
“Tal decisão, caso não seja revertida, vai acarretar a prescrição dos crimes imputados a Paulo Vieira de Souza, uma vez que ele completará 70 anos no mês que vem, o que reduz o prazo prescricional pela metade”, diz a nota do Ministério Público Federal, na manhã de sexta-feira (15/02).
O processo – um deles – contra o operador tucano Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ex-mandachuva da Dersa, a estatal rodoviária paulista, estava nas alegações finais, depois do que a juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, iria pronunciar a sentença.
Porém, Gilmar Mendes anulou a fase de alegações finais, a pedido da defesa, para que sejam ouvidas mais testemunhas.
Os réus – inclusive a filha de Vieira de Souza, Tatiana Cremonini, e dois funcionários da Dersa – são acusados pelos crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistema de informação e formação de quadrilha.
Ao todo, o desvio de dinheiro apurado nesse processo foi de R$ 7.725.012,18 (sete milhões, 725 mil, 12 reais e 18 centavos), em valores da época, ou seja, sem correção monetária.
Esse dinheiro foi tirado da verba destinada ao reassentamento de pessoas desalojadas pelo trecho sul do Rodoanel Mário Covas.
Os membros da quadrilha inseriam nomes de falsos moradores no sistema da Dersa – e, assim, desviavam dinheiro público.
Foram inseridos 1.800 nomes de falsos moradores, inclusive seis empregados ou empregadas de Paulo Vieira de Souza e sua filha, Tatiana. (v. a íntegra da denúncia do Ministério Público Federal).
PROTELAÇÃO
Com a clara estratégia de deixar o processo prescrever, a defesa de Paulo Preto empenhou uma série de recursos, todos recusados.
Paulo Preto já recorrera, inclusive, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3): “ambas as decisões afirmaram não ter havido cerceamento de defesa, pois cabe à Justiça de primeiro grau analisar a relevância e a necessidade das provas pleiteadas pela defesa”, lembram os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo.
Atropelando essas instâncias, Gilmar Mendes reabriu a fase de depoimento de testemunhas – o que fará, se essa decisão for mantida, com que Paulo Vieira saia livre, por decurso de prazo, ou seja, por prescrição do processo.
Trata-se de uma decisão peculiar: a juíza Maria Isabel do Prado não acha que precisa ouvir essas testemunhas extras, porque o conhecimento que já tem do caso dispensa outros depoimentos para formar a sua convicção.
Mais importante ainda, ela não considera que as testemunhas extras indicadas pela defesa tenham relevância para o caso.
Paulo Preto já apresentou suas testemunhas, na fase correspondente do processo.
Porém, Gilmar Mendes acha que a juíza deve ser obrigada a ouvir mais testemunhas de defesa – e apenas porque a defesa de Paulo Preto quer impor mais testemunhas à juíza, com o nítido sentido de postergar o julgamento do processo.
Estranhamente (ou nem tanto), registra o Ministério Público Federal, “o ministro Gilmar Mendes entendeu que o HC [habeas corpus] de Souza deveria ser distribuído a ele, uma vez que era o relator do Inquérito 4428”.
Esse inquérito é também sobre as atividades ilícitas do ex-diretor da Dersa. Mas não está nas mãos de Mendes porque, relata a força-tarefa da Lava Jato, “a Segunda Turma do STF já havia decidido, no último dia 12 de fevereiro, que não era mais competente para o inquérito mencionado e determinado a remessa dos autos para São Paulo”.
“Ou seja, a prevenção de Mendes [de que era ele que devia julgar o habeas corpus] se baseou em inquérito que, na véspera, em decisão colegiada com voto favorável do ministro, já havia sido baixado para a Justiça Federal Eleitoral” (grifo nosso).
Portanto, para beneficiar Paulo Vieira de Souza, Mendes passou por cima da sua própria decisão do dia anterior.
Os procuradores manifestaram sua esperança de que a Segunda Turma ou o Plenário do STF mudem a liminar concedida por Mendes, “em tempo de afastar o risco concreto e imediato de prescrição”.
CAIXAS DE DOCUMENTOS
Gilmar Mendes já soltou Paulo Vieira de Souza, pelo menos, duas vezes (o “pelo menos” é porque pode nos estar escapando alguma outra vez – ou algumas).
Por exemplo:
Gilmar dá fuga a Paulo Preto para desafogar tucanos
Gilmar Mendes solta o operador de propinas do PSDB
Ameaça à testemunha leva juiz a prender operador tucano, mas Gilmar o solta
Para procuradora, Gilmar Mendes mentiu ao soltar Paulo Preto
Em sua denúncia, no processo agora reaberto por Mendes, dizem os procuradores:
“Paulo Vieira coordenava a trama criminosa, com a inserção de familiares e pessoas próximas a ex-funcionária da Dersa e a ele próprio no Programa de Reassentamento Involuntário de Famílias do Rodoanel Sul, Jacu Pêssego e Nova Marginal Tietê.
“As fraudes ocorreram em lapso temporal elástico e duradouro (de 2009 a 2012), só sendo interrompidas porque um funcionário da Dersa, Alexander Gomes Franco, relatou o esquema ao Ministério Público no Estado de São Paulo.
“A materialidade e autoria delitivas restaram devidamente consubstanciadas por meio dos relatórios de auditoria interna da DERSA, pelos recibos de pagamento (3 caixas com 42 cadernos de pagamentos) e pelos termos de declarações”.
Esse trabalho, em verdade modelar, pode ser, em parte, perdido, se Gilmar Mendes conseguir a impunidade de Paulo Vieira de Souza.
Afinal, ele era um operador tucano…
C.L.