Dados mostram que ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde teve vários contatos com executiva da VTC Log. “Nós estamos investigando, e os fatos estão aparecendo. E esses fatos o levam a ser o grande operador aí, vamos saber para quem ele operava”, referiu-se Omar Aziz a Dias
Informações obtidas após quebra de sigilos telefônico e telemático de Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, revelam série de contatos com empresa investigada pela CPI da Covid-19, no Senado, além de ligações e mensagens com parlamentares da base do governo Bolsonaro. Dias, tudo leva a crer, era um dos operadores de compra de imunizantes em que ganhava-se, por fora, para fechar os negócios. Vai revelando a CPI.
Os dados, obtidos pelo jornal O Globo, são analisados pela comissão e fazem parte de apuração sobre suspeitas de irregularidades em contratos da Pasta para compra de imunizantes firmados durante a pandemia.
Conforme veiculou o jornal, os dados abrangem o período de abril de 2020 a junho de 2021, desconsiderando chamadas realizadas por aplicativos de mensagens instantâneas, como WhatsApp ou Telegram. De acordo com os dados, Andreia Lima, CEO da VTC Operadora Logística, foi a pessoa com quem Dias mais manteve contato — ao todo, houve 135 ligações entre ambos.
Roberto Dias atendeu a 129 chamadas de linha de celular usada pela executiva, tendo ligado para ela seis vezes. Com os tempos de todas as chamadas somados, os dois conversaram por 4 horas e 18 minutos, revelam as quebras dos sigilos telefônico e telemático.
Neste momento, sob recesso o recesso do Congresso, a cúpula da CPI estuda documentos recebidos pela comissão. A direção do colegiado vai aproveitar esse período, que vai até dia 31 de julho, para examinar a vasta documentação que possui e ainda definir novas estratégias de investigação.
A CPI foi instalada em 27 de abril para investigar as ações, omissões e inações do governo federal na gestão da pandemia. Na última quarta-feira (14), os trabalhos do órgão investigativo foram prorrogados por mais 90 dias. Dessa forma, o inquérito segue até o início de novembro.
CONTRATOS SUSPEITOS
A VTC Log virou alvo da CPI no Senado, em meio às suspeitas relativas a contratos obtidos com o Ministério da Saúde. Ainda segundo O Globo, os negócios da companhia com o ministério aumentaram 70% no período em que a pasta foi comandada pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo na Câmara, de 12 de maio de 2016 até 2 de abril de 2018. Os contratos somaram R$ 257 milhões, dos quais R$ 254 milhões não foram licitados.
O Jornal Nacional, da TV Globo, revelou que Roberto Dias deu aval para pagamento de aditivo de R$ 18 milhões à VTC Log — valor 1.800% superior ao recomendado pela equipe técnica. Atualmente, a empresa é responsável pela distribuição e armazenamento de equipamentos e insumos, como vacinas compradas pelo ministério.
VALORES COBRADOS
O histórico de chamadas de Roberto Dias mostra ligações ocorridas em períodos próximos às datas em que a VTC e o ministério trocavam ofícios e debatiam valores que a empresa alegava ter direito a receber. A situação só teve resolução com o aditivo de R$ 18 milhões.
A VTC Log enviou, em 21 de outubro de 2020, fatura de R$ 53 milhões ao ministério. Dois dias depois, Andreia Lima ligou para o ex-diretor de Logística. Em 5 de janeiro, a empresa enviou outra conta, a qual atualizava o valor para R$ 55 milhões, cobrando o pagamento. Andreia voltou a ligar seis dias depois.
Em 16 de fevereiro, a empresa enviou novo ofício, com valor atualizado para R$ 57 milhões. Entre os dias 17 e 24 de fevereiro, Andreia e Dias conversaram 12 vezes.
SUPERFATURAMENTO
Durante a polêmica, em 4 de março, o então coordenador-geral de Logística do ministério, tenente-coronel Alex Lial Marinho, subordinado a Dias, assinou nota técnica em concordância com proposta de aditivo de R$ 18 milhões. Embora inferior aos R$ 57 milhões solicitados pela VTC Log, a quantia era 1.800% maior que a recomendada pela área técnica inicialmente.
Às 13h12 daquele dia (quinta-feira), o documento foi assinado por Lial. Às 21h02 do mesmo dia, Andreia Lima ligou para Roberto Dias.
O ex-diretor de Logística assinou o aditivo em 20 de maio, com dois sócios da VTC Log. Dois dias depois, Andreia Ligou para Dias às 23h24.
