Em razão da reunião com embaixadores em julho do ano passado, corte de contas pode pedir pagamento do valor caso encontre eventuais danos financeiros causados à União
Durante o julgamento que levou à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, disse que vai compartilhar o processo com o MPF (Ministério Público Federal) para que se investigue possíveis crimes cometidos pelo ex-mandatário.
O calvário de Bolsonaro só está começando, pois não cessa com a condenação na Justiça Eleitoral.
Na ocasião, ele também afirmou que compartilharia com o TCU (Tribunal de Contas da União), que pode pedir o ressarcimento aos cofres públicos, caso encontre eventuais danos financeiros à União.
Na última sexta-feira (30), Bolsonaro foi condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação após reunião com embaixadores, em julho do ano passado, quando mais uma vez disseminou informações falsas sobre as urnas eletrônicas. O ex-presidente foi condenado a 8 anos de inelegibilidade por abuso de poder político.
TCU VAI FAZER TOMADA DE CONTAS
Segundo o presidente do TCU, Bruno Dantas, possível processo para investigar a conduta de Bolsonaro na Corte deve levar até quatro meses. A representação do TSE só deve chegar ao Tribunal de Contas ao fim do julgamento do ex-chefe do Executivo na Justiça Eleitoral.
“Caso o TSE envie o caso, creio que levará de 3 a 4 meses para a possível instauração da tomada de contas especial, ou seja, ocorreria entre setembro ou outubro”, afirmou.
Conforme o relator do caso, o envio do voto ao TCU considera “o comprovado emprego de bens e recursos públicos na preparação de evento em que se consumou o desvio de finalidade eleitoreira”.
Caso Bolsonaro precise ressarcir os cofres públicos com o dinheiro usado para custear o encontro com os embaixadores, o valor será pequeno — relacionado ao aluguel de equipamentos de som, telão e outros custos mínimos.
“Quanto deve custar o aluguel do Palácio Alvorada, onde ocorreu a reunião, ou a diária de todos os servidores que lá estavam?”, questionou Benedito Gonçalves durante o julgamento.
RELEMBRE O FATO
A reunião com embaixadores, realizada no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, dois meses e meio antes da eleição presidencial em que Bolsonaro perdeu para Lula (PT) foi o foco da ação feita pelo PDT julgada pelo TSE, que o tornou inelegível por 8 anos.
O então presidente usou o Palácio da Alvorada e a estrutura do governo para organizar apresentação a embaixadores de diversos países. Na ocasião, repetiu suspeitas, já desmentidas por órgãos oficiais, sobre as eleições de 2018 e a segurança das urnas eletrônicas.
O ex-presidente baseou a apresentação em inquérito aberto pela PF (Polícia Federal) em 2018, com autorização do STF, sobre a invasão de hacker ao sistema do TSE.
A Corte Eleitoral informou que esse acesso foi bloqueado e não interferiu em qualquer resultado. Bolsonaro também citou, sem provas, a tese de que o voto impresso seria mais seguro que as urnas eletrônicas — utilizadas desde 1996 sem qualquer caso confirmado de fraude ou adulteração.
USO INDEVIDO DE MEIOS
A TV Brasil, emissora estatal, transmitiu o evento na residência oficial do presidente da República. O acesso da imprensa foi restrito às equipes que concordaram previamente em veicular a apresentação ao vivo e na íntegra.
Ministros do governo passado, como Carlos França (Relações Exteriores), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) estiveram presentes à apresentação.
Durante a reunião, Bolsonaro atacou Lula, que até então era candidato na corrida presidencial e que aparecia como primeiro colocado em todas as pesquisas de intenção de voto. E também os ministros Edson Fachin (que era presidente do TSE na época), Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do STF.
Fachin chegou a ser convidado a participar da reunião, mas recusou, dizendo que “por dever de imparcialidade” não poderia comparecer ao evento de pré-candidato.
DESCONEXÃO E MAIS MENTIRAS
No final da reunião, Bolsonaro mostrou vídeo aos embaixadores no qual aparece cercado por apoiadores. “Isso acontece no Brasil todo, como eu já disse, o povo gosta da gente. Não pago 1 centavo para ninguém participar de absolutamente nada”, afirmou, sem estabelecer referência entre o vídeo e o tema do discurso anterior.
No evento, o ex-presidente deu outras informações falsas: disse acreditar que as eleições municipais de 2020 não poderiam ter sido realizadas, o que teria sido ruptura institucional grave e que apenas dois países em todo o mundo usavam urnas eletrônicas.
Dados do Idea Internacional (Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Social) apontam que, já em 2015, 23 países usavam urnas eletrônicas para eleições gerais — e outros 18, em pleitos regionais.
A informação, na ocasião, foi esclarecida publicamente pelo próprio TSE e pelo Fato ou Fake, do grupo Globo.
M. V.