O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou com 14 vetos o projeto de lei que trata do controle, inspeção e fiscalização de agrotóxicos no Brasil, apelidado de “PL do Veneno”.
Em tramitação desde 1999, o PL estabelece regras para controle, inspeção e fiscalização desses produtos com potencial de prejudicar a saúde humana e animal, e também o meio ambiente, mas largamente utilizados pelo setor agrícola privado com o intuito de proteger e aumentar suas produções.
A decisão de vetar os trechos desagrada integrantes da bancada ruralista, que articulam a derrubada dos vetos em sessão do Congresso. Ao decidir pelos vetos, Lula ouviu os ministérios da Fazenda, Saúde, Trabalho e Meio Ambiente, órgãos do governo e entidades da sociedade civil.
De acordo com o Planalto, a decisão pelo veto dos dispositivos foi movida “pelo propósito de garantir a adequada integração entre as necessidades produtivas, a tutela da saúde e o equilíbrio ambiental”.
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Entre 2019 e 2022, foram liberados 2.181 novos registros, o que corresponde a uma média de 545 por ano. Em 2023, o país aprovou 505 novos registros de pesticidas, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A expectativa era de que, com a nova legislação, o número ficasse ainda maior.
Um dos vetos foi relacionado ao dispositivo que retirava do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atribuições relativas à fiscalização, repassando a atribuição ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Segundo o Planalto, se aprovado o texto original, Ibama e Anvisa atuariam apenas em “mera complementação” da atuação do Mapa – que acabaria por conduzir essas questões de forma exclusiva.
Na justificativa para o veto, o Planalto argumenta que “a medida evita a transferência da reanálise toxicológica (por riscos à saúde) e ecotoxicológica (por riscos ambientais) para um único órgão, garantindo a manutenção do modelo tripartite, diretamente associado aos direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (previstos na Constituição Federal)”.
Outros vetos seguiram o mesmo caminho, uma vez que, na avaliação da Presidência da República, representavam “a extinção do atual modelo regulatório tripartite (saúde, meio ambiente e agricultura) de registro e controle de agrotóxicos, adotado no Brasil desde 1989”.
O Planalto vetou também um trecho do artigo 41, sob a justificativa de que “afetaria o direito à informação dos consumidores quanto à vedação de reaproveitamento de embalagens de agrotóxicos”. Além disso, complementa, o dispositivo evitaria a associação, na embalagem, entre o produto e o seu fabricante.
“Com isso, a medida evita que haja risco maior de desinformação quanto aos danos causados por eventual reaproveitamento de embalagens de agrotóxicos, em integral observância dos princípios da precaução e da vedação ao retrocesso socioambiental”, informou o Planalto.
Foi também vetado o artigo que cria uma taxa cujo “fato gerador é a efetiva prestação de serviços de avaliação e registro de agrotóxicos”. “O dispositivo não previu a base de cálculo, requisito essencial para a validade das normas que instituem tributos. Desse modo, o veto evita a cobrança inconstitucional da taxa prevista no artigo. Por extensão, o veto evitará a destinação e constituição de fundos sobre os valores arrecadados, bem como a revogação de taxas já cobradas pela Anvisa e pelo Ibama”, justificou a Presidência.
Foram vetados quatro artigos inteiros: o 28, que colocava o Ministério da Agricultura como coordenador das “reanálises” de agrotóxicos; e os artigos 59, 60 e 61, que criavam e estabeleciam regras da “Taxa de Avaliação e Registro” sobre os agrotóxicos, para financiar o Fundo Federal Agropecuário.
Ainda houve vetos a outros trechos que tratavam de coordenação de reanálises; os que concediam registro automático a produtos mesmo antes da conclusão de reanálise; e o parágrafo que dispensava a necessidade das embalagens de agrotóxicos possuírem advertência contra reutilização.
Apesar de ter vetado trechos da lei, o presidente manteve a previsão de acelerar o trâmite dos registros de agrotóxicos, que durarão no máximo dois anos contra uma média de duração anterior de 8 anos.
Durante sua tramitação no Senado, o projeto foi alvo de críticas de diversas entidades como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Na época, a Fiocruz divulgou documentos que classificavam como retrocesso alguns pontos do PL. Entre eles, a ameaça à função histórica dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente sobre a regulação dos agrotóxicos, enfraquecendo o poder de decisão sobre o registro desses agentes; a permissão da exportação pelo Brasil de agrotóxicos sem registro e cujo uso é proibido em nosso país; e manutenção do conceito de risco que abre possibilidades, por exemplo, do registro de agrotóxicos que causem câncer pois pequenas doses podem gerar danos irreversíveis à saúde das pessoas.
Após o veto presidencial, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida – uma rede de organizações da sociedade que denuncia os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio – divulgou nota na qual classifica como “ato importante” os vetos presidenciais, mas alerta que isso é “insuficiente para resolver os inúmeros problemas causados pela nova lei”.
“Enfatizamos a necessidade de uma mobilização contínua e intensificada no retorno do recesso parlamentar, pressionando tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados para impedir a derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional”, diz a nota.
A rede de organizações lembra que o novo marco regulatório de agrotóxicos enfrentou forte oposição de diversos setores da sociedade. Entre eles, o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e o Ibama, além de Anvisa, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e, também, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os vetos serão analisados em sessão conjunta do Congresso Nacional em 2024 e ainda poderão ser derrubados.
A bancada do agronegócio no Congresso promete se articular para derrubar os vetos do presidente ao projeto que flexibiliza o acesso a agrotóxicos no país.
De acordo com o deputado Pedro Lupion, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o grupo não concorda com os vetos e tem votos suficientes para reverter a decisão presidencial.