Eleição e posse de Lula e entrada da PF nas investigações dão esperanças a parentes da vereadora morta em 2018; defensores de direitos humanos, porém, dizem que não houve avanços desde a prisão dos supostos assassinos, em 2019. Há nesse processo misto de esperança e ceticismo passados meia década
Passados exatos 5 anos do assassinato da vereadora fluminense Marielle Franco (PSol), completados nesta terça-feira (14), parentes da parlamentar morta por milicianos apostam na mudança de clima político no Brasil, com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para que os investigadores do crime — no qual também foi morto o motorista Anderson Gomes — cheguem ao motivo e ao mandante — ou mandantes — do duplo homicídio.
As investigações em curso precisam elucidar duas perguntas que não querem calar durante esses 5 anos após o assassinato da vereadora: quem mandou matar Marielle? E por quê?
Recente ingresso da PF (Polícia Federal) nas investigações trouxe novo alento aos familiares da ativista morta, embora defensores de direitos humanos que acompanham o caso consideram que as apurações estão empacadas há anos e demonstrem ceticismo em relação à medida do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Desde a prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz como executores, ainda em 2019, não há notícias sobre avanços nas investigações, marcadas por trocas de delegados e promotores e até por longa espera por resposta a pedido de informações da polícia ao Google, que vai ser examinado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Todavia, não foi apenas a saída de Jair Bolsonaro (PL) do Palácio do Planalto que animou os familiares da vereadora morta.
O comprometimento com as investigações, que julgam ter identificado no novo governo — do qual Anielle Franco, irmã de Marielle, é ministra da Igualdade Racial —, trouxe esperança de que finalmente vai haver desfecho para a apuração do crime, que consideram político.
A elucidação desse crime também será alento para a sociedade, pois o assassinato de agente política e pública, como foi o caso da vereadora, faz com que essa mesma sociedade tenha menos ceticismo em relação às instituições públicas.
ENTRADA DA PF NAS INVESTIGAÇÕES
No fim de fevereiro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou a entrada da PF na investigação, em colaboração com a Polícia Civil do Rio e o Ministério Público estadual — após acordo com a PGJ (Procuradoria Geral de Justiça) fluminense, evitando, assim, a ideia de que a iniciativa era intervenção federal no inquérito estadual.
Afirma-se que a PF dispõe de tecnologias mais modernas, que poderiam acelerar a apuração, além de contar com núcleo de inteligência bem capacitado.
“Há muitos indícios, eu diria até óbvios, de que os executores não agiram sozinhos”, disse Flávio Dino depois de anunciar a entrada da PF na investigação.
“Por isso, é muito importante retomar e concluir as investigações, para que haja Justiça plena e também para que todos entendam que a política se resolve no voto e não na bala, como alguns, infelizmente, acreditavam e ainda acreditam”, acrescentou.
Na semana passada, em entrevista à CNN, a ministra Anielle Franco afirmou que a abertura do inquérito da PF é positiva.
“Sempre quis que o governo falasse sobre o tema, mostrasse disposição e vontade de resolver, algo que não tivemos nos últimos 4 anos”, criticou. “Conversei com [Flávio] Dino, a entrada da PF traz esperança para a família. O crime precisa ser solucionado, será uma resposta à democracia”, enfatizou.
DESIGNADOS NOVOS PROMOTORES
Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, designou 7 novos promotores para compor a força-tarefa responsável por investigar a morte de Marielle e Anderson. O crime provocou protestos no Brasil e em outros países e gerou cobranças ao governo brasileiro no exterior.
Os novos promotores ainda não tiveram tempo de ler o inquérito, mas já se reuniram com os parentes de Marielle e Anderson, além de representantes da Anistia Internacional e da Justiça Global, que acompanham o caso.
“Eu continuo confiante. Tenho que manter essa esperança sempre. Não posso, em momento algum, depois desses 5 anos, desanimar. É meia década de incerteza, de mudanças na Polícia, no Ministério Público, nos governos, mas a gente está confiante”, afirmou a mãe de Marielle, a advogada Marinete Silva.
“Agora, com o aval do presidente Lula, acredito que vamos conseguir avançar. Do Flávio Dino também, que se comprometeu, publicamente, a ajudar, que colocou a Polícia Federal à disposição”, lembrou.
CETICISMO NO EXTERIOR SOBRE O CASO
Diretora da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, reconheceu que o clima político atual é mais favorável à elucidação do crime. Ainda assim, mostrou-se pouco otimista com o futuro das investigações.
“Já passou tempo demais. Não temos resultado nenhum, ninguém foi condenado, os mandantes não foram estabelecidos, as causas não foram explicitadas”, afirmou.
