
Além do esquema de lavagem comandado por Fabrício Queiroz, Flávio Bolsonaro montou um outro, envolvendo Valdenice de Oliveira Meliga, irmã dos milicianos Alan e Alex Rodrigues Oliveira, presos em agosto do ano passado na operação “Quarto Elemento” do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Ministério Público do Rio de Janeiro.
Segundo reportagem de revista IstoÉ deste final de semana, Valdenice assinou cheques de despesas da campanha em nome de Flávio Bolsonaro (PSL). Dona de uma empresa de eventos, a Me Liga Produções e Eventos, Valdenice recebeu procuração de Flávio Bolsonaro para assinar cheques.
Um dos cheques assinados por ela, no valor de R$ 5 mil, é destinado à empresa Alê Soluções e Eventos Ltda, que pertence a Alessandra Cristina Ferreira de Oliveira, que é funcionária do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj), com um salário de R$ 5,1 mil. Na época da campanha eleitoral, Alessandra exercia também a função de primeira tesoureira do PSL no estado.
Alessandra era tesoureira e dona da empresa Alê Soluções. Ela fez a contabilidade de outros 42 candidatos do PSL. Assim, a tesoureira, responsável por entregar e distribuir os recursos do partido, tinha parte do recurso de volta para as contas de uma empresa de sua propriedade.
A empresa de Alessandra recebeu cerca de R$ 55 mil das campanhas. A suspeita é de que eram “laranjas”, colocadas na chapa do PSL apenas para cumprir a cota de 30% reservada às mulheres, já que as 33 só receberam verba do diretório nacional, o dinheiro público do fundo partidário, quando faltavam poucos dias para a eleição.
Alessandra atuou em conjunto com o escritório Jorge L.A. Domingues Sociedade Individual de Advocacia, que tem como um dos sócios o advogado Gustavo Botto. Na prestação de contas à Justiça Eleitoral, Gustavo Botto também aparece como um dos administradores das contas de Flávio Bolsonaro.
No combo que coloca Alessandra como contadora e Botto como advogado, estiveram 36 campanhas do PSL na última eleição. No total, renderam ao escritório R$ 38 mil. Candidatas do PSL ouvidas pela Isto É relatam que, ao final, praticamente os únicos gastos que efetivamente fizeram em suas respectivas campanhas foram com a empresa de Alessandra e o escritório de Botto.
Apesar da empresa Alê Soluções estar localizada na Estrada dos Bandeirantes 11216, na Vargem Pequena, para o Tribunal Regional Eleitoral, no entanto, o endereço anotado é Avenida das Américas número 18000 sala 220 D, no Recreio dos Bandeirantes – endereço da sede do PSL do Rio de Janeiro. Situação semelhante acontece com o escritório Jorge L.A. Domingues Sociedade Individual de Advocacia. Para a Receita, o endereço informado é uma casa em Vila Valqueire. Para a Justiça Eleitoral, foi novamente a sede do PSL do Rio.
Os milicianos investigados Alan e Alex, irmãos de Valdenice, participavam da campanha de Flávio antes de serem presos.
Eles são acusados de terem desembolsado R$ 1 mil ao mês, ao longo de 2017 a policiais civis de Santa Cruz, para poderem manter um empreendimento imobiliário irregular longe da fiscalização. O terreno, chamado de Gabriela Residencial, chegou a ter material de propaganda confeccionado. Os lotes eram oferecidos a partir de R$ 600 mensais, com a possibilidade de aceite de carros como entrada.
Segundo o MPE, os investigadores, liderados por um delegado da Polícia Federal, chegaram, pela primeira vez, em janeiro de 2018, até o loteamento ilegal de Paciência a partir da colaboração de um informante, no bojo das investigações da Operação Quarto Elemento. O objetivo era verificar, como de fato ocorreu, a existência do empreendimento, um pedaço descampado de terra na altura do número 1300 da Rua Agaí, o que sustentaria a parte central da denúncia, a existência dos pagamentos ilícitos.
Preso em flagrante no local por crime ambiental, junto com outro sócio, ao carregar “areia e minério”, conforme documento da Justiça, em caminhões, o policial Alan foi posto em liberdade provisória na sequência, em 24 de janeiro, por não representar “situação de risco para a ordem pública e econômica”, conforme deliberação da juíza da 7ª Vara Federal Criminal, Caroline Vieira Figueiredo. O crime ambiental prevê prisão de 6 meses a 1 ano e multa.
A despeito da diligência policial de janeiro, entretanto, o empreendimento prosseguiu. Em 25 de abril de 2018 uma nova incursão ao terreno, desta vez no bojo de uma operação mais ampla contra as milícias na Zona Oeste, foi realizada pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), da Polícia Civil.
Uma nota da DPMA apontou nominalmente o condomínio Gabriela, entre outros da região, onde haveria “parcelamento irregular do solo”. Embora enfatize que a dita Operação, chamada de Nocaute, e que envolveu diversas delegacias especializadas na Zona Oeste, tenha sido contra as milícias, a nota oficial da DPMA não vinculava diretamente os condomínios alvos de buscas a milicianos.
Quatro meses depois, em agosto de 2018, Alan seria preso pela segunda vez, desta vez preventivamente, junto com o irmão, Alex, no bojo da já citada denúncia da segunda fase da Operação Quarto Elemento, do MPE. Os PMs Alan e Alex foram denunciados por promover, constituir, financiar e integrar organização criminosa. Presos preventivamente em agosto de 2018 foram soltos em dezembro. O processo corre na Segunda Vara Criminal de Santa Cruz.