“No momento em que o povo palestino mais precisa de apoio, os países ricos decidem cortar a ajuda humanitária à Agência da ONU para os Refugiados da Palestina (UNRWA)”, criticou o presidente brasileiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou na tarde desta quinta-feira (15), durante sessão extraordinária da Liga dos Estados Árabes, no Cairo (Egito), e voltou a defender uma solução de paz para o conflito entre Israel e a Palestina.
Para ele, a única maneira de garantir um futuro digno para a população palestina é que ela possa ter seu território e sua autonomia reconhecidos pela comunidade internacional.
ESTADO DA PALESTINA
“A posição do Brasil é clara. Não haverá paz enquanto não houver um Estado palestino, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como capital. A decisão sobre a existência de um Estado palestino independente foi tomada há 75 anos pelas Nações Unidas”, disse ele.
“Não há desculpas para impedir o ingresso da Palestina na ONU como membro pleno. A retomada das negociações de paz é uma causa universal. E é a nossa causa”, afirmou o presidente.
Assista ao discurso do presidente Lula na Liga Árabe
Presidente Lula participa de sessão do Conselho de Representantes da Liga dos Estados Árabes https://t.co/TlFH9vwvnJ
— Lula (@LulaOficial) February 15, 2024
O secretário-geral da Liga dos Estados Árabes, o egípcio Ahmed Aboul Gheit, afirmou que os países integrantes da instituição ficaram muito felizes com o retorno do Brasil a suas relações “normais” com os países árabes, após o que qualificou como um período “turbulento”.
CORTE DA AJUDA
Para o presidente, a decisão de diversos países alinhados a Israel de cortar o financiamento à UNRWA, a agência da ONU que presta auxílio aos refugiados da Palestina no Oriente Médio, pode ter consequências humanitárias graves. Ele anunciou que o Brasil seguirá apoiando a entidade.
“No momento em que o povo palestino mais precisa de apoio, os países ricos decidem cortar a ajuda humanitária à Agência da ONU para os Refugiados da Palestina (UNRWA). As recentes denúncias contra funcionários da agência precisam ser investigadas, mas não podem paralisá-la. Refugiados palestinos na Jordânia, na Síria e no Líbano também ficarão desamparados. É preciso pôr fim a essa desumanidade e covardia. Meu governo fará novo aporte de recursos para a UNRWA. Exortamos todos os países a manter e reforçar suas contribuições”, declarou.
RESPOSTA DESPROPORCIONAL
No discurso, o presidente Lula voltou a reforçar a posição do Brasil sobre o conflito, condenando veementemente não apenas o ataque do Hamas contra Israel, mas também destacando que a resposta israelense tem sido desproporcional e causado perdas irreparáveis com vítimas majoritariamente civis, como mulheres, crianças e idosos.
“A reação desproporcional e indiscriminada de Israel é inadmissível e constitui um dos mais trágicos episódios desse longo conflito. As perdas humanas e materiais são irreparáveis. Não podemos banalizar a morte de milhares de civis como mero dano colateral”, lamentou.
Leia o discurso do presidente Lula na íntegra
É uma satisfação estar de volta à sede da Liga dos Estados Árabes depois de 20 anos.
Agradeço ao senhor Secretário-Geral e a todos os presentes a valiosa oportunidade de trazer-lhes a palavra do Brasil.
Temos grande orgulho dos laços históricos e culturais que nos unem ao mundo árabe.
Reconhecemos e valorizamos a inestimável contribuição ao nosso país e ao progresso da humanidade.
O Brasil foi o primeiro país latino-americano a receber o status de observador nesta organização.
Tive a honra de ser o primeiro Chefe de Estado brasileiro a ocupar esta tribuna em 2003.
O compromisso da Liga Árabe com a promoção da estabilidade e do desenvolvimento faz desta organização uma voz a ser ouvida atentamente nas grandes questões do nosso tempo.
Estamos resgatando a vocação universalista de nossa política externa.
Queremos reavivar e aprofundar nossas parcerias com o Sul Global, com quem compartilhamos tantas visões, valores, desafios e expectativas.
As visitas que hoje faço ao Egito e à Liga Árabe se somam às que fiz aos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Catar.
Elas refletem nosso desejo de retomar o diálogo e a colaboração.
Mantemos representações diplomáticas residentes em 18 dos 22 países que compõem a Liga Árabe.
Queremos aproveitar o legado deixado pelas Cúpulas entre a América do Sul e os Países Árabes.
É imenso o potencial em setores como comércio, investimentos, meio ambiente, ciência e tecnologia, cultura e cooperação para o desenvolvimento.
A força da relação entre o Brasil e os países da Liga também se mostra no nosso dinamismo comercial.
O aumento do comércio, que era de US$ 5,4 bilhões em 2003, passou para US$ 30 bilhões em 2023, e isso é motivo de contentamento e otimismo.
No atual exercício da presidência brasileira do G20, estamos priorizando a inclusão social e o combate à fome e à pobreza; a promoção do desenvolvimento sustentável e a transição energética; e a reforma das instituições de governança global.
Em 2025, realizaremos, no Brasil, a COP-30 sobre mudança do clima.
Espero contar com a ativa participação dos países da Liga Árabe em Belém, no coração da Amazônia, para essa discussão essencial para o futuro do planeta.
Também no próximo ano, sediaremos a Cúpula do BRICS, que agora conta com a participação de três integrantes da Liga: Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes Unidos.
Com o reforço do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) pelo ingresso de novos membros, vamos continuar trabalhando para que o BRICS continue a ser uma força positiva em um mundo multipolar.
