A jornalista Mirian Leitão afirmou, em sua coluna no O Globo de domingo (12), que Bolsonaro “gostaria de ser o exterminador da imprensa”. “Principalmente daquela que incomoda, que insiste, que esclarece, que investiga”, acrescentou.
A jornalista, que é considerada uma porta-voz do mercado financeiro, duvidou que Bolsonaro pudesse estar brincando quando fez as ameças contra jornalistas.
“Não sei se ele tentou fazer uma brincadeira. Talvez não, porque o humor e a ironia não são seus pontos fortes e são recursos de linguagem que exigem bastante do cérebro. Seu histórico é mesmo de agressões”, disse Miriam.
“Suas ofensas frequentes aos repórteres na porta do Palácio da Alvorada podem ser definidas como assédio. Como fazem os valentões, ele sempre se cerca da sua claque, aposta na impunidade e dispara seus mísseis cheios de machismo, homofobia, mentiras e desprezo por valores democráticos”, prosseguiu.
“O que existe de comum entre os jornalistas e o Ibama é que estariam todos extintos, se dependesse apenas dele. Inclusive o órgão de defesa do meio ambiente brasileiro. Muitas vezes
este governo constrangeu publicamente funcionários do Ibama, ou de outros órgãos do Estado brasileiro, que, contudo, seguem fazendo seu trabalho. E para o desgosto presidencial os jornalistas também
permanecerão”, apontou a jornalista do grupo Globo.
Em seu ataque à democracia e à imprensa, no inicio do mês, Jair Bolsonaro disse que jornalistas são uma “raça em extinção” e que ler jornal “envenena”. Bolsonaro afirmou que vincularia os repórteres ao Ibama, órgão que, entre outras atribuições, defende animais ameaçados. “Vocês são uma espécie em extinção. Eu acho que vou botar os jornalistas do Brasil vinculados ao Ibama”, afirmou.
Segue a coluna de Mirian Leitão
O jornalismo muda e permanece
MIRIAN LEITÃO
Não sei se ele tentou fazer uma brincadeira. Talvez não, porque o humor e a ironia não são seus pontos fortes e são recursos de linguagem que exigem bastante do cérebro. Seu histórico é mesmo de agressões. O presidente Jair Bolsonaro disse que os jornalistas são animais em extinção que deveriam ser entregues ao Ibama. Suas ofensas frequentes aos repórteres na porta do Palácio da Alvorada podem ser definidas como assédio. Como fazem os valentões, ele sempre se cerca da sua claque, aposta na impunidade e dispara seus mísseis cheios de machismo, homofobia, mentiras e desprezo por valores democráticos.
Ele gostaria de ser um exterminador da imprensa. Principalmente daquela que incomoda, que insiste, que esclarece, que investiga. Bolsonaro preferia que o país tivesse apenas os seres amestrados que se definem como jornalistas mas são escolhidos por ele pela certeza de que nunca vão incomodá-lo ou surpreendê-lo. Serão dóceis depositários de falas suas. Esses sim se extinguirão quando ele deixar o poder, ou então vão atracar-se como cracas ao novo poder que se formar.
O jornalismo continuará sendo indispensável e continuará a existir. O papel institucional do bom jornalismo é requisito básico para o funcionamento das instituições democráticas. O presidente confunde seus desejos com prognósticos, quando ameaça de extinção um ou outro órgão de imprensa, ou então quando imagina o fim de toda uma categoria.
A imprensa passa por transformações intensas. Muda o modelo de negócios, a maneira como se apuram as informações, a forma como a notícia é apresentada e a intensidade com que o fluxo de dados e fatos circula. Alguns nichos de mercado desaparecem e outros surgem constantemente. Nessa voragem, os jornalistas vão trocando de equipamentos, aprendendo a usar novas técnicas, entrando e saindo de plataformas. Mas não é o fim da atividade, é que a tecnologia acelerou o ritmo de mudanças que sempre estiveram ligadas ao jornalismo. Mesmo quando alguns órgãos fecham, reduzem-se os profissionais necessários para executar uma tarefa, velhas fontes de receita diminuem, não é o jornalismo acabando. É a transformação com a qual a imprensa sempre conviveu. Mudar é a nossa matéria. E, como seres inquietos que são os jornalistas, acho que não ficariam felizes na placidez. Por mais inquietante que seja este momento, os jornalistas estão testando as novas fronteiras das possibilidades.
Nos tempos das redes sociais, há uma confusão e é nela que o presidente está apostando. O transmissor do último fato pode não ser jornalista. Muitas vezes essa pessoa é um elo importante na circulação da notícia, mas sobre cada evento os repórteres profissionais se debruçarão com sua técnica de apuração e checagem, separando, como sempre fizeram, os boatos das informações sólidas e verificáveis. Bolsonaro se convenceu de que, se não ler os jornais, ficará melhor. Chegarão a ele apenas os elogios e a postagem dos áulicos. Governará mal qualquer um que se afaste das críticas ou tente apagá-las, por autoritarismo ou incapacidade de conviver com a discordância.
Bolsonaro se convenceu também, equivocadamente, de que pode continuar se comunicando através de transmissões em que aparece ao lado de pessoas que são ornamentos, sem qualquer espaço para o contraditório. E que os robôs comandados por gente da família ou pessoas contratadas com dinheiro público serão suficientes para conduzir as tendências da opinião pública. Eles criam os trending topics com suas repetições programadas e acham que isso os transforma em criadores de realidades. O que eles fazem circular são calúnias, difamações, mentiras, propaganda. Isso não é jornalismo. O gabinete do ódio dentro do Palácio do Planalto sobrevive porque as instituições não foram eficientes até o momento para defender a sociedade brasileira dessa perigosa distorção, financiada com o dinheiro público.
O que existe de comum entre os jornalistas e o Ibama é que estariam todos extintos, se dependesse apenas dele. Inclusive o órgão de defesa do meio ambiente brasileiro. Muitas vezes este governo constrangeu publicamente funcionários do Ibama, ou de outros órgãos do Estado brasileiro, que, contudo, seguem fazendo seu trabalho. E para o desgosto presidencial os jornalistas também permanecerão.