
Ministro sabia de tudo, afirma candidata a deputada estadual que denuncia o esquema do PSL de Minas para desviar dinheiro público
O Ministério Público em Minas Gerais vai ouvir a partir desta semana 20 pessoas envolvidas no inquérito que apura a denúncia de candidaturas-laranjas nas eleições de 2018 montadas pelo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, que era o presidente do PSL de Minas no período. O ministro se reelegeu deputado federal nas últimas eleições.
O MP de Minas expediu na segunda-feira (18) intimações e marcou data para ouvir os envolvidos no caso. O objetivo das candidaturas-laranjas era desviar dinheiro do fundo eleitoral.
A denúncia é que o ministro pediu ao órgão nacional do partido o repasse de R$ 279 mil do fundo eleitoral para candidatas-laranjas que somaram apenas 2 mil votos, mas repassaram ao menos R$ 85 mil para empresas ligadas aos assessores do atual ministro.
As candidatas foram Lilian Bernardino, Milla Fernandes, Débora Gomes e Naftali Tamar, todas de Minas Gerais. O valor solicitado por Marcelo Álvaro Antônio se refere aos 30% que os partidos devem destinar às candidaturas femininas. Ver Ministro do Turismo usou candidaturas laranjas para desviar dinheiro do fundo eleitoral
De acordo com o promotor eleitoral Fernando Abreu, responsável pelo caso, o inquérito pode evoluir para uma investigação sobre a ocorrência do crime de lavagem de dinheiro.
“A primeira coisa a fazer é certificar a existência dos candidatos-laranjas. Se essas pessoas receberam ou não os recursos e se gastaram em suas campanhas, se houve apropriação indébita de recursos públicos e falsidade ideológica. Depois, pode ser que se evolua para lavagem de dinheiro”, disse o promotor.
Estão intimados candidatos, empresários e colaboradores de Marcelo Álvaro durante a campanha e só depois será definido se o ministro também prestará depoimento.
As investigações vão se concentrar agora nas prestações de contas das quatro candidatas do PSL em Minas, e nas declarações dadas ao MP por Cleuzenir Souza Barros Pereira, que concorreu ao cargo de deputada estadual.
Cleuzenir afirmou em depoimento, em dezembro passado, que foi coagida a participar dos desvios pelo grupo de Marcelo Álvaro. Segundo ela, houve pressão para que ele devolvesse o dinheiro que recebeu da legenda via fundo eleitoral a pretexto de despesas que não foram feitas em sua campanha.
Professora aposentada, ela afirma que a pressão ocorreu, inclusive, com o uso de arma de fogo por um homem que trabalharia para o PSL na região.
De acordo com Cleuzenir, os representantes do partido em Minas prometeram um total de R$ 110 mil para sua campanha. “Afirmaram que R$ 50 mil viriam de doação da mãe de Marcelo Álvaro Antonio e R$ 60 mil do fundo eleitoral”, relatou. No entanto, ela afirma que recebeu só os R$ 60 mil do fundo eleitoral.
Um assessor do partido ligado ao atual ministro do Turismo disse para ela: “Manda R$ 50 mil e fica com R$ 10 mil para você fazer o que quiser”. “Respondi que não se pode fazer o que quiser com dinheiro de campanha”, relatou.
Dos R$ 60 mil recebidos do fundo eleitoral, Cleuzenir registrou R$ 12,7 mil como despesa com familiares – R$ 8.775 ao marido, Luiz Henrique Pereira, e R$ 4 mil para o irmão, Wilson Antonio Barbosa. Segundo ela, os valores registrados para o marido são referentes ao ressarcimento pelo uso dos automóveis do casal, que precisaram ser usados porque o PSL só liberou o dinheiro para campanha em 18 de setembro. O valor é lançado também como doação do marido.
Já os valores para o irmão, ela disse que foram para remunerá-lo pela coordenação da campanha. “Ele foi o principal coordenador” Cleuzenir contou que sofreu ameaças após ter feito a denúncia e por isso se mudou para Portugal. “Temo pela minha vida”, disse.
Em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, Cleuzenir garante que o ministro Marcelo Álvaro Antonio sabia de todo o esquema para desviar dinheiro.
“Ah, sabia. Sabia. Sabia”, afirmou.
Cleuzenir disse que contou todo o problema para assessores de Álvaro Antonio. “Antes de eu ir ao Ministério Público, eu me desloquei duas vezes para Belo Horizonte, que é longe, para falar com o PSL, o Aguinaldo [chefe de gabinete do escritório em Minas]. Chamei e falei: aconteceu assim, tá aqui os prints da conversa. O Robertinho e o Haissander fizeram isso. E eles não falaram nada. A polícia tem os áudios. Eu liguei para Brasília, falei com Jane, que é assessora do deputado. Eu falei: Jane, eu preciso falar com o deputado [Álvaro Antonio]. Contei tudo pra ela. E ela: quem resolve é o doutor Aguinaldo. Eu liguei pra ele depois, contei de novo. Ninguém fez nada”.
Questionada por que acha que o ministro de Bolsonaro sabia de todo o esquema, ela respondeu: “Esse Robertinho Soares é assessor dele há alguns anos. Eu contei pra Jane, em Brasília, também [é assessora dele]. O Agnaldo também trabalha há anos. Será possível que esses senhores iam pensar que isso poderia ficar impune? Ou não era uma ordem do chefe para fazer esse tipo de situação?”.
Em nota, o ministro Álvaro Antonio alega que as denúncias de Cleuzenir não têm credibilidade porque foi forçada a se aposentar por problemas mentais.
Ela rebateu: “Sou portadora de artrite reumatoide, que é uma doença incapacitante, que pessoa não pode trabalhar, mas para um cargo eletivo qualquer um pode concorrer. Pode estar em cima da cama. Com essa situação, de artrite reumatoide, eu fico com dor 24 horas por dia. Eles estão falando que eu sou louca. Quero deixar claro que a artrite é acompanhada por uma junta médica, com vários profissionais, inclusive psicólogos e psiquiatras. Como tem nutricionista e ortopedistas. Se eles insistirem com isso, eu vou querer passar por um teste psicológico. Agora eu fiquei louca?”.
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