
Temos que voltar a dar atenção à “velha e não resolvida luta de classes”.
O ex-governador e ex-candidato a presidente pelo PDT, Ciro Gomes, afirmou, nesta quinta-feira, em Salvador-BA, durante palestra realizada na 11ª Bienal da UNE, que “o campo progressista no mundo desacostumou-se de discutir a desagradável questão econômica, que é onde tudo, no limite, se resolve”. Ele ressaltou a importância de darmos atenção à “velha e não resolvida luta de classes”. “E parte linda, importante, respeitabilíssima do nosso campo progressista está se refugiando na agenda identitária”, prosseguiu.
O pedetista participou da mesa “Os desafios da conjuntura para o desenvolvimento nacional” ao lado da líder indígena Sônia Guajajara, de Luciana Santos, vice-governadora de Pernambuco, Nilson Araújo, diretor da Fundação Claudio Campos, do PPL, e Ivan Alex, secretário nacional de Movimentos Sociais do PT.
Ele deu como exemplo o deputado federal mais votado no Ceará, Célio Studart. “Ele não tinha nada a ver nem comigo, nem com Bolsonaro, nem com Haddad”, disse Ciro.
“Ele se elegeu defendendo a causa dos animais domésticos. Vai dizer que isso é uma causa ruim? Que não é uma causa linda? Que não é relevante?
“Claro que é relevante, mas em que isso consulta a velha e não resolvida luta de classes?
“Em que isso consulta a velha e grave questão da pobreza de massa ante uma elite que se fausta no luxo e no privilégio?
“Outro refúgio de um mundo progressista sem ideia, sem projeto, é o ONGuismo.
“Nada mais neoliberal que o ONGuismo.
“Quer dizer que não há boa intenção? Claro que há. Mas quando uma ONG se afirma responsável por questões públicas, de ordem estatal, o que ela está fazendo é legitimar a ordem neoliberal do desmonte do Estado“, afirmou o ex-candidato do PDT.
Ciro alertou os estudantes sobre a gravidade da conjuntura política que se abriu com a eleição de Jair Bolsonaro:
“Nós sofremos uma derrota profunda e humilhante. Ou entendemos isso ou vamos ficar viajando na maionese e confundindo nossos justos sentimentos com o que a amargura da realidade nos impõe.
“Vamos conversar e depois cada um sai com sua ideia.
“Nós não vamos entender a realidade se não partirmos de uma premissa: o campo progressista brasileiro, pouco importa o barulho, grito ou paixão, sofremos uma derrota profunda.
“E é apenas o começo. As consequências dessa derrota profunda estão apenas se iniciando”, disse Ciro.

“Trata-se de entender as causas estruturais disso para descobrir as pistas por onde a nossa luta deve se dirigir para reverter essa derrota humilhante, numa tentativa de reverter a esperança, não de nós, que estamos aqui, mas de milhões de brasileiros pobres que nos abandonaram para votar num líder contra eles”.
Ciro apontou a necessidade de “recuperamos esse eleitorado” que, segundo disse, foi atraído por um discurso demagógico que é essencialmente contra o povo.
“Será que não há nada pra gente aprender? Cabe na nossa cabeça chamar 73% dos eleitores do Rio Grande do Sul de fascista? O Lula ganhou as eleições no Rio Grande do Sul todas as vezes.
“Dá para chamar 75% dos eleitores de Santa Catarina, um dos estados de maior escolarização do Brasil, de fascista?
“Dá pra chamar o Rio de Janeiro de fascista, na conta de 78%?
“Só se a gente quiser de uma vez por todas nos descolar da vida do nosso povo. E, para isso ninguém conte comigo”, frisou Ciro Gomes.
“Quem está preso é o Lula e não eu”
Ao abordar a questão de Lula e de sua prisão, uma parte do plenário, ligada ao PT, agitou-se e começou a agredir Ciro Gomes, aos gritos de “Lula Livre”, acusando o ex-governador do Ceará de corrupto, oportunista e outros adjetivos, acompanhados de algumas vaias.
Ciro lembrou que quem estava preso era Lula e não ele.
