O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), designado relator do projeto de lei sobre licenciamento ambiental (PL n.o 3.729/2004) pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rompeu acordos anteriormente firmados e apresentou, de última hora, um substitutivo que, segundo os especialistas, torna o licenciamento exceção, em vez de regra.
Durante audiências públicas realizadas entre junho e julho, foram ouvidos especialistas da indústria, o governo, o Ministério Público, a comunidade científica e ambientalistas para se chegar a pontos de vista comuns.
O deputado parecia que respeitaria os consensos construídos durante os debates. Mas a quarta versão do documento foi acertada por ele com governistas e ruralistas.
Entre os pontos introduzidos na calada da noite no projeto estão:
1 – Exclusão de impactos classificados como “indiretos” do licenciamento ambiental, o que serviria como motor para o aumento do desmatamento na Amazônia e de conflitos sociais e ambientais;
2 – Definição do autolicenciamento (por adesão e compromisso) como regra para todos os empreendimentos que não causem significativo impacto, o que implica o fim do licenciamento regular e a proliferação de riscos de novos desastres ambientais, como os de Mariana e Brumadinho;
3 – Aplicação de autolicenciamento também para empreendimentos de significativo impacto, como a ampliação e a pavimentação de rodovias, inclusive na Amazônia;
4 – Permissão para cada estado e município dispensar atividades de licenciamento, abrindo as portas da corrupção e de uma guerra anti-ambiental entre entes federativos para atrair investimentos;
5 – Dispensas de licenciamento para atividades de impacto, como “melhoria” e “modernização” de infraestrutura de transportes;
6 – Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, travestida de inscrição no Cadastro Ambiental Rural;
7 – Supressão da localização do empreendimento como critério para definir o grau de rigor do licenciamento, deixando de lado a diferença entre instalar uma atividade em área ambientalmente frágil ou fazê-lo em área sem relevância ambiental;
8 – Incentivo à irregularidade com o uso de licença corretiva desprovida de qualquer parâmetro;
9 – Eliminação da avaliação de impactos sobre milhares de áreas protegidas, tornando inexistentes, para fins de licenciamento, 29% das terras indígenas, 87% dos territórios quilombolas e 543 unidades de conservação da natureza;
10 – Extinção da responsabilidade de instituições financeiras por dano ambiental, minando importante instrumento de indução da regularidade nas cadeias produtivas.
Entidades ambientalistas protestaram contra as mudanças que desfiguraram o projeto original. As entidades apoiaram a afirmação de que Kataguiri apresentou, “de última hora”, um substitutivo que “torna o licenciamento exceção, em vez de regra”.
“A nova versão traz graves retrocessos, como a exclusão de impactos ‘indiretamente’ causados por obras, dispensas de licenciamento para atividades de ‘melhoria’ e ‘modernização’ de infraestrutura de transportes e a eliminação da avaliação de impactos sobre milhares de áreas protegidas”, escreveu a ONG SOS Mata Atlântica, uma das signatárias da nota.
Kataguiri deixa mal o presidente da Câmara que, ao designá-lo, orientou que todos os esforços mirassem o consenso. A opção pelo confronto, estimulada pela ganância desbragada do bolsonarismo, visa o desmonte generalizado do licenciamento ambiental.
Auxiliares de Maia dizem que o parlamento tem que ter agenda própria para não se reduzir à condição de correia de transmissão das políticas predatórias do Executivo, que já comprometem a imagem do Brasil e colocam em risco a recuperação da economia.