Senhoras e senhores,
Retorno ao Cairo no contexto da terrível catástrofe humanitária na Faixa de Gaza.
Na minha última visita, a Liga Árabe havia apresentado a Iniciativa Árabe pela Paz, que representava uma opção equilibrada e realista para a resolução do conflito entre Israel e a Palestina.
Assim como outras iniciativas antes dela, infelizmente os esforços da Liga foram em vão.
O ataque do Hamas de 7 de outubro contra civis israelenses é indefensável e mereceu veemente condenação do Brasil.
A reação desproporcional e indiscriminada de Israel é inadmissível e constitui um dos mais trágicos episódios desse longo conflito.
As perdas humanas e materiais são irreparáveis.
Não podemos banalizar a morte de milhares de civis como mero dano colateral.
Em Gaza, há quase 30 mil vítimas fatais, na maioria crianças, idosos e mulheres. 80% da população foi forçada a deixar suas casas.
Ante nossos olhos, a população de Gaza sofre de fome, sede, doenças e outros tipos de privações, como alerta a Organização Mundial de Saúde.
A situação na Cisjordânia, que já era crítica, também está se tornando insustentável.
No momento em que o povo palestino mais precisa de apoio, os países ricos decidem cortar a ajuda humanitária à Agência da ONU para os Refugiados da Palestina (UNRWA).
As recentes denúncias contra funcionários da agência precisam ser devidamente investigadas, mas não podem paralisá-la.
Refugiados palestinos na Jordânia, na Síria e no Líbano também ficarão desamparados.
É preciso pôr fim a essa desumanidade e covardia.
Basta de punição coletiva.
Meu governo fará novo aporte de recursos para a UNRWA (ÚNRUA). Exortamos todos os países a manter e reforçar suas contribuições.
A tarefa mais urgente é estabelecer um cessar-fogo definitivo que permita a prestação de ajuda humanitária sustentável e desimpedida e a imediata e incondicional liberação dos reféns.
A persistência do conflito na Palestina vai muito além do Oriente Médio.
Seus efeitos podem levar a cenários imprevisíveis e catastróficos.
Propusemos e defendemos resoluções no Conselho de Segurança, cuja Presidência exercemos em outubro.
Apoiamos o processo instaurado na Corte Internacional de Justiça pela África do Sul sobre a aplicação da Convenção para a Repressão e Punição do Crime de Genocídio.
Operações terrestres na já superlotada região de Rafah prenunciam novas calamidades e contrariam o espírito das medidas cautelares da Corte.
É urgente parar com a matança.
A posição do Brasil é clara.
Não haverá paz enquanto não houver um Estado palestino, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital.
A decisão sobre a existência de um Estado palestino independente foi tomada há 75 anos pelas Nações Unidas.
Não há mais desculpas para impedir o ingresso da Palestina na ONU como membro pleno.
A retomada das negociações de paz é uma causa universal.
E é a nossa causa.
Por isso, quero renovar meus votos de paz e prosperidade a todos vocês.
Queria terminar dizendo que o Brasil vai continuar, nos próximos anos, a defender o reconhecimento do Estado Palestino como Estado soberano, não apenas pela ONU, mas também no território, para que os palestinos possam construir suas vidas em paz e com o respeito do restante do mundo.
Por isso, eu quero agradecer à Liga Árabe, dizer para vocês da importância que vocês têm nesse processo de chamar a atenção da humanidade e levar em conta, secretário, que nós precisamos ter um debate muito importante para que a gente repense a Organização das Nações Unidas, para que a gente repense a nova governança global. Não é possível que a ONU seja governada pelos países que saíram vitoriosos ou perdedores da Segunda Guerra Mundial.
É importante lembrar que o mundo mudou; a geopolítica mudou. Os países ficaram maiores e mais importantes. Não tem nenhuma explicação o continente africano não ter nenhum representante nas Nações Unidas, e poderia ter dois, três. Não tem nenhum sentido a América do Sul e a América Latina não ter nenhum representante. Não tem nenhum sentido um país como a Índia estar fora, como a Alemanha estar fora.
Ou seja, é preciso repensar para que a gente aumente o número de países no Conselho de Segurança. É preciso pensar e acabar com o direito de veto. E é preciso pensar que, se a ONU não levar muito a sério a existência do seu Conselho de Segurança Permanente, o mundo não terá paz. Porque são os membros do Conselho Permanente da ONU, os países que produzem armas, os países que vendem armas e os países que ultimamente têm feito as guerras.
Foi assim no Iraque, foi assim na Líbia, sabe. A Rússia não pediu para ninguém para invadir a Ucrânia. Ou seja, nós estamos, a ONU, totalmente enfraquecida numa tomada de decisão para que Israel cumpra uma das decisões que a ONU tomou ao longo desses anos.
Por isso, eu venho aqui para dizer para vocês da minha primeira persistência em continuar lutando pela paz. A paz é a única possibilidade que a gente tem de construir desenvolvimento e melhoria de vida do povo. A segunda coisa, eu venho aqui para dizer da minha solidariedade ao povo palestino, porque há muitos anos eu defendo a necessidade do povo palestino ter seu território livre e soberano.
E venho aqui para reafirmar aos países árabes, da mesma forma que nós somos contra o Hamas, nós somos contra o comportamento de Israel, nós somos contra a guerra, porque o Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país do mundo e a gente acha que somente com o fim da guerra é que a gente pode construir o tão sonhado mundo de paz.
Muito obrigado a vocês e queria dizer que a paz esteja com todos nós. Um abraço.