Porteiro recebeu autorização da residência de Bolsonaro para deixar Élcio Queiroz entrar no condomínio onde também morava Ronnie Lessa
O depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra – de que um dos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes entrou no condomínio, poucas horas antes do crime, para ir, segundo disse, à casa de Jair Bolsonaro – foi confirmado pelos registros da portaria, obtidos pelo Jornal Nacional, da TV Globo, e divulgados na terça-feira (29/10).
“No dia do crime, o porteiro trabalhava em uma guarita, a única que controla os acessos ao condomínio Vivendas da Barra. Às 17h10, do dia 14 de março de 2018, ele registra, à mão, no livro de visitantes, o nome de quem entra, Élcio, o carro, um Logan, a placa, AGH8202, e a casa que o visitante iria, a de número 58”.
A casa 58 é a de Jair Bolsonaro. Élcio é Élcio Queiroz, que dirigia o carro do qual Ronnie Lessa atirou em Marielle.
Segundo o relato do porteiro, quando Élcio chegou, ele ligou para a casa 58 para saber se havia permissão para que o visitante fosse à casa de Bolsonaro.
Uma voz, que o porteiro identificou como “de seu Jair”, concedeu a permissão.
O porteiro confirmou esse relato em dois depoimentos. Mais importante, também o registro escrito confirma que Élcio Queiroz entrou no condomínio para ir à casa de Bolsonaro.
Entretanto, disse também o porteiro que “acompanhou a movimentação do carro pelas câmeras de segurança e viu que o carro tinha ido para a casa 66 do condomínio”.
A casa 66 era a de Ronnie Lessa, que efetuou os disparos que mataram Marielle e Anderson.
Disse o porteiro que, quando viu isso, ligou outra vez para a casa 58 – a casa de Bolsonaro – e a mesma voz, por ele identificada como de “seu Jair”, disse que sabia para onde Élcio estava indo.
Bolsonaro, entretanto, estava em Brasília – aliás, naquele dia fez o possível para aparecer em Brasília (além das duas votações em que registrou sua presença na Câmara, gravou mais de um vídeo, tanto dentro do seu gabinete quanto fora dele).
De quem era, então, a voz que o porteiro identificou como de “seu Jair”?
Minutos depois da chegada de Élcio Queiroz, ele e Ronnie Lessa saíram para assassinar Marielle Franco.
Ronnie Lessa, que morava no mesmo condomínio – aliás, na mesma rua – de Bolsonaro é assassino pertencente ao Escritório do Crime, cujo chefe, Adriano Magalhães da Nóbrega, era um íntimo de Fabrício Queiroz, faz-tudo de Bolsonaro.
Nóbrega, além de ter a mãe e a mulher recebendo pelo gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, foi homenageado duas vezes, por proposta desse filho de Jair Bolsonaro, inclusive com a Medalha Tiradentes, a mais alta condecoração do Estado do Rio de Janeiro.
COMPOSTURA
Na Arábia Saudita, meia hora depois do Jornal Nacional ter revelado o depoimento do porteiro de seu condomínio, Bolsonaro gravou um vídeo de 23 minutos, acusando o governador do Rio, Wilson Witzel, de querer destruí-lo, vazando para a TV Globo a investigação do assassinato de Marielle.
Muito histérico, descomposto, babando na gravata, Bolsonaro berrou coisas como “Vocês, TV Globo, o tempo todo infernizam a minha vida, porra! Patifes, canalhas, não vai colar!”.
Haja liturgia do cargo…
Uma frase soou ainda mais estranha: “É um orgasmo da TV Globo ver um filho meu preso!”.
O estranho não é o uso desse linguajar sexual, a rigor, pornográfico (ou, como dizia um psiquiatra amigo nosso, pornofônico).
O estranho é: que filho? E porque fez o quê?
Talvez ele se referisse a Flávio Bolsonaro, que até agora só escapou das investigações devido ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que paralisou 700 inquéritos criminais no Brasil – todos os que tinham por base dados do Coaf, Receita e Banco Central – para impedir que os delitos do filho de Bolsonaro fossem investigados.
Ou será que não é isso? Ou será que no dia em que os assassinos de Marielle se encontraram para perpetrar o crime, havia um filho seu na casa 58, cuja voz foi confundida com a do “seu Jair”?
Não é uma afirmação. Mas é algo que, evidentemente, ocorre a qualquer um, pois vozes de filhos e pais são, em geral, muito parecidas.
C.L.