
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou que dentro do governo Bolsonaro há “setores ultraliberais, na parte econômica, setores que são culturalmente atrasados, reacionários, e setores que são fora do mundo, “démodé””.
FHC avaliou o início do governo e enfatizou que a gestão bolsonarista está “dando muitas cabeçadas, um diz uma coisa, o outro diz outra coisa e tal”. “Eu sou prudente, eu fui presidente, eu sei que é difícil, não gosto de jogar pedra toda hora e às vezes no começo as pessoas custam a se ajeitar. Mas aí é mais do que isso, são setores muito desencontrados”.
“Acredito na humanidade, acho que tem valores universais, direitos humanos, essa coisa toda, então eu torço para que não façam erros, não torço para que errem. Deixa ver o que vai acontecer. Mas que estão dando cabeçada, estão”, repetiu.
“O governo começou complicado, com a recusa do pacto de imigração, dizer que vai sair da convenção sobre o clima, são posições difíceis de imaginar que o mundo aceite com aplausos”, disse em entrevista à rádio RFI, em Paris, onde participou de um debate.
Quando perguntado se ainda tem dúvidas de que o governo de Bolsonaro é de extrema direita, respondeu: “Não, não tenho dúvidas. Eu seria oposição de qualquer maneira, eu não votei nele. E eu não votei nesse porque tinha um outro candidato [em quem votar], de um outro partido, e também porque eu não concordo com as ideias que ele expressou durante a campanha”. “De extrema direita”, reafirmou, “com visão bastante reacionária, em alguns setores”.
Entretanto, FHC ressalvou que “isso não me leva a dizer que o governo vá ser um governo que quebre as regras democráticas, isso é outra coisa”. “Aí depende, depende do jogo da sociedade, depende da resistência do Parlamento, da imprensa, não é tão simples assim”, afirmou. “Se houver e quando houver atentado quanto a estas questões [bem-estar do povo, do crescimento da economia, da manutenção das regras democráticas], eu acho que quem está na condição deve protestar, deve reagir”, apontou.
O ex-presidente da República explicou porque não votou em Bolsonaro, mas também não declarou voto e nem apoiou Fernando Haddad (PT).
“Eu nunca estive de acordo também com as posições do PT, que levaram à situação, a este descalabro em que nós estamos”, declarou. “Ele botou uma máscara de Lula. Bom, o Lula fez coisas positivas, sem dúvida, mas ao mesmo tempo é responsável pelas transformações negativas ocorridas na vida política brasileira”, continuou.
“Eu não achei que valesse a pena comprometer minha posição de pensamento por uma candidatura que se dizia progressista, mas que tem em si as marcas do desastre que houve no Brasil: a estagnação da economia, pauperização, não intencionada, mas como consequência de muitos malfeitos e muita corrupção. A corrupção não era pessoal só, mas das instituições, o que é mais grave”, destacou o ex-presidente.
Indagado pela entrevistadora se “esta corrupção das instituições já não existia antes? Não é um caso crônico do Brasil?”, Fernando Henrique disse que a corrupção que houve no governo do PT “é outra coisa, muito mais grave”. “É a organização da corrupção como base de poder”. “Não é corrupção de A, de B ou de C que é má-conduta pessoal, que está errado, mas além disso você tem aqui a corrupção de um sistema que passava pela utilização de empresas públicas para financiar empresas privadas que financiavam partidos de maneira sistemática. Isso é algo muito contra a democracia, contra a liberdade. E eu não posso escolher este lado contra o outro”, afirmou.