito na sociedade foram regulamentadas.
Ele acrescentou que as redes sociais são usadas contra minorias que vinham obtendo conquistas nas democracias ocidentais, como negros e mulheres.
“Utilizam de discurso de ódio, misógino, racista. É isso que nós queremos?”, perguntou. “Porque é isso que hoje ocorre”.
MUNDO REAL E VIRTUAL
Por diversas vezes, Alexandre de Moraes manifestou que o que não vale para o mundo real não pode valer para o mundo virtual.
Ele deu o exemplo do uso que golpistas fizeram das redes sociais na tentativa de golpe de Estado, o chamado 8 de janeiro de 2023, poucos dias após a posse do presidente Lula (PT), quando houve ataques às sedes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em Brasília.
“As redes sociais permitiram que os golpistas gravassem e fizessem ‘live’ chamando outras pessoas para intervenção, pedindo intervenção militar, pedindo a volta da ditadura [militar]. Onde estava a autorregulação? Não existia a autorregulação”, declarou.
‘LIBERDADE COM RESPONSABILIDADE’
“A liberdade de expressão não é liberdade de agressão, inclusive à democracia”, enfatizou Moraes em outro trecho do discurso que proferiu.
A tônica defendida por ele foi a de que a regulamentação “não fere a liberdade de expressão, é liberdade com responsabilidade”.
O ministro do STF apontou que as big techs querem “pairar como absolutamente soberanas, com imunidade territorial para que lucrem” e citou pesquisa que aponta que as notícias falsas têm velocidade de disseminação 7 vezes maior que conteúdos verdadeiros.
NÃO HÁ NEUTRALIDADE
Em agosto de 2024, a batalha judicial entre o STF e a rede social X — antigo Twitter —, do empresário Elon Musk, forçou a suspensão do aplicativo no País, por decisão do próprio Alexandre de Moraes. À época, o X se recusava a cumprir decisão judicial e manter representante legal no Brasil, como determina o MCI (Marco Civil da Internet), aprovado pelo Congresso Nacional.
De acordo com Moraes, países e regiões como a União Europeia, Reino Unido, Canadá seguiram o caminho da regulamentação das chamadas big techs.
“As democracias e a sociedade perceberam que as redes sociais não são neutras. Nós temos que partir desse pressuposto”, avaliou o ministro.
DEMOCRACIA EM RISCO
Também em participação por videoconferência direto de Brasília, a ministra do STF, Cármen Lúcia, se referiu às redes sociais como elementos de novo momento em que “há espaços, ambientes e aplicações capazes de matar pessoas sem precisar se valer de armas físicas, visíveis, palpáveis, por meio de atuações que deixam no anonimato criminosos de toda natureza, inclusive aqueles que tentam matar as democracias”.
Cármen Lúcia atribuiu 5 características — ou 5 V — que potencializam os efeitos negativos das fake news: volume de informação, velocidade, variedade, viralidade e verossimilhança.
Ao defender a regulamentação das big techs, a ministra do STF fez analogia com a evolução do trânsito.
“Quando tínhamos charretes e carroças, não havia o código de trânsito. Quando tivemos a criação dos carros, foi necessário que estradas fossem construídas, ruas estabelecidas segundo a necessidade e normas fossem criadas em todo o mundo”, argumentou.
NORMAS REGULAMENTADORAS
Para a integrante do STF, “é preciso que o Estado de Direito seja concebido e se mantenha segundo aquilo que é o seu instrumento, ou seja, normas que regulamentem, que estabeleçam até que ponto há a responsabilidade por danos que são causados a todas as pessoas e especialmente às instituições”.
Ela reforçou que a regulamentação não se confunde com censura. “O Brasil não admite censura, porque a ‘liberdade de expressão’ está garantida. A minha geração, que sofreu com a ditadura, sabe bem o que é a mordaça”, enfatizou.
“Isso não significa que alguém possa permitir que a expressão seja não uma manifestação da liberdade, mas instrumento de um crime de injúria, de calúnia, de difamação, contra o Estado Democrático de Direito”, completou.
NEGÓCIO X TECNOLOGIA
Representando o governo, o advogado-geral da União, Jorge Messias, afirmou que não acredita na autorregulamentação das big techs, ou seja, as próprias gigantes definirem as próprias normas de conduta.
Messias, que participou presencialmente no evento no prédio da FGV (Fundação Getúlio Vargas), acrescentou ao debate o tema segurança pública. Com base em dados do Fórum Nacional de Segurança Pública, ele citou que, de 2018 a 2023, o Brasil presenciou crescimento de 400% em crimes de estelionato, impulsionados pela digitalização.
“A cada 16 segundos, 1 cidadão brasileiro é vítima de um golpe a partir das redes sociais”, afirmou.
Messias criticou também a relação entre big techs e partidos de extrema-direita: “me enoja o fato de ver bigtech se associando a partidos de extrema-direita no Brasil como promotores da liberdade de expressão, elemento fundamental que todos nós aqui defendemos, na verdade, para escamotear os seus interesses econômicos”, declarou.