
Privilégio de rentistas acima de tudo
E de quebra retirar da Constituição todas as definições do sistema
Na quarta-feira (20/02), Bolsonaro fez um pronunciamento, pela TV, sobre a reforma da Previdência.
Durante dois ou três minutos (ele não consegue mais, nem mesmo em um vídeo montado, com vários – e visíveis – cortes) desfiou uma fieira de bobagens, chavões reacionários de quinta classe, tão vazios – e tão idiotas – que dispensam qualquer comentário.
Mas, no meio da fieira, disse ele:
“Quero lembrar que, hoje, os homens mais pobres já se aposentam com 65 anos e as mulheres com 60, enquanto isso, os mais ricos se aposentam sem idade mínima.”
Não era essa gente que dizia, ainda ontem, que era necessária uma idade mínima porque os brasileiros se aposentavam muito cedo, aos 53 anos, 55 anos?
Bolsonaro falou em “homens mais pobres”. Mas a frase não quer dizer nada – exceto mais uma mentira – até pela sua continuação: “os mais ricos se aposentam sem idade mínima”.
Não é verdade.
Os mais ricos, simplesmente, não se aposentam.
Somente se aposenta, neste país, quem trabalha, quem vive de salário.
Quem não trabalha, quem não recebe salário, quem vive de rendas, de juros ou de lucros, não se aposenta.
Quando, por exemplo, Paulo Guedes, rentista e golpista na praça há muito tempo, vai se aposentar?
Nunca, pois ele nunca trabalhou. Portanto, não vai se aposentar, nem precisa se aposentar.
A frase de Bolsonaro, portanto, tem apenas o objetivo de ocultar o conteúdo de sua “reforma da Previdência”: confiscar recursos dos que trabalham – e dos que trabalharam – para passá-los aos que nunca trabalharam, e, por isso, não precisam de aposentadoria e nem vão se aposentar.
Ou seja, passar mais recursos do povo, dos que trabalham – operários, professores, juízes – para aquela pequena, pequeníssima, camada de rentistas, de parasitas, que vive, precisamente, de se apropriar dos recursos daqueles que trabalham.
É verdade, a ocultação de Bolsonaro foi bisonha e canhestra – mas isso é o máximo que consegue um sujeito bisonho e canhestro.
Pode ser até que ele acredite nas bobagens que o Guedes lhe fez repetir.
CONSTITUIÇÃO
A cada momento se descobre mais um rato aninhado na reforma da Previdência de Guedes/Bolsonaro, até mesmo que, por ela, até a idade para a aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) poderia ser alterada por lei complementar (v. Molon denuncia manobra do governo para afastar ministros do STF).
Não se trata de pouca coisa: uma alteração na cúpula do Poder Judiciário, através de uma rasteira na Constituição (e na Justiça), afastando ministros para colocar outros no lugar.
Toda a tentativa de destruir a Previdência Social de Bolsonaro e Guedes é assim: uma tentativa de trapacear a Constituição.
É, portanto, um atentado à Constituição.
Imagine o leitor a seguinte situação: um governo que apresentasse uma emenda constitucional anulando a Constituição.
É óbvio que emendas constitucionais não podem anular a Constituição.
No entanto, é exatamente isso que Guedes e Bolsonaro querem fazer com os dispositivos da Constituição que cuidam dos direitos previdenciários do povo brasileiro: uma emenda constitucional contra a própria Constituição, para dela retirar a Previdência.
Não abstraímos, na comparação acima, que existem “cláusulas pétreas” na Constituição, que não podem ser alteradas por emenda constitucional. Mas esse é exatamente o caso dos direitos sociais – por exemplo, o de aposentar-se. Caso contrário, seria possível restabelecer a escravidão por emenda constitucional, atropelando a Constituinte que elaborou e aprovou a Constituição (v. as observações de um jurista: Carta aberta sobre a reforma da Previdência (PEC 6/2019)).
Guedes está propondo que os trabalhadores morram antes de aposentar-se ou morram de fome, de doença e de aflição depois de aposentar-se – não é uma figura de linguagem – para “economizar” R$ 1 trilhão e 72 bilhões em 10 anos (e R$ 4 trilhões e 497 bilhões em 20 anos).
“Economizar” – como Guedes esclarece – é não pagar aos aposentados.
Para fazer isso, Guedes quer mudar as regras para tornar a aposentadoria inviável ou muito difícil.
E, para mudar as regras, Bolsonaro e Guedes querem tirar a Previdência da Constituição, para que seja mais fácil, por lei complementar, tirar direitos, impedir aposentadorias e negar pensões por morte.
É isso o que eles chamam de “economizar”.
EUFORIA
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não é adversário da “reforma da Previdência”, notou, na segunda-feira (25/02), que, com o aumento do tempo mínimo de contribuição, de 15 para 20 anos, a aposentadoria seria inviável para um grande número de pessoas, já que, hoje, “70% já não conseguem se aposentar pelo tempo de contribuição”.
Guedes, além da idade mínima de 65 anos, quer exigir um mínimo de 20 anos de contribuição.
É óbvio que o deputado Maia tem razão, assim como em suas críticas ao rebaixamento para R$ 400 nos proventos dos mais pobres, aqueles que recebem através do Benefício de Prestação Continuada (BPC), hoje no valor de um salário mínimo.
Porém, Guedes pretende tirar R$ 182 bilhões desses idosos mais pobres, que, fora seu benefício, têm renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo.

Para que Guedes quer que as trabalhadoras rurais, por exemplo, somente se aposentem aos 60 anos, depois de 20 anos de contribuição – e contribuição anual de R$ 600 reais?
Evidentemente, para que elas não se aposentem.
Daí a declaração do líder do DEM na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), de que as alterações de Guedes na aposentadoria rural não têm a menor chance de serem aprovadas. O deputado acrescentou:
“Acho que quem é técnico, burocrata, não sabe o que significa uma mulher que trabalha mais do que o homem no campo, acordar às 4h da manhã para buscar uma lata de água na cabeça para cozinhar para seus filhos e depois pegar na enxada para trabalhar. Uma mulher no campo trabalha em pé, no sol, quase não descansa.”
Para que Guedes quer estabelecer que os idosos mais pobres, que já mencionamos, recebam apenas R$ 400 por nove anos (dos 60 aos 69 anos), para que só então possam ter direito, aos R$ 70 anos, a um salário mínimo?
Evidentemente, para que eles não cheguem aos 70 anos.
Assim, Guedes quer desviar R$ 1 trilhão.
Desviar para quem?
Para os que nunca trabalharam, para os parasitas do setor financeiro, para bancos e outros rentistas.
Não é uma ilação. Notemos a euforia:
“O ministro da Economia, Paulo Guedes, já deixou claro que, na avaliação dele, uma economia abaixo abaixo de R$ 1 trilhão é inaceitável.
O mercado, no entanto, já precificou a desidratação e considera aceitável se, em uma década, o ajuste atingir 60% da promessa de governo, em torno de R$ 700 bilhões.
“Para a consultoria de risco político Eurásia, o impacto fiscal da reforma da Previdência deve cair para algo entre R$ 400 bilhões e R$ 600 bilhões após as negociações no Congresso.
“A estimativa do Citibank, que leva em conta o que ocorreu com a reforma proposta por Temer, é de uma contenção de RS 500 bilhões nos próximos 10 anos.
“A agência de classificação de risco Standard & Poor’s assume um ajuste gradual, convergente com ganho fiscal do substitutivo, ou seja, algo entre R$ 450 bilhões e RS 600 bilhões no período.
“A economista e sócia da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro projeta R$ 800 bilhões. O analista da mesma instituição Fábio Klein pontua que a proposta é bastante forte. ‘Se chegar a 60% ou 70% do RS 1,2 trilhão, já será uma boa economia’, afirma” (cf. “Otimismo mesmo se ganho for 40% menor”, Correio Braziliense, 25/02/2019, grifo nosso).
E por aí vai.
O mesmo jornal publica uma tabela de quanto esses sanguessugas acham que conseguirão tirar dos aposentados:

SEQUIOSOS
Por que o galinheiro financeiro está tão agitado com a proposta de assaltar os trabalhadores em um trilhão, fazendo cálculos, estimativas e adivinhações sobre quanto será efetivamente o roubo, etc. & etc.?
Porque o dinheiro é para eles. Ou seria, se a tentativa de Bolsonaro passasse.
O que eles estão calculando são os seus ganhos com a “reforma” de Guedes e Bolsonaro – mais os ganhos desejados do que os possíveis.
Mas não tenhamos dúvida de que eles querem transformar a sua ganância em realidade.
Enquanto isso, a mídia dessa malta capricha na propaganda do elixir que cura desde unha encravada até zika, Aids e tuberculose. A “reforma” de Bolsonaro e Guedes, de repente, tornou-se mais milagrosa que pó de pemba e as pílulas de frei Galvão.
Um dos seus corifeus diz, na TV, que vão ser criados 6 milhões de empregos com a reforma da Previdência.
Outro esclareceu que serão 8 milhões os empregos.
Poderia aparecer mais um para dizer que serão 100 milhões de empregos – e não faria a menor diferença.
Como é que roubar as aposentadorias ou matar idosos irá criar seis, oito ou cem milhões de empregos?
Outro apareceu, em um jornal, para dizer que sem a reforma da Previdência a economia entrará em recessão no primeiro semestre de 2020 – esse até marcou a data da recessão, como se fossem os aposentados, e não eles e sua política, que afundaram o país na crise.
Retirar dinheiro dos aposentados teria, evidentemente, como consequência, um achatamento, maior ainda do que hoje, do mercado interno.
Até porque, na maioria dos municípios brasileiros – em geral, com exceção dos 500 maiores, municípios pequenos – a base do consumo, da renda circulante, são as aposentadorias e pensões da Previdência Social.
Logo, o assalto ao dinheiro dos aposentados serviria para afundar mais a economia do país – inclusive aumentar o desemprego e a recessão.
Mas não é – nem pode ser – um acaso que, na tentativa de aprovar o esbulho de Guedes e Bolsonaro, se recorra a esse festival de falsificações, as mais estapafúrdias.
E a “reforma” de Bolsonaro nem começou a tramitar (v. Sem parte dos militares, projeto sobre Previdência não começará tramitação, afirma Rodrigo Maia) – e o povo mal começou a se manifestar.
Mas eles sabem o repúdio que a “reforma” de Guedes/Bolsonaro já provocou.
Aliás, até no Congresso, como disse, na segunda-feira, um prócer governista, que calculou que, para aprovar a “reforma” de Bolsonaro, o governo tem, hoje, mais ou menos o mesmo número de votos que a oposição tem para rejeitá-la.
Não sabemos se é verdade – e jamais o povo brasileiro, em sua História, contou com facilidades, sobretudo quando a luta foi vitoriosa.
Mas o governo precisa de 308 suicidas políticos na Câmara para passar essa infâmia…
CARLOS LOPES
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