Procurada, a VTC Logística, em nota, escreveu não ter tido acesso aos dados em posse da CPI. Em relação ao aumento no volume de contratos, a empresa disse desconhecer “qualquer vantagem ou aumentos expressivos em contratos firmados com o ministério entre 2016 e 2017”. A empresa enviou ofício à CPI em que nega irregularidade sobre o aditivo assinado por Roberto Dias.
AZIZ MENCIONA INVESTIGAÇÃO
Em entrevista ao portal UOL, nesta segunda-feira (19), o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM) disse que a apuração seguirá em relação aos contratos firmados com a VTC Log. “Vamos continuar investigando, para que a gente possa, em cima dos fatos que nós temos, chegar aos nomes, sem ter a irresponsabilidade de acusar ‘A’ ou ‘B’ neste momento”.
Baseado em indícios colhidos ao longo da apuração, Aziz salientou que, embora a CPI seja relativa à Covid-19, é necessário saber que a VTC Log está atuando em outros órgãos do governo federal.
Ao ser questionado sobre funcionamento de esquema de corrupção, o presidente da CPI frisou a responsabilidade de não expor pessoas enquanto não tiver certeza dos fatos. Contudo, ele indicou ter uma certeza: “o Roberto Dias mentiu muito na CPI”.
“Tenho certeza de que o Roberto Dias era o grande operador no Ministério da Saúde, não só naquela reunião famosa, na mesa de bar no shopping, como também em outros contratos que o Ministério da Saúde assinou nos últimos dois anos”, ressaltou Aziz, apontando o trajeto dele no ministério. “Nós estamos investigando, e os fatos estão aparecendo. E esses fatos levam a ele ser o grande operador aí, vamos saber para quem ele operava”.
OUTROS CONTATOS
A quebra de sigilo telefônico indica ainda contatos com parlamentares da base governista, como Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado.
Em 6 de maio de 2020, o ex-diretor da Saúde recebeu ligação de Alcolumbre, que costuma se comunicar por meio do WhatsApp. O senador, quando buscado, disse que aquele não teria sido o único contato, e que participou de encontros em que o ex-diretor estava presente para tratar de demandas dos Estados durante a pandemia.
Alcolumbre é apontado como um dos responsáveis por interceder no Palácio do Planalto para impedir a exoneração de Dias, em outubro de 2020. O senador também tentou revogar a prisão do ex-diretor de Logística durante o depoimento dele à CPI.
Além disso, Ricardo Barros, em 16 de julho de 2020, também enviou mensagem de texto para Dias, conforme os dados da quebra de sigilo telemático. O conteúdo do contato, porém, não está disponível no material analisado pela CPI.
Ricardo Barros passou a ser alvo da CPI depois de o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmar que o líder do governo na Câmara foi mencionado pelo presidente Jair Bolsonaro como responsável por irregularidades na compra da vacina Covaxin, da Índia. Barros, por óbvio, negou a denúncia de Miranda. Sobre a mensagem, o deputado disse não ter o registro dessa.
‘PADRINHO’ DA INDICAÇÃO
Outro nome que contatou Roberto Dias foi o ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), apontado como “padrinho” da indicação do ex-diretor para o cargo no ministério.
Lupion ligou para Dias 24 vezes, entre abril de 2020 e maio de 2021. Dessas chamadas, 15 foram feitas após Lupion ter sido exonerado do cargo de diretor de programa do Ministério da Saúde, em 17 de abril de 2020.
Uma das ligações ocorreu às 18h57, em 25 de fevereiro, no mesmo dia e em horário aproximado do jantar em que Roberto Dias e o PM Luiz Paulo Dominguetti se encontraram (por coincidência?) num shopping, em Brasília. Na ocasião, segundo Luiz Paulo Dominguetti — que se apresentara como representante da Davati —, Dias teria pedido propina, de US$ 1 por dose, na negociação de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca.
Em depoimento à CPI, Cristiano Carvalho, representante da empresa Davati no Brasil, disse ter sido avisado sobre “comissionamento” quando questionado sobre suposta propina mencionada por Dominguetti.
Ao ser procurado, Lupion comunicou ter “boa relação de amizade” com Dias. “Nos falamos informalmente e sem qualquer assunto que não fosse ético”, disse. A defesa de Dias destacou que, por não ter tido acesso ao material enviado à CPI, não poderia se manifestar sobre o assunto.
M. V.