“O que a gente tem são 6 delegados de polícia, 2 procuradores-gerais de Justiça, 11 promotores. As coisas se perderam. O Brasil se perdeu e nós já perdemos muito. Mas, claro, tenho esperança de que consigam recuperar parte do que se perdeu para apresentar uma resposta”, afirmou.
O defensor público Fábio Amado, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio, que acompanha o caso, concorda com a diretora da Anistia Internacional.
“Percebemos uma lentidão nas investigações em relação ao(s) mandante(s) e as constantes trocas dos responsáveis nos respectivos órgãos públicos certamente aumentam a demora na solução desse inquérito”, afirmou. “O ingresso da Polícia Federal, com seu aparato tecnológico, pode contribuir substancialmente com as investigações.”
Jurema Werneck se mostrou menos confiante em relação à PF.
“A PF já poderia ter respondido se a arma usada no crime era mesmo da Polícia Civil, se a munição usada, da Polícia Federal, foi desviada nos Correios”, enumerou. “Veja quanta coisa a PF já poderia ter respondido, que não dependia da investigação do Rio, e não respondeu até hoje. Então, não há nenhuma evidência de que a chegada da PF vá melhorar as coisas”.
Desde a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz em 2019, poucos dias antes de o crime completar 1 ano, nenhum resultado oficial da investigação foi apresentado nem pelo MP, nem pela Polícia Civil.
GOOGLE É REQUISITADO PARA FORNECER DADOS
Ainda no inquérito que apontou Lessa e Queiróz como executores, a polícia requisitou ao buscador Google que liberasse os dados de todos que fizeram buscas com o nome da vereadora ao longo de 4 dias antes do assassinato e no próprio dia do crime na região do Centro onde houve a emboscada.
A empresa acatou outros pedidos da Polícia, mais específicos, mas considerou que a quebra de sigilo ampla e aleatória pedida pelos investigadores é inconstitucional.
A questão segue em debate, agora no STF.
“O grande problema é que a polícia parou nessa história de receber as respostas do Google”, afirmou o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio, Rafael Borges. “Não sei se a PF tem aparato técnico para avançar nisso.”
Jurema Werneck concorda.
“Se formos depender só do Google para investigar homicídios não chegaremos a lugar nenhum”, criticou. “Existem outras técnicas de investigação, o Google é um buscador para nós, não para a polícia. A verdade é que correram para apresentar Ronnie Lessa e Élcio Queiróz como executores, e nos 4 anos seguintes, não aconteceu mais nada. A investigação parou no primeiro ano.”
ACESSO AOS AUTOS
Outro problema apontado é o que familiares e defensores de direitos humanos consideram falta de transparência nas investigações. Apenas o MP e a Polícia Civil têm acesso aos autos do inquérito que apura os mandantes do crime. Os advogados das famílias das vítimas e a Defensoria Pública pedem o mesmo direito no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
“Quanto ao inquérito policial referente ao mandante, não obtivemos acesso, mas estamos postulando no Superior Tribunal de Justiça, para garantir que a família tenha efetivamente resguardado seu acesso à Justiça e possa incidir na condução da investigação e identificação dos autores intelectuais dos delitos”, afirmou o defensor público Fábio Amado, que acompanha o caso.
O defensor afirmou considerar “indevida e injustificável” a recusa aos defensores das vítimas e familiares deles ao acesso aos autos da investigação.
Segundo ele, o STF já diz que o advogado do indiciado/acusado tem amplo direito de acessar os elementos de prova já documentados no inquérito policial ou no procedimento investigatório do MP, segundo a Súmula Vinculantes 14.
“Não é razoável nem justo que esse direito seja garantido ao indiciado porém negado às vítimas, que são justamente as pessoas mais prejudicadas pela ação criminosa”, afirmou.
POLÍCIA E MP
A PF confirmou a abertura do inquérito, mas informou que não pode dar mais informações por causa do sigilo da investigação.
A Polícia Civil não respondeu ao pedido de entrevista feito pelo Estadão. Também sob alegação de sigilo, o MPRJ se limitou a informar sobre a troca dos promotores e a reunião com a família de Marielle.
Não comentou a questão do Google nem do acesso aos autos. Ronnie Lessa e Élcio de Queiróz negam ter cometido o duplo assassinato, mas continuam presos.
O resgate da democracia e do Estado de Direito, com a vitória de Lula, estarão mais completos se as investigações, agora também sob a responsabilidade da PF, conseguirem responder duas perguntas para além da retórica, que se reafirma: quem mandou matar Marielle? E por quê?
M. V.