E respondeu:
“Não está na minha mão libertar o Lula. Eu avisei que se a direita ganhasse as eleições, o Lula ia ficar encarcerado por muito mais tempo. Avisei na campanha! Aí todo mundo pode vomitar a paixão que quiser. Mas, enquanto a gente ficar assim, acreditando em minorias ínfimas, esmagadoramente derrotados que fomos, companheiros! Companheiras! Nós vamos humilhantemente perder e continuaremos sendo derrotados! Isso afunda o Brasil!“.

Em entrevista, realizada depois do debate, Ciro Gomes comentou as discussões e a agressividade de alguns militantes do PT:
“Eu considero o movimento estudantil um fio desencapado, desses raríssimos, que restam na pasteurização que a política brasileira está virando, graças à traição de certos setores da esquerda em relação a valores importantes, se descolando da agenda do povo”.
Ciro considerou normal o debate acalorado:
“Reunião de estudante é assim mesmo. Sou da geração que reabriu a UNE. Fui candidato à vice-presidente da UNE… As contradições que você vê aqui, vão se aprofundar, porque o PT virou – não essa gente aqui, que é gente boa -, mas a cúpula do PT virou uma organização criminosa.
“E ao virar uma organização criminosa, ela transforma uma geração apaixonada no mesmo fenômeno do bolsominion”, concluiu.
“Crise só será superada se colocarmos o trabalhador em primeiro lugar”
Para o economista Nilson Araújo se faz urgente a “recomposição do salário mínimo e garantir as condições de vida do trabalhador”
Durante a mesa denominada “Os desafios da conjuntura para o desenvolvimento nacional” o PhD em economia e diretor da Fundação Instituto Cláudio Campos, Nilson Araújo de Souza, destacou que “a juventude brasileira mais uma vez está chamada a cumprir um papel de relevo, a ir à linha de frente em um momento complexo e difícil da vida nacional. Em todos os momentos que se caracterizaram dessa forma a juventude cumpriu um papel importante”.
“Se aboletou no governo um grupo que consegue reunir a mais rastaquera concepção de mundo, que chega a ser comparável com a idade média, um obscurantismo intelectual que tenta retornar, no terreno da ciência e da filosofia, à época pré-medieval, e ao mesmo tempo é um grupo submisso ao que há de mais atrasado e retrógrado do império estadunidense, e um grupo que quer entregar o patrimônio público Brasileiro a grupos estrangeiros, que quer retirar o direito dos trabalhadores, que ameaça violar a liberdade democrática. É nesse momento que a UNE tem um papel importante a cumprir”, disse.
A crise econômica que o Brasil atravessa é, para Nilson, “um desdobramento de uma crise mais geral que vem ocorrendo no país desde 2013, 2014. É a crise mais profunda, prolongada e mais ampla da história contemporânea de nosso país”.
Prolongada porque iniciou entre 2013 e 2014 e até hoje permanece, apesar de Temer insistir que o Brasil voltou a caminhar, pontua Nilson. “A economia não voltou a crescer. Tendo um crescimento médio de 1% ao ano, isso significa nada, porque a população cresce mais que isso, então a economia permanece estagnada”.
“Do ponto de vista da profundidade, se derrubou durante três anos, a partir de 2014, pegando 2015 e 2016, a produção do país. Do ponto de vista da amplitude, é uma crise econômica, mas é também uma crise social. Nunca houve uma massa de desempregados tão grande quanto hoje”, afirmou.
“Essa crise é resultado de uma crise mais geral que se iniciou, ao meu ver, no começo da década de 1980. Uma crise que eu chamo de crise estrutural. O Brasil foi, de 1930 a 1980, a economia que mais cresceu no mundo. De lá pra cá, esteve estagnado. Com crescimento médio pouco acima de 2% ao ano, a população crescendo quase 2%, o que significa que o crescimento per capita, por habitante, tem estado estagnado”.
“De onde é que vem esta crise estrutural? Vem de um modelo econômico perverso, que é um modelo dependente. Uma parte ponderável da riqueza nacional era drenada, e segue sendo drenada, pelo exterior para remunerar o capital financeiro, a dívida”.
“Então soma a drenagem externa com os recursos que vão para os rentistas, com os recursos que vão para os monopólios, isso impede a economia de crescer, porque a cobrança que essa economia faz é superexplorar o trabalhador, remunerar o trabalhador abaixo do mínimo necessário para reproduzir suas condições de vida”.
“O fato de se superexplorar a força de trabalho gera um estrangulamento do mercado interno, o trabalhador ganhando menos, cada vez menos, significa que ele não tem dinheiro para comprar e por isso a economia está estagnada. É por isso que chamamos de crise estrutural. Não é uma crise cíclica qualquer, essa crise atual é o desdobramento de uma crise estrutural”.
“E como é que se resolve uma crise estrutural? Só se resolve a enfrentando com medidas estruturais, com mudanças estruturais. No momento, só vamos poder sair da crise se enfrentarmos com a mesma profundidade. Isso significa, ao meu ver, colocar em primeiro plano, na frente de qualquer ação política que se vá adotar, o trabalho”, disse.
“Colocar o trabalhador em primeiro lugar, e isso significa garantir, ao longo do tempo, a recomposição do salário mínimo e garantir as condições de vida do trabalhador”.
Para Nilson, a luta pelas aposentadorias integrais, pela reforma Agrária, por moradia e por Educação se fazem muito importantes não somente para a dignidade do trabalhador, mas para o desenvolvimento econômico.
Construção da Frente Ampla
Para a vice-governadora de Pernambuco e presidente do PCdoB, Luciana Santos, é necessário desmascarar Bolsonaro, e, para fazê-lo, precisa ser constituída uma Frente Ampla. Segundo Luciana, o grande feito de Bolsonaro foi ter conseguido “encarnar a expressão do antissistema, sendo ele próprio a expressão da velha política, da pior política”.
“O que vimos no Brasil foi a vitória da extrema direita. Mas isso não é um fenômeno exclusivo do Brasil, tem acontecido no mundo inteiro. Na eleição dos EUA com Donald Trump. Macron de um lado e Le Pen do outro”, disse.
Luciana relembrou que a estratégia eleitoral adotada pela direita internacional é a mesma que foi aplicada por Bolsonaro.
“Passou o período da campanha, no qual se discutiu tudo neste mundo. Se houve ou não o kit gay, a mamadeira de piroca.
“Só não se discutiram os problemas essenciais do povo brasileiro, a saída para o desemprego do povo, como retomar o crescimento econômico, como combater uma variável estruturante – a pior mazela que existe em nosso país – que é a desigualdade”.
Foi, disse Luciana, uma “campanha do anti-debate, da anti-política”. “Precisamos discutir a saída para as massas do povo brasileiro, para a pobreza e para a desigualdade regional”.
‘Nós precisamos de unidade. Nós precisamos de um espírito de unidade verdadeiro, e não da boca pra fora. Respeitando as diferenças, respeitando as críticas. Precisamos ter a garantia dessa Frente Ampla. Não pode ser frente de esquerda, não pode ser nós mesmos falando para nós mesmos. Precisamos buscar uma frente ampla, de todos que se comovem com o que está vindo por aí”, concluiu a presidente do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco.
Dá-lhe, Ciro! É essa esquerda meme, boboca e estrábica, que tá matando a esquerda no Brasil. Ciro não é santo, sabemos todos, mas nesse momento em Pindorama, terra de cópia, papagaios e compulsivo aluguel de “originalidade”, é uma das poucas cabeças à esquerda acordadas, atentas ao real e com um projeto de país delineado. Os demais, instruídos e leigos, estão em transe, abobalhados ou catatônicos, enxergando no horizonte apenas as próprias convicções. Lula é um dos grandes nomes da política brasileira e deve ser respeitado pela sua história de lutas, naquilo que deve ser respeitado. Porém elevar isso a um ponto a partir do qual tudo que depõe contra ele é posto sob suspeita em esquizofrênicas teorias da conspiração é contradizer frontalmente o alardeado discurso de respeito às instituições. A frase do Cid Gomes, que viralizou nas redes, teve impacto pelo contraste com os entediantes panfletos dos entusiastas do recluso, que não viram a página dessa cantilena, tomam vergonha na cara e passam logo a articular seriamente projetos olhando o entorno e pensando no futuro. Se a esquerda insistir em reduzir a luta política a uma disputa diária, chata e inócua de memes, fakes de efeito duvidoso e repetições nada criativas não vai cativar o eleitor e nem convencê-lo de que vale a pena depositar nela suas aborrecidas esperanças. O esporro do Ciro na galerinha, possivelmente universitária, é para acordá-los do transe, pois parecem achar que ficar repetindo um mantra discutível vai mudar fatos concretos ou a conjuntura. Uma ficção.