Bolsonaro anunciou que vai manter o seu líder no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), apesar das provas de que agasalhava propinas quando era Ministro da Integração Nacional, no governo Dilma Rousseff.
Entretanto, a manifestação do então procurador geral da República em exercício, Alcides Martins, ao Supremo Tribunal Federal (STF), deve ser a mais contundente já emitida (e por escrito) pelo Ministério Público contra um líder de um governo no Brasil:
“[as provas] permitem concluir, além de qualquer dúvida razoável, que o senador Fernando Bezerra de Souza Coelho, então Ministro de Estado da Integração Nacional, e o deputado federal Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho, em comunhão de desígnios com empresários, operadores financeiros e emissários, receberam vantagens indevidas obtidas com as obras Canal do Sertão e a Transposição do Rio São Francisco, relacionadas ao Ministério da Integração Nacional” (cf. PGR, AC n° 4.430, Inq. n° 4.513, 24/09/2019, p. 4, grifo nosso).
A corrupção, no entanto, não é um problema para Bolsonaro, quando é em família. Pelo contrário. E ele considera que os seus cupinchas, e os oportunistas que orbitam o governo, são uma extensão de segunda classe da família, tal como alguns novos-ricos consideram os seus criados uma extensão subalterna de si mesmos – ou como os capos da Cosa Nostra fazem com seus “capitães” e “soldados”.
A manifestação do procurador Alcides Martins é uma defesa da busca e apreensão no gabinete de Bezerra Coelho e de seu filho, o deputado federal Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE), determinada pelo relator do processo no STF, ministro Luís Roberto Barroso, a pedido da Polícia Federal (PF) – e realizada no último dia 19 (v. HP 19/09/2019, PF faz busca e apreensão contra o líder de Bolsonaro no Senado).
O procurador Martins tem um estilo extraordinariamente conciso. Daí, ser possível expor com alguma facilidade como se chegou à conclusão, além de qualquer dúvida razoável, de que o líder de Bolsonaro é um contumaz propineiro – pois, o que o resultado da busca e apreensão demonstra é que não foi porque passou de ministro da Dilma a líder de Bolsonaro que ele deixou de sê-lo.
PROVAS ANTERIORES
O procurador, em sua manifestação ao STF, elenca os elementos que já existiam antes da busca e apreensão no gabinete do líder de Bolsonaro – isto é, exatamente, os elementos que demandaram a necessidade da busca e apreensão.
1) As provas mostraram que o líder de Bolsonaro pediu propinas, através de seu operador, Iran Padilha Modesto, para ele e para seu filho, Fernando Bezerra Coelho Filho, ministro das Minas e Energia do governo Temer e deputado federal (DEM-PE), tanto quando era ministro da Integração como quando senador. E, mais: “Também dissimulou a origem dos valores recebidos diretamente de infração penal, através de um esquema de lavagem de capitais, envolvendo empresários, pessoas jurídicas, operadores e outros políticos” (PGR, p. 3).
2) Quem pagou a propina?
As empreiteiras OAS, Barbosa Mello, Paulista e Constremac Construções.
Foram comprovados encontros do preposto de Bezerra Coelho, Iran Padilha Modesto, com operadores a serviço da OAS, Barbosa Mello, Paulista e Constremac Construções.
Existe uma gravação de um desses encontros, para acertar um pagamento de R$ 4 milhões ao atual líder de Bolsonaro (“Lá no apartamento de Fernandinho… ali eu tenho acesso, toda hora, todo instante”, diz um deles ao operador de Bezerra Coelho, sugerindo a residência do filho deste para um encontro com o pai).
Posteriormente, as confissões de João Carlos Lyra, Arthur Roberto Lapa Rosal e Eduardo Freire Bezerra, que operavam pelo lado das empreiteiras, detalharam o “pagamento sistemático” de propinas, em um valor de R$ 5,538 milhões [cinco milhões e 538 mil reais] a Bezerra pai e a Bezerra filho (cf. resumo do ministro Luís Roberto Barroso, em sua Decisão de 09/09/2019, determinando a busca e apreensão no gabinete de Bezerra Coelho).
Mais: a investigação conseguiu identificar o caminho do dinheiro, a partir das propinas em obras do Ministério da Integração Nacional, entre os anos de 2010 e 2014.
3) O que Bezerra dava, em troca da propina?
Sobre isso, merece citação literal o seguinte trecho (já parcialmente mencionado) da manifestação da PGR. O grifo é do procurador:
“Em todos os documentos mencionados pela autoridade policial ao longo da representação, há perfeita convergência de locais, datas, valores e circunstâncias, obtidos pela Polícia Federal em momentos diferentes, oriundos de fontes diferentes, produzidos em épocas e por vias diversas, que permitem concluir, além de qualquer dúvida razoável, que o senador Fernando Bezerra de Souza Coelho, então Ministro de Estado da Integração Nacional, e o deputado federal Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho, em comunhão de desígnios com empresários, operadores financeiros e emissários, receberam vantagens indevidas obtidas com as obras Canal do Sertão e a Transposição do Rio São Francisco, relacionadas ao Ministério da Integração Nacional”.
Para um resumo mais extenso das provas obtidas pela PF antes da busca e apreensão, ver a Decisão do ministro Barroso.
APREENSÃO
Seria ocioso – ou sem importância, como disseram alguns – a busca e apreensão no gabinete do líder de Bolsonaro, se não fossem os achados e itens apreendidos pela Polícia Federal.
Alguém poderia argumentar que a PF não tinha como saber que esses itens estavam lá. A única resposta possível é que, exatamente por isso, a busca e apreensão era necessária.
Uma lista sintética do que foi encontrado (os grifos são do procurador Alcides Martins):
I) No gabinete do deputado federal Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho apreendeu-se um HD contendo documentos referentes ao investigado André Gustavo da Silva, suposto operador financeiro do Deputado Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho, bem como do senador Fernando Bezerra de Souza Coelho.
II) No gabinete do deputado federal Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho também encontrou-se computador com documentos que se referem a pessoas físicas e jurídicas investigadas.
III) No gabinete do senador Fernando Bezerra de Souza Coelho, bem como no gabinete da liderança [do governo], encontraram-se documentos diretamente relacionados com os fatos investigados, como, por exemplo, pagamentos à Construtora Barbosa Mello.
IV) No computador de mesa que estava na estação de trabalho usada pelo servidor João Paulo Decco de Faveri, bem como em um HD localizado na estação de trabalho do servidor Marlon Foguel, foram identificados arquivos que fazem referência a pagamentos destinados a pessoas jurídicas citadas na investigação e relação de doadores de campanha política (um dos arquivos era denominado, incrivelmente, ‘DOADORES OCULTOS’).
V) Nos HDs e celulares apreendidos havia dados relacionados aos fatos investigados, bem como a manutenção de contatos da chefe de gabinete Maria Adyleane com as pessoas investigadas.
VI) Documento que pode revelar indícios de associação entre os investigados/referidos na investigação e terceiros, a anotação faz referência a Excelsius Participações S.A (vinculada ao investigado e/ou seus familiares), em conjunto com demais registros (nomes e contas bancárias), que possam ser de interesse à investigação.
VII) Manuscrito com referência inicial a Pedro, podendo se tratar de Pedro de Souza Leão Coelho [outro filho do líder de Bolsonaro], com registros que vinculam números à cidade, em uma soma ao final. Cotejando esses dados com os já obtidos na investigação e com aqueles eventualmente apreendidos nessa data por outras equipes, pode-se encontrar alguma relação direta ou transversa com as hipóteses criminais.
VIII) Uma folha de papel A4, identificada pelo título MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, DATA 15/05/2016, HORÁRIO 14h00, NOME: MINISTRO FERNANDO BEZERRA FILHO, também contendo manuscritos. Conforme investigação, no ano de 2016, ainda havia dívidas a pagar, relativas a empréstimo contraído em 2014. Novas maneiras de saldar esse compromisso, ao que indicam, foram prospectadas.
IX) Um comprovante de TED Remetente FERNANDO BEZERRA DE SOUZA, Favorecido VALÉRIA DAYANA FERNANDES no valor de 100.017,00; dois Cartões de Visita em nome de Ontario Teachers Ziad Hindo e Blue Helm Liran Blum; pequeno pedaço de papel TOCANTINS com nome das cidades PALMAS (R$ 1.500.000,00) GURUPI (R$ 1.500.000,00). Documento que pode revelar o recebimento de vantagem indevida.
X) CRLV [Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo] do veículo CHEV/SPIN 1.8L AT LTZ, ano de fabricação 2018/ano modelo 2019, em razão de encontrar-se registrado em nome de NOVO RIO CARIRI COM. DE VEÍCULOS LTDA.
Em consulta à base de dados da Polícia Federal, verificou-se que um dos sócios da empresa NOVO RIO CARIRI COM. DE VEÍCULOS LTDA é IRAN PADILHA MODESTO, demonstrando, assim, vínculo com o operador financeiro também investigado nos autos do Inquérito que tramita perante a 4ª Vara Federal de Recife/PE, pelos fatos correlatos.
Ademais, o veículo é do ano de fabricação 2018 e modelo 2019, demonstrando, assim, a contemporaneidade das relações entre Fernando Bezerra de Souza Coelho Filho e Iran Padilha Modesto, no contexto da criminalidade organizada econômica e ocultação de bem em nome do Deputado.
XI) Envelopes com dinheiro fracionados em quantias de R$ 2.500,00, no valor aproximado de R$ 55.000,00.
De onde se conclui que não é somente Flávio Bolsonaro, hoje também no Senado, que usava esse expediente para tentar iludir o Coaf (v. HP 19/01/2019, Quem fazia os depósitos na conta de Flávio Bolsonaro?).
PEDAÇOS DE CONCRETO
O porta-voz do Planalto, Otávio Rêgo Barros, afirmou que Fernando Bezerra Coelho será mantido por Bolsonaro como líder do governo porque “é preciso algo mais concreto” para tirá-lo.
Relatou Rêgo Barros que “o presidente Jair Bolsonaro disse: ‘é preciso de algo mais concreto’, segundo avaliação do próprio presidente. ‘Não posso tirá-lo de lá com uma busca e apreensão de um processo antigo, que nós já sabíamos que existia’”.
A antiguidade da corrupção, portanto, é uma credencial para entrar no governo Bolsonaro – ou ser o seu líder no Senado (“… um processo antigo, que nós já sabíamos que existia“ ). Se o processo é antigo…
Nesse caso, por sinal, nem tão antigo ele é, pois foi instaurado em junho de 2017 (cf. STF, Inq 4513). Bolsonaro escolheu Fernando Bezerra Coelho para líder porque quis, apesar de saber que ele estava sendo investigado pela PF, em operações correlatas à Operação Lava Jato.)
Mas, o que será “algo mais concreto” para Bolsonaro?
Para quem usou a Presidência – e o presidente do STF – para que seu filho escapasse das investigações, mesmo à custa de, praticamente, paralisar todos os inquéritos e processos do país sobre lavagem de dinheiro criminoso, já se sabe que, em matéria criminal, nada é concreto se o investigado for um membro da corriola.
O concreto, para ele, é passar por cima da lei.
C.L.