Mais de 50 entidades científicas de todo o país criticaram uma portaria do ministro da Educação do governo Bolsonaro, Abraham Weintraub, publicada em 31 de dezembro de 2019, que impede o deslocamento de pesquisadores brasileiros pelo país ou pelo mundo.
As entidades endossaram uma carta enviada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ao Ministério da Educação solicitando revisão urgente da medida que impede o desenvolvimento da ciência brasileira.
A Portaria n° 2.227 dispõe sobre os procedimentos para afastamento de pesquisadores da sede e do país e concessão de diárias e passagens em viagens nacionais e internacionais pelo MEC.
As organizações pedem a revisão, em especial, do artigo 55, que estabelece um limite para grupos de trabalho científico de somente DOIS PESQUISADORES por unidade, órgão ou entidade vinculada, para participar de eventos dentro do País e UM ÚNICO pesquisador quando o evento acontecer no exterior.
Segundo o texto, qualquer exceção deverá conter “autorização prévia e expressa do Secretário Executivo” do MEC. Ou seja, será o próprio Ministério e, portanto o “imprecionante” Weintraub que definirá qual pesquisador pode participar de algum evento ou pesquisa científica.
“No Brasil, existe uma grande tradição de apoiar e estimular a participação de jovens pesquisadores com trabalhos inscritos em congressos científicos. A restrição a essa mobilidade contribuirá para o empobrecimento da formação do jovem cientista brasileiro, fato que não ocorre em nenhum outro país que preze pela ciência e a tecnologia”, alertam as entidades.
As organizações alertam que a restrição “afetará seriamente as diversas sociedades científicas, pois praticamente inviabilizará suas reuniões anuais, que proporcionam a interação entre os grupos de pesquisa no país, beneficiando especialmente os jovens pesquisadores.”,
“As agências de pesquisa e os pesquisadores brasileiros têm envidado grandes esforços para melhorar a qualidade da ciência feita no Brasil. Uma das melhores maneiras para atingir esse objetivo, reconhecida internacionalmente, consiste em estimular a mobilidade dos pesquisadores, através de acordos bilaterais, participação em eventos científicos e discussão de parcerias internacionais”.
“Essa Portaria acarreta um risco iminente para missões bilaterais e grandes colaborações internacionais, nas quais a participação brasileira tem tido grande destaque”, diz a carta.
DESRESPEITO À AUTONOMIA
A Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação (SOCICOM) alertou para a ilegalidade da portaria já que ela fere a Constituição Brasileira ao desrespeitar a autonomia universitária.
“Vale, portanto, ponderar que o Artigo 55 da Portaria 2.227/19 fere o Artigo 207 do Capítulo III da Constituição Federal, que diz que as ‘Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão’; visto que limita a liberdade de gestão das Instituições Federais, por um lado, e, por outro, objetiva destruir a tridimensionalidade do conhecimento e os vínculos indissociáveis entre ensino, pesquisa e extensão, limitando inicialmente a visibilidade da produção científica das IFES, e objetivando a médio prazo coibir ações de pesquisa no âmbito das Universidades Federais, responsáveis pela maior parte da produção científica do Brasil”, denuncia a entidade.
“O Ministério da Educação no atual Governo segue em seu firme propósito de desmantelar o sistema público de ensino superior construído ao longo de décadas, assim como de desarticular toda a cadeia de construção da pesquisa, direcionando a política nesse âmbito, para uma atuação mercadológica, o que limitará o acesso da população mais pobre às universidades, como também, restringirá as investigações científicas ao interesse do mercado”, ressalta o documento.
Leia mais:
Veja a manifestação da ABC e da SBPC:
Senhor Ministro,
As entidades abaixo relacionadas vêm à vossa presença solicitar que seja revista a Portaria nº 2.227, de 31 de dezembro de 2019, que dispõe sobre os procedimentos para afastamento da sede e do país e concessão de diárias e passagens em viagens nacionais e internacionais, a serviço, no âmbito do Ministério da Educação, no que se refere ao artigo 55 descrito a seguir.
Art. 55. A participação de servidores em feiras, fóruns, seminários, congressos, simpósios, grupos de trabalho e outros eventos será de, no máximo, dois representantes para eventos no país e um representante para eventos no exterior, por unidade, órgão singular ou entidade vinculada.
Parágrafo único. Somente em caráter excepcional e quando houver necessidade devidamente justificada, por meio de exposição de motivos dos dirigentes das unidades, o número de participantes poderá ser ampliado mediante autorização prévia e expressa do Secretário-Executivo.
Nesse sentido, fazemos as seguintes considerações:
As agências de pesquisa e os pesquisadores brasileiros têm envidado grandes esforços para melhorar a qualidade da ciência feita no Brasil. Uma das melhores maneiras para atingir esse objetivo, reconhecida internacionalmente, consiste em estimular a mobilidade dos pesquisadores, através de acordos bilaterais, participação em eventos científicos e discussão de parcerias internacionais.
Reuniões científicas são da mais alta relevância na vida de um cientista. Nelas, pesquisadores apresentam e discutem com colegas seus novos trabalhos, em distintos estágios de desenvolvimento, incluindo descobertas preliminares, dados coletados recentemente ou dados que estão aguardando publicação. A participação intensa da comunidade científica nacional nessas reuniões é condição necessária para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Devido ao crescimento exponencial do conhecimento científico, é comum ter, em uma mesma unidade ou grupo de pesquisa, cientistas que, embora reunidos em torno de um tema, trabalham em projetos e subáreas distintas. Por isso mesmo, é frequente, em reuniões nacionais e internacionais, a participação de membros de uma mesma unidade ou grupo de pesquisa.
A formação do jovem pesquisador requer que, desde cedo, ele participe de congressos científicos no seu país de origem e no exterior. No Brasil, existe uma grande tradição de apoiar e estimular a participação de jovens pesquisadores com trabalhos inscritos em congressos científicos. A restrição a essa mobilidade contribuirá para o empobrecimento da formação do jovem cientista brasileiro, fato que não ocorre em nenhum outro país que preze pela ciência e a tecnologia.
Tal restrição afetará seriamente as diversas sociedades científicas, pois praticamente inviabilizará suas reuniões anuais, que proporcionam a interação entre os grupos de pesquisa no país, beneficiando especialmente os jovens pesquisadores.
O conhecimento e a informação têm impacto significativo na vida das pessoas. O compartilhamento de conhecimento e informação tem o poder de transformar economias e sociedades, conforme preconiza a UNESCO para o século XXI. Assim, a limitação de participação de, no máximo, dois servidores em feiras, fóruns, seminários, congressos, simpósios, grupos de trabalho e outros eventos no país, e de um representante para eventos no exterior, por unidade, órgão singular ou entidade vinculada, não se adequa à realidade do papel da universidade e das instituições de ensino, pesquisa, extensão, tecnológicas e de inovação no mundo globalizado.
Essa Portaria acarreta um risco iminente para missões bilaterais e grandes colaborações internacionais, nas quais a participação brasileira tem tido grande destaque.
A Portaria do MEC inibe a interação entre os pesquisadores brasileiros, prejudica a internacionalização e o protagonismo da ciência e da tecnologia nacionais. Urge revisá-la.
Atenciosamente,
Luiz Davidovich
Presidente da Academia Brasileira de Ciências
Ildeu de Castro Moreira
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Além da ABC e da SBPC, a carta é subscrita pelas seguintes entidades:
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF)
Associação Brasileira de Cristalografia (ABCr)
Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM)
Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP)
Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET)
Associação Brasileira de Linguística (Abralin)
Associação Brasileira de Pesquisa em Cibercultura (Abciber)
Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas (Abrapcorp)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS)
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL)
Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF)
Compós – Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação
Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies)
Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação (SOCICOM)
Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE)
Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis.
Sociedade Botânica do Brasil (SBB)
Sociedade Brasileira de Automática (SBA)
Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBf)
Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC)
Sociedade Brasileira de Computação (SBC)
Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia (EcotoxBR)
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC)
Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine)
Sociedade Brasileira de Farmacognosia (SBFgnosia)
Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE)
Sociedade Brasileira de Física (SBF)
Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)
Sociedade Brasileira de Ictiologia (SBI)
Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI)
Sociedade Brasileira de Matemática (SBM)
Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC)
Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBMicro)
Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNec)
Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMAT)
Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP)
Sociedade Brasileira de Química (SBQ)
Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)
Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ)
União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc-Brasil)