Pedido do partido de Bolsonaro levaria à implantação de uma política higienista que amontoaria crianças em instituições mal estruturadas
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, nesta quinta-feira (8), improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PSL que pedia a flexibilização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para liberar a apreensão de crianças em situação de rua.
O partido de Jair Bolsonaro queria permitir que a polícia apreendesse crianças por “perambulação”, mas o Supremo, por unanimidade, reafirmou o ECA e garantiu o direito de ir e vir de crianças e adolescentes com a punição para quem privar os menores da liberdade sem ordem judicial.
O relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou que os pedidos levariam à implantação de uma política higienista que amontoaria crianças em instituições mal estruturadas.
“Para os autores [do pedido], o autoritarismo dos tempos atuais não ocorre mediante rupturas bruscas, mas sim através de progressivas restrições das liberdades civis, incluindo as liberdades de ir e vir, de expressão e associação, razão pela qual é importante que os agentes públicos e as instituições estejam atentas a esses sinais. Nesse sentido, cabe ao STF, enquanto guardião dos direitos e liberdades fundamentais, coibir condutas que, em última análise, enfraquecem as regras do regime democrático e do Estado de Direito”, destacou o ministro.
O PSL havia pedido que o STF declarasse inconstitucionais, entre outros, os artigos 16, inciso I, e 230 do ECA.
A norma veda a detenção de crianças e adolescentes para averiguação, ou por motivo de perambulação, desde que determinada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.
O inciso I do artigo 16 do Estatuto diz que o direito à liberdade da criança e do adolescente compreende, entre outros, o de “ir e vir e estar em logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais”.
O artigo 230 institui pena de detenção de seis meses a dois anos a quem “privar a criança ou adolescente de sua liberdade, procedendo a sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente”.
O que diz o PSL
Sobre o direito à liberdade das crianças e adolescentes, a ação do partido bolsonarista diz que “frequentemente crianças praticam sucessivos atos infracionais graves, são apreendidas e encaminhadas dezenas de vezes aos Conselhos Tutelares. Levadas aos abrigos, que são instituições abertas e transitórias — verdadeiras casas da mãe Joana— entram e saem no mesmo dia ou no dia seguinte. O Estatuto não prevê uma advertência”.
Por fim, o partido contestou o trecho do ECA que restringe a internação a casos de ato infracional grave (ato cometido mediante agressão ou violenta ameaça) de reiteração de infrações ou de descumprimento de medida socioeducativa imposta anteriormente.
O que diz o Supremo Tribunal Federal
Gilmar Mendes negou todos os pedidos do PSL e afirmou: “O pedido formulado nesta ação busca eliminar completamente o direito de liberdade dos menores, restabelecendo a já extinta ‘prisão para averiguações’, que viola a norma do artigo quinto da Constituição segundo a qual ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente’”, disse.
Segundo o ministro, apreender crianças andando na rua, poderia servir “para a implementação de uma política higienista que, em vez de reforçar a tutela dos direitos dos menores, restringiria ainda mais o nível de fruição de direitos, amontoando crianças em unidades institucionais sem qualquer preocupação com o bem-estar desses indivíduos”.
Quanto às crianças menores de 12 anos, Gilmar considerou que a decisão do legislador de não aplicar medidas mais severas a essa faixa etária “é compatível com a percepção de que a criança é um ser em desenvolvimento que precisa ser, acima de tudo, protegida e educada”.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF, acompanharam integralmente o voto do relator.
Ao acompanhar o voto de Mendes, Barroso defendeu a educação básica e aproveitou para tocar em temas atuais que são caros ao governo Bolsonaro e a seus apoiadores. “Quem achar que o problema da educação é Escola sem Partido, ideologia de gênero ou saber se 64 foi golpe está assustado com a assombração errada”, disse o ministro.
DECISÃO
Ao comentar a decisão do Pleno do STF, o PSL se limitou a dizer: “Isto quer dizer que as crianças carentes, ainda que integrantes deste quadro dantesco e desumano, não mais poderão ser recolhidas pois adquiriram o direito de permanecer na sarjeta”