ANTÔNIO CATETE* – presidente do Sindifisco-Pará
Há um provérbio que diz que “pessoas medíocres falam de pessoas, pessoas comuns falam de fatos, pessoas inteligentes falam de ideias.”
Convém analisar a questão do vazamento de rejeitos químicos da Hydro e o comportamento do Estado brasileiro e paraense de várias formas. Algumas manifestações destacam o desastre ambiental com sua repercussão na população e no entorno. Outros destacam os R$ 7,5 bilhões de renúncia fiscal em virtude da renovação de benefícios sobre o consumo de energia elétrica da empresa, ofertados pelo governo estadual.
Há os que dão maior ênfase para a não geração de empregos pelo setor que representa em torno de 30% do Produto Interno Bruto do Pará e ocupa menos de 0,5% da mão de obra. Há, ainda, aqueles que apenas querem promover o debate do palanque eleitoral em virtude das eleições que se avizinham.
Embora reconheça a procedência de todos os enfoques, é imperioso entender que está em andamento, há vários anos, um projeto de desconstrução do país e que, por consequência, decreta a falência do Estado nacional.
Não são poucas as manifestações a demonizarem o Estado brasileiro, defendendo que a esmagadora maioria das atividades seja entregue à iniciativa privada, na triste ilusão de que esses “grandes empreendimentos” cuidarão de tudo e de todos que lhes estejam afetos.
É, porém, infantilidade acreditar que empresas que têm o lucro como propósito venham a cumprir espontaneamente ou por “condicionantes” todas as suas obrigações, quer sejam ambientais, tributárias, trabalhistas etc., unicamente pelos belos e caridosos olhos da população necessitada ou pela consciência ecológica ambiental.
Não têm sido poucas as pessoas que perguntam: por que essas empresas não agem dessa forma nos países onde se sediam seus donos? Muito simples é a resposta: lá o Estado existe, é forte, respeitado e não transfere as suas responsabilidades ao empreendimento que deve ser acompanhado em todas as suas atividades, muito menos são concedidas “renúncias fiscais” e cobradas “condicionantes”, diga-se esmolas para justificar as vultosas cifras que desfalcam o Estado.
A carga tributária suportada pelos noruegueses é de mais de 42% do PIB do país, sua população é inferior a do Pará, seu PIB é próximo ao do Brasil. Lá, ao contrário daqui, investe-se no Estado, cuida-se da população, oferece-se estrutura e oportunidade ao empreendedorismo. Em contrapartida, fiscaliza-se e os infratores sabem que as transgressões serão punidas.
“Hoje, num cenário de Estado exageradamente concessivo, ao contrário de desenvolvimento, são gerados desastres ambientais, estagnação da produção tecnológica diante da exportação de produtos primários, a não diversificação produtiva e, por fim, a falência da economia local, com desemprego desesperador”
No Brasil, diferentemente, criou-se a cultura de que quanto menos Estado e menos tributos, melhor para a população. A indagação pertinente que se faz aí é: para qual população? Renúncias fiscais são concedidas a rodo. Sucateia-se a máquina pública, desvalorizam-se os servidores, desgastam-se as instituições e, ao final, cobra-se do agente público a eficiência sem lhes dar condições mínimas para o desenvolvimento de suas atividades. Não se quer, com isso, justificar falhas individuais.
O setor de extração mineral no Brasil tem carga tributária inferior a 5%, diante de uma carga tributária média suportada pela população de aproximadamente 33%, onde os mais pobres suportam carga norueguesa e os mais ricos pagam impostos equivalentes a paraísos fiscais.
Com o advento da Lei Kandir em 1996, que teve suas previsões inseridas na Constituição Federal em 2010, passou a vigorar a desoneração sobre produtos primários e semielaborados para o exterior. Apenas para aclarar o que estamos a expor: caso as operações da Hydro fossem tributadas, seriam gerados aproximadamente R$ 400 milhões de ICMS por ano ao Pará, cabendo aos municípios dos solos explorados cerca de 100 milhões. Imagine o leitor como seria a qualidade de vida das pessoas e os serviços oferecidos à população. Seria muito mais do que alguns litros de água e umas cestas básicas.
Hoje, num cenário de Estado exageradamente concessivo, ao contrário de desenvolvimento, são gerados desastres ambientais, estagnação da produção tecnológica diante da exportação de produtos primários, a não diversificação produtiva e, por fim, a falência da economia local, com desemprego desesperador.
A ideia do presente artigo é fazer de mais esse desastre ambiental com seus muitos significados um motivo para de fato se repensar o modelo de Estado, mãe dos grandes milionários do Brasil e algoz da população mais necessitada. Em outras palavras, evocar o caso para debater a causa em busca de soluções.
O fim da Lei Kandir, defendido pelo Sindifisco em campanhas institucionais, acompanhado de uma reforma tributária que tenha como princípio a carga tributária proporcional à riqueza das pessoas, assim como o fortalecimento do Estado e o alívio aos mais necessitados, é o desafio e a oportunidade que se apresentam a todos os agentes sociais que querem, verdadeiramente, mudar a trajetória do Pará e do país. A hora é de fazer diferente de tudo o que está aí.
*Antonio Catete é auditor fiscal do Estado do Pará e presidente do Sindifisco-PA. Artigo retirado do Blog Ver O Fato, do jornalista Carlos Mendes