(*)MAMEDE SAID
Se você é Presidente da República e põe na cota de seus inimigos a ONU, o STF, a CNBB, a OAB, os veículos de imprensa, os partidos políticos, as centrais sindicais, o melhor a fazer é entregar o boné e procurar o caminho de casa.
Qualquer pessoa sensata que chegasse ao cargo de Chefe da Nação exerceria o mandato governando para todos os brasileiros. Mas Bolsonaro, com seu despreparo e destempero, governa com os olhos voltados para os 30% de eleitores que são adeptos de seus métodos radicais, ao tempo em que hostiliza frequentemente as instituições e a massa de brasileiros que não concorda com sua estreita visão de mundo.
O Brasil é um país diverso e plural. Nele não cabem o sectarismo e a exclusão bolsonarista. Como é fácil constatar, a chegada de Bolsonaro à Presidência foi um traumático e infeliz acidente de percurso. Que não tardará, porém, a ser corrigido, o futuro dirá!
PACIÊNCIA DOS CHILENOS CHEGOU AO FIM
O Chile festejado em prosa e verso pelos neoliberais está agora cobrando a conta pelos sacrifícios impostos a seu povo por 30 anos de um sistema econômico que sacrificou o Estado e as políticas públicas e fez a festa dos tubarões privados. No Chile dos “Chicago boys” quase tudo foi privatizado, como Paulo Guedes e Jair Bolsonaro querem que ocorra no Brasil: o gás, o cobre, os sistemas de saneamento, saúde, educação, transporte, rodovias. Na previdência, os aposentados foram submetidos a fundos de pensão privados e descobrem, na velhice, que não têm como sobreviver. Recebem pensões miseráveis, caem no desespero e o resultado é o incremento do número de suicídios entre idosos. Entre os jovens, cursar uma universidade acaba por submetê-los a dívidas praticamente impagáveis.
As massivas manifestações que se espalharam por Santiago e outras cidades mostram que a paciência da sociedade chilena chegou ao limite. Mais que protestar contra o aumento das tarifas do metrô, como aconteceu no Brasil com as jornadas de junho de 2013, o que o povo chileno quer agora é o fim do sistema econômico que é a menina dos olhos do “mercado” e de governantes como Bolsonaro.
A brutal repressão do governo contra os manifestantes, com a decretação do estado de emergência, toque de recolher e uso das Forças Armadas, resultou em 19 mortos e milhares de feridos e detidos. Em consequência da insurreição que tomou conta do país, o presidente chileno é obrigado a recuar, anunciando aumento nas pensões e no salário mínimo, além de pedir que seus ministros renunciem. E Bolsonaro, antevendo que pode ser vítima de manifestações semelhantes, pôs-se a classificar os protestos no Chile como “atos terroristas” (sic).
Como é avesso à democracia e desconhece inteiramente o que são liberdades públicas, o presidente brasileiro ameaça dizendo que tem conversado com os militares e que “a tropa tem que estar preparada” para ser acionada. No seu raciocínio estreito cabe apenas a “defesa da lei e da ordem”, mas não o direito da sociedade de se manifestar, opondo-se às políticas nefastas e aos governos autoritários. Sem o que as mudanças não ocorrem, nem a política será colocada a serviço dos verdadeiros interesses da população.
(*) Mamede Said é professor universitário e Diretor da Faculdade de Direito